domingo, 25 de agosto de 2019

Taoismo, o que é? – uma síntese

taoismo (ou daoismo) é um profundo conhecimento, uma ‘filosofia de vida’ e/ou uma ‘espiritualidade’ chinesa milenar, na qual o ser humano deve viver em harmonia e integrado a Natureza, pois faz parte dela. Nisso, o taoista tem a Natureza como grande mestra, sua grande-mãe, que ensina como viver e interagir no mundo - algumas linhas taoistas admitem-no como uma ‘filosofia espiritual matriarcal’, pois ele é fruto da Natureza. Dessa forma, quando tomamos a Natureza como referência em nossas vidas, atingimos o Equilíbrio - ou o Tao. Assim nos (re)integramos a Natureza e passamos a viver mais plenamente e equilibrados (interna e externamente), naquilo que chamamos Caminho. Algumas práticas de vida propostas pelo taoismo são fundamentais para isso, entre elas estão a meditação, a alimentação natural (ou mais próximo possível disso), o cultivo de plantas, as práticas físico-energéticas como o Chi Kung e o Tai Chi Chuan, entre outras.

“Meu corpo está em harmonia com minha mente, e ela em harmonia com minhas energias (...) um jeito natural de sentir as coisas...” (Lao Tsé)


Filosofia e espiritualidade – Lao Tsé e xamanismo

O taoismo iniciou como uma filosofia e espiritualidade (o que na China não se divide como no ocidente), para alguns historiadores, a partir das escritas do pensador chinês Lao Tsé (Laozi), encontradas no livro Tao Te Ching (Dao De Jing), a grande obra do taoismo. O nascimento e vida de Lao Tsé é uma incógnita entre historiadores. Alguns defendem que ele provavelmente tenha nascido e vivido durante a dinastia Zhou, que durou do século XI a 256 antes de Cristo. Outros vão dizer que o taoismo já existia antes mesmo disso, só não levava ainda desta identificação ou nome. Nisso, o taoismo teria iniciado com antigas práticas nativas (xamânicas) a partir de mestres e mestras que viviam na Natureza, e lá teriam desenvolvido os conceitos e adquirido as concepções que viriam a se tornar o taoismo, convivendo e observando as manifestações da naturalidade ou da Natureza. Lao Tsé teria aprendido isso e então registrado em forma de aforismo poético na sua obra.


Religião e/ou espiritualidade

Com o passar do tempo o taoismo também foi tornado ‘religião’ (no sentido institucional), porém, parte dos adeptos ou praticantes do taoismo o são independente da religiosidade institucionalizada. Estas formas diferentes de se conceber o taoismo faz com que ele tenha linhas diferentes de se compreender e se praticar.

Nisso, comumente podemos dividir a tradição taoista em taoismo filosófico e taoismo religioso. Este último, fruto dos movimentos religiosos organizados para instituí-lo  enquanto religião, fundindo elementos da religião tradicional chinesa com aspectos do confucionismo e do budismo. O taoismo, de certo modo, passa também a influenciar tanto Kung Fu-Tsu (Confúcio) e sua filosofia (o confucionismo) quanto o budismo na China.

No ocidente, em alguns casos, o taoismo é visto como ateu, por não ter o conceito de Deus e por sua base ser filosófica. Diferente do cristianismo e de outras religiões ou espiritualidades monoteístas e ocidentalizadas, no taoismo não há pregação. Ou seja, não há uma tentativa de arrebanhamento. Por isso, não há um discurso retórico de convencimento na conquista de fiéis e/ou seguidores. O taoismo não atua ideologicamente neste sentido. É uma ‘espiritualidade silenciosa’, onde a meditação e o estudo da filosofia taoista, assim como das práticas cotidianas ligadas a (re)aproximação da Natureza, são o modo de se praticar e alcançar o grande espírito, que é o da Natureza, ou simplesmente, o Tao. Em algumas linhas religiosas aqui no Brasil, se atua de forma a conquistar seguidores através de ‘missionários’, onde acontece um sincretismo com as crenças e/ou religiões locais. O taoista, espiritual ou religioso, geralmente preserva um ‘altar’ pessoal ou coletivo, com símbolos cultuados que são referências para sua prática ou vivência. Entre suas principais práticas espirituais estão a meditação e a contemplação da Natureza.

