segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Merlí... para além do entretenimento e da superprodução: uma série filosoficamente humana e historicamente possível

‘Merlí y los peripateticos’ (na Espanha) é uma série feita para a TV catalã que foi rodada em horário nobre (horário em que no Brasil passam os ‘novelões’ e suas tramas exagerados, cheios de clichês e idealismos), e diferente das chamadas ‘grandes séries’ que envolvem altos investimentos, não aposta tanto no quesito técnico nem em personagens ‘idealizados’ (heróis e afins), ideologizados por imagens e atos fantasiosos. Merlí, esteticamente, é bem mais simples que isso. Disponível na Netflix, é dividido em três temporadas. O que diferencia o seriado dos outros, além da questão já dita aqui, são as temáticas levantadas em cada capítulo. Personagens fortes e grandes atuações, o seriado é rico em simbologias, relações humanas, críticas sociais e culturais. O centro da história é a filosofia. Ou seja, cada capítulo traz um filósofo ou filósofa e alguns elementos que caracterizam seu personagem, o que vai permear aquele capítulo e envolver os personagens e seus cotidianos na trama. Coisas da vida que realmente acontecem, e que, muitas vezes não notamos por estarmos dentro da situação. Quem escreveu o seriado foi muito feliz nisso.

Não há muito o que dizer de Merlí, pois o muito pode ser pouco, ou nada. Final surpreendente (aliás, a surpresa é elemento comum durante todo o seriado, pois como a vida, muita coisa muda sem aviso prévio). Um professor (que pode fazer toda a diferença na vida de seus alunos), uma área do conhecimento (que envolve outras), os alunos e a escola, estes são os elementos centrais da ‘estória’. Por isso, indico a série para professores e estudantes – e para todos/as os/as que se interessam pelo pensamento, pelas relações humanas e sociais, pela vida tal como ela é ou pode ser. Para assistir Merlí com um olhar mais profundo, é preciso livrar-se do adestramento, do vício que se transforma em pré-conceito, que as superproduções inculcam ao olhar.

Merlí é mais que um seriado, é uma aula de filosofia, sociologia, psicologia, de como ver a vida de forma diversa, abrangente, cheia de conflitos, movimentos e mutações, além da moral (ou moralismo), do politicamente correto, do bem e do mal e dos idealismos. A vida tal como ela é – ou pode ser.  Um misto de alegria e tristeza sinto em terminar o seriado que, tem na tragédia (ou dificuldade), como diria Nietzsche, um motor para a superação do próprio eu. O seriado é uma desconstrução do olhar viciado em certo idealismo, e seu final uma celebração à memória e à vida.