“É necessário unir os 3 Tesouros no corpo: a essência , a energia e o espírito." (Liu Pai Lin)


O Tao

 

“O Tao que se explica, não é o verdadeiro Tao”. “O caminho que pode ser expresso não é o Caminho Constante”. Estas são duas traduções do primeiro verso ou frase do primeiro aforismo poético do Tao Te Ching. Numa delas, Tao é traduzido por Caminho. Porém, não é uma tradução literal, apenas aproximada, pois, como diz na primeira tradução do verso acima, o Tao não se pode explicar. Se explicado, já não é mais o Tao, pois ele é o ‘grande mistério’, e o mistério só existe como mistério, e não explicação. Para alguns, o Tao tem sentido de Deus, enquanto criação, pois é ele, o Tao, o grande mistério, quem cria e faz viver todas as manifestações, internas ou externas. É também uma representação do eterno ou do infinito, para alguns, do Caos. Por ser mistério, o Tao é muito mais fácil de ser sentido do que explicado. Para o Tao, assim como para a Vida e o Universo, tudo o que é vivo tem o mesmo valor: plantas, bichos, gente... Tudo está conectado e pertence a um espírito maior, o da Natureza, que é a própria Vida, ou o próprio Tao.

"Céu e terra não têm atributos e não estabelecem diferenças: tratam as miríades de criaturas como cachorros de palha." (Lao-Tsé)


Princípios básicos fundamentais

Alguns dos principais princípios básicos fundamentais do taoismo são: ‘humildade, generosidade e simplicidade’. Outros vieram do xamanismo chinês, como a ‘teoria dos cinco elementos, a alquimia, que também envolve o uso de ervas e práticas energéticas ou curativas/medicinais, e o culto a alguns símbolos e aos ancestrais’. Para acessarmos os princípios fundamentais taoistas, necessitamos ler e interpretar o Tao Te Ching, e/ou integrar algum grupo taoista. Outro grande filosofo taoista importante é Chuang Tzu. No Brasil, uma boa obra é ‘A sabedoria da Natureza’ de Roberto Otsu, que traz de forma muito clara alguns fundamentais princípios taoistas. O I-Ching (O livro das Mutações) também é uma das principais obras utilizadas no taoismo.


Chi, a energia vital e o Tan Tien

Na tradição taoista uma energia cósmica universal que está na Natureza é o que sustenta a Vida. Esta energia é chamada de Chi (ou Qi), a energia vital ou ‘sopro vital’. Esta energia percorre os corpos e, uma vez cultivada (através das práticas do Chi Kung – que significa ‘cultivo de energia’, Tai Chi Chuan, meditação, alimentação natural, relação com a Natureza, e também nos locais que vivemos e frequentamos), equilibra os seres humanos para uma vida mais plena, saudável e longa.  

O Tan Tien (ou Dantian) inferior é um círculo de energia localizado no centro do corpo, entre o umbigo e as genitais (existem outros, que correspondem aos Chakras da tradição indiana), e é o principal receptor e distribuidor do Chi pelo corpo. Através da respiração (e de técnicas respiratórias presentes no Chi Kung e na meditação), é possível concentrar e ‘manipular’ esta energia pelo corpo. Quem pratica a arte do Chi Kung, e se bem incorporada, com o tempo adquire a habilidade de trabalhar esta energia em si próprio.

Fontes de energia

Pela teoria taoista existem três principais fontes de energia para o ser humano.
* A primeira é genética (pelo gene) e/ou hereditária, ou seja, as energias (boas ou ruins, saudáveis ou deficientes, positivas ou negativas) que recebemos dos nossos antepassados, sob tudo dos pais. Estas energias estão em nós e são as mais difíceis de se lidar, pois são heranças nos deixadas. A questão é equilibrá-las, sob tudo as ruins (deficiências ou doenças, características negativas da personalidade, etc.) já que, a curto prazo pelo menos, não há como eliminá-las. Mas é possível equilibrá-las e até transformá-las. Isso vai depender, justamente, das nossas posturas diante do mundo, das nossas práticas cotidianas, da nossa alimentação, e da nossa mentalidade.
*A segunda fonte é a alimentação, ou seja, vem dos alimentos que consumimos. Quanto mais natural, orgânica, limpa, saudável for a alimentação, melhor será nossa energia. Parece óbvio, não é? Até a medicina nutricional ocidental sabe e diz isso. Então, esta fonte também tem relação direta com a Natureza, e é o caminho alimentar que buscamos nutrir em nossas vidas.
* A terceira fonte é o ar. Isso mesmo, o que respiramos, onde respiramos e como respiramos. Se estivermos vivendo mais próximos da Natureza, o ar será melhor, mais puro, mais rico em energia, e isso, todos sabem, entra nos nossos corpos, abastecendo-os. Isso também tem relação com a forma que respiramos. Buscar a ‘respiração natural’ (assim chamamos na prática taoista) é um bom caminho para eliminarmos perturbações que nos adoecem, como o estresse e a ansiedade. Também existem técnicas de respiração que fazem com que nosso ar troque a energia do corpo, assim como, concentre e trabalhe o Chi em nós. O Chi Kung, por exemplo, é uma prática que, sob tudo, envolve este trabalho de respiração.

"O Universo é circunstancial, as coisas vêm e vão com a mesma fluidez que o ar, que não é percebido e simplesmente penetra nos pulmões". (Chuang Tzu)


O Caminho

Outro fundamental conceito ou concepção desta prática filosófica e espiritual é o de Caminho. O Caminho taoista é o do Equilíbrio, onde se busca livrar-se dos excessos, sendo eles, a principal causa do desequilíbrio humano e social, dos conflitos internos e externos, ou seja, o principal causador dos problemas, doenças e desequilíbrios. É o Caminho do Tao ou do Equilíbrio. Também, o Caminho da naturalidade, da Natureza ou da própria Vida. Neste Caminho, o taoista busca o equilíbrio do corpo e deste com a Natureza. Nesta concepção não existe um lugar final onde se deva chegar, apenas o Caminho, pois o importante não é chegar ou estagnar, mas sim equilibrar-se no Caminho. Estar no Caminho, em equilíbrio, é viver o Tao. Simples assim, porém, complexo ou profundo. Bem como o Tao, este ‘estado’ (ou ‘não estado’), não se pode explicar com palavras, é preciso praticar e viver o taoismo como ‘cultura’ (que envolve mente, corpo e espiritualidade), ou seja, como uma filosofia de vida, que comporta certas práticas cotidianas, internas e externas. Nisso, o taoista não separa o mundo imaterial espiritual do mundo material físico-existencial, pois uma coisa deve levar a outra. A iluminação para o taoista é a profundidade da consciência sobre a Vida, tendo em vista a Natureza e o outro, ou seja, a Vida. Em suma, além de certa mentalidade, ser taoista também é uma posição ou postura dentro do mundo. E esta mentalidade e e postura é o que chamamos Caminho.
“Aprofundar-se no Caminho consciente que dará suporte à sua prática interior, e desenvolver a característica de um coração abrangente na relação com o mundo, o que sustentará sua prática exterior”. (Wu Jyh Cherng)

O vazio

Outro fundamental conceito taoista que se relaciona com a atenção plena ou o aqui-agora. Quase que, como o Tao, difícil de explicar com palavras. Mas compreendido por quem pratica as artes ou conhecimentos provindos do taoismo. Tem relação direta com o Caminho e o wu-wei. Alcançado com a meditação (no taoismo também chamada de ‘mergulho no vazio’) e/ou as práticas do Chi Kung e Tai Chi, quando bem  incorporadas. Para dar uma ideia (talvez vaga) do que seja, cito um dos grandes filósofos taoistas que diz:

"Não sejas um personificador da fama; não sejas um silo de esquemas; (...) ; não sejas o proprietário da sabedoria. Incorpora o mais plenamente que possas o que não tem fim e perambula por onde não há sendas. Aferra-te a tudo o que recebeste do Céu, mas não creias que possuis alguma coisa. Sê vazio, eis tudo." (Chuang Tzu) 

Wu-Wei, a ‘não ação’

No taoismo o wu-wei, que significa “não ação” (também aplicado como ‘não intenção’), é um princípio fundamental. Conceito que tem base na Natureza, onde não existem ações desnecessárias, posto que os taoistas, seguindo a Natureza, preferem a sutileza e a suavidade em lugar da força e da rigidez. Portanto é a necessidade a principal guia das ações taoistas, onde viver o mais próximo possível da naturalidade é estar no Caminho. ‘Não ação’ não significa indiferença, mas sim, pode significar fluxo, onde, muitas vezes, não (re)agir é uma sábia atitude que leva ao equilíbrio. Respeitar o tempo, observar a Natureza e a Vida, fluir com elas, aprendendo com as passagens difíceis e aproveitando as fáceis, é o sentido do wu-wei.
“Agir com a não-intenção não significa deixar de agir ou agir sem objetivo, mas atuar efetivamente no mundo através da orientação que nasce diretamente da Consciência Universal, sem considerar as intenções do ego.” (Wu Jyh Cherng)

Tai Chi, o Yin-Yang

 No taoismo a vida é regida pelos elementos (energias ou forças): Yin (interno, escuro, polo negativo de energia, frio, terra, feminino) e Yang (externo, claro, polo positivo de energia, quente, céu, masculino). Energias estas complementares e indissociáveis, opostos num dualismo que se integra e unifica, se complementam e contribuem para o fortalecimento um do outro. Uma vez elas separadas, gera o desequilíbrio, causa dos conflitos e doenças humanas. O Tai Chi, também chamado de Yin-Yang é representado por um círculo que simboliza os dois polos de energia e a unidade, o todo. Também remetem a pensar dois peixes, um preto e um branco. Nesta simbologia o preto (escuro) vive no branco (claro) e o branco vive no preto. Céu e Terra coexistem. Esta unidade é a própria Vida pulsante, que é vida pois se equilibra. O Tai Chi é o principal símbolo do taoismo.

“Mergulho com o influxo e surjo com o refluxo, sigo o Tao da água e não lhe imponho minha visão egóica. É assim que eu me mantenho flutuando" (Chuang-Tzu)

Política, ideologia e doutrina
Politicamente, o Taoismo pode ser considerado libertário, se levarmos em conta que busca a igualdade dentro das diferenças, entre os seres humanos e destes com as outras formas de vida, sendo que, nenhuma é mais importante do que a outra, ambas são partes fundamentais da existência, e assim, da própria vida. Historicamente, mestres e mestras taoistas se colocaram ao lado dos mais necessitados, seguindo alguns princípios do Tao Te Ching. Na busca pelo Equilíbrio, o taoismo na sua ação política (leia-se política aqui para além do partidarismo e do jogo de poder), desenvolveu técnicas proativas de vida, que trabalham na prevenção de conflitos e doenças, o que envolve tratamentos curativos (medicina) e aspectos éticos na mediação justa das diferenças, para que elas não se tornem desigualdades ou injustiças. Algumas linhas taoistas de cunho espirituais e/ou religiosas, usam o termo doutrina para designarem suas práticas.
"Riqueza é, para o sábio, o que ele faz pelos outros". (Lao Tsé) 

‘Ciência’ taoista

Diferente da ciência moderna ocidental que é cartesiana (racionalista), no conhecimento milenar (antigo e moderno) taoista em nível de experiência (chamado por alguns de ‘ciência taoista’) não se separa o corpo da mente e ambos da energia (e/ou espiritualidade). Também não se separa o ser humano do resto da Natureza, como faz a concepção platônica judaico-cristã ocidental. Assim a ‘ciência’ taoista atua tendo em vista a unidade, o todo, e não o fragmento.

As pesquisas dos grandes mestres e mestras taoistas são a principal base da MTC (medicina tradicional chinesa), que em princípio é proativa (preventiva ou antecipatória), a partir de conhecimentos das ervas medicinais, de uma alimentação equilibrada, das alquimias e terapias como a acupuntura, massagens, mocho, das práticas da meditação, Chi Kung, Tai Chi, entre outras. Nisso, o taoismo enquanto espiritualidade, filosofia e ‘ciência’, deu subsídios para outros conhecimentos nestas áreas, como a prática japonesa do Reiki por exemplo. Atualmente se relaciona muito o conhecimento interno taoista com a física quântica. Também podemos relacionar com as antigas práticas nativas brasileiras, indígenas e caboclas, sendo a benzedura e trabalho com ervas, duas delas.

 

Taoismo e ocidentalismo platônico judaico-cristão

 

·         Na visão do filósofo inglês John Gray:

 

“O pensamento ocidental está fixado no hiato entre o que é e o que deveria ser.”

“Fora da tradição ocidental, os taoistas da China antiga não viam nenhum hiato entre ser e dever ser. A ação correta era o que quer que derivasse de uma clara visão da situação. Eles não seguiam os moralistas – confucionistas, naquela época – que buscavam acorrentar os seres humanos a regras ou princípios. Para os taoistas, a vida boa é apenas a vida natural vivida com habilidade. Ela não tem nenhum propósito particular. Não tem nada a ver com a vontade e não consiste em tentar realizar nenhum ideal. Tudo o que fazemos pode ser feito de maneira mais certa ou menos certa, mas, se agimos certo, não é porque traduzimos nossas intenções em ações. É porque lidamos habilmente com o que quer que precise ser feito. A vida boa significa viver de acordo com nossas naturezas e circunstâncias. Não há nada que diga que ela deva ser a mesma para todo mundo ou que deva estar em conformidade com a ‘moralidade’.
            No pensamento taoista, a vida boa vem espontaneamente; mas espontaneidade está longe de ser simplesmente agir segundo os impulsos que nos ocorrem. Em tradições ocidentais como o romantismo, a espontaneidade está ligada à subjetividade. No taoismo, significa agir desapaixonadamente, baseado numa visão objetiva da situação presente. O homem comum não pode ver as coisas objetivamente porque sua mente está anuviada pela ansiedade de alcançar suas metas. Ver claramente significa não projetar nossas metas sobre o mundo; agir espontaneamente significa agir de acordo com as necessidades da situação. Os moralistas ocidentais perguntarão qual é o propósito de tal ação, mas, para os taoistas, a vida boa não tem propósito. É como nadar em um redemoinho, respondendo às correntes tal como vêm e vão. ‘Mergulho com o influxo e emerjo com o refluxo, sigo o Tao da água e não imponho a ela minha visão egóica. É assim que permaneço à tona’, diz o Chuang-Tzu.”

“O taoista relaxa o corpo, acalma a mente, afrouxa a pressão exercida por categorias tornadas habituais pelo nomear, libera a corrente de pensamentos para diferenciações e assimilações mais fluidas e, em vez de pesar escolhas, deixa que a inclinação espontaneamente encontre sua própria direção. (...) Ele não tem que tomar decisões baseadas em padrões de bom e mau, porque, admitindo-se apenas que iluminação seja melhor que ignorância, é auto-evidente que, entre inclinações espontâneas, a que prevalece numa situação de maior clareza da mente, outras coisas sendo iguais, será a melhor, ou seja, a que está de acordo com o Tao, o Caminho.” (A. C. Graham)

(‘Cachorros de Palha’ – John Gray)

 

 

Em suma...

 

O taoismo é um sincretismo de conhecimentos, é uma a filosofia, que é uma espiritualidade, que é uma cultura, que é uma sabedoria, e que tem na existência, na prática, na Natureza e na Vida, seu sentido de ser. Herança de grandes mestres e mestras do passado (e que seguem no presente), principalmente da grande mestra, a grande mãe Natureza.

 

"A grande virtude do Céu e da Terra chama-se vida" (I Ching, o Livro das Mutações)



quarta-feira, 21 de agosto de 2019

O espírito cinza de um país que queima transtornado


A comemoração do governador do RJ, Wilson Witzel pela morte de um jovem negro, pobre e que cuidada da propriedade dos outros (era vigilante), no episódio do sequestro do ônibus sobre a ponte Rio-Niterói - comemoração esta também do atirador, jornalistas e outras pessoas que no local estavam (em casa também tiveram os que vibraram) - retrata a face de um país dissimulado, decadente e transtornado em seus valores morais. 

O mesmo governador, é aquele que, junto com a polícia, num helicóptero, participava de uma operação onde atiravam de fuzil contra a população negra e pobre de uma favela. O mesmo que sobre a morte de adolescentes negros e pobres dias atrás, disse que 'alguns vão morrer', acompanhando o discurso do presidente Jair Bolsonaro. O mesmo que, no ato da quebra da placa que homenageava Marielle Franco (mulher, negra e ativista dos Direitos Humanos), comemorou. Atitudes típicas do fascista, e que está no poder (como outros que neste momento atuam no país), sob os olhos e participação da 'justiça' brazileira e de muitos brazileiros que se esbaldam com a tragédia alheia.

Sim, o sequestrador colocou em risco outras vidas, e por isso teve sua vida encerrada. Até aí, o fato se explica e a ação da polícia se justifica. Agora, comemorar a morte é algo estupidamente depravado.
Vivemos um tempo de 'espetáculo' midiático, onde tudo se filma e se publica, seja pela rede social ou pela TV. Onde juiz, polícia, governador, presidente, etc., agem como 'pop-stars'.  Onde tudo se torna show, discurso, publicidade, espetáculo (leia-se ‘Sociedade do Espetáculo’ de Debord). Onde a moral, a discrição, o equilíbrio e o bom senso, dão lugar ao bizarro e ao discurso moralista da palavra e da imagem.

O sequestro em seu desfecho não foi trágico (não pelo menos para os sequestrados). Graças a ação acertada da polícia? Sim. Mas também ao caos. Ou seja, a circunstância. O sequestrador foi atestado com problemas psicológicos. Não feriu ninguém. Estava transtornado. Participou do 'espetáculo'. O trágico foi a atitude do governador, de alguns policiais, jornalistas, mídia e populares, que engrossaram o discurso de ódio ao 'preto-pobre-transtornado' ao comemorarem sua morte. Há quem diga que comemoraram o desfecho. Mas, o desfecho também foi a morte.

Num contexto maior, o jovem, também foi uma vítima (por estar nesta condição de transtorno mental e social), que fez outras vítimas, ambos frutos de uma sociedade transtornada - e espetacular, governada por demagogos e moralistas. Como num filme comercial e publicitário de Hollywood, Witzel, o governador, desce de um helicóptero, vibra como que comemorando um gol numa partida de futebol, e profere para a mídia televisiva um discurso típico do moralismo do cinema ideológico hollywoodiano.

Nossa realidade, nossa cultura, sofre de transtorno (numa concepção taoista, o ‘espírito deste tempo’), onde o ódio e o fetiche pela morte (do pobre-preto-transtornado) são o prazer dos dementes. É o fascismo demente brazileiro no seu ápice. Comemora-se, ri-se do paliativo enquanto o problema real continua. É acima do problema que eles, os bizarros e dementes que governam, fazem seus showzinhos e mantém-se em evidência. É o governo do bizarro. E as bizarrices continuam. Enquanto o país queima em cinzas e transtornos...




sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Indústria do espírito, controle da mente e do corpo...

O capitalista transforma tudo (ou quase tudo) em negócio. Isso é fácil para ele, devido a certa 'cultura das aparências' (leia-se 'sociedade do espetáculo' de Debord) que ignora as essências (o que é interno aos conteúdos). Discursos, retóricas, motivações de ordem ideológicas e publicitárias são mecanismos destes convencimentos, que fazem pessoas acreditarem e seguirem uma ideia fixa, determinista e reducionista e que, por sua vez, reproduzem estas condições, enchendo o mundo delas. Um exemplo disso é o McMindfullness.
"Filosofias e espiritualidades como o Taoismo e o Budismo, por exemplo, originalmente visam a libertação do ser humano. Mas o mercado (e a ideologia política e publicitária) pega isso, separa só o que interessa, coloca numa garrafinha com um rótulo bonitinho e vende como um produto capaz de aumentar sua atenção e te tornar um empregado melhor, mais obediente, menos questionador, mais produtivo e que reivindique menos melhores condições de trabalho ou salário. A exemplo do McMindfulness, que visa somente o lucro das empresas. Ele não tem a função social das filosofias ou tradições antigas citadas acima. Pelo contrário, ele pretende moldar mais escravos alienados e obedientes." (Flávio Ribeiro Tubino - intervenções minhas)
Essas novas tendências, estes 'modismos', pipocam por aí o tempo todo, onde muitos deles se utilizam da filosofia e da espiritualidade como elemento de convencimento e controle, induzindo os menos acordados a consumirem e reproduzirem deliberadamente - quando não, utilizam para condicionar pessoas num exército ideológico e dogmático, como é o caso do 'cristianismo' pentecostal no Brasil atual. 
Aos colegas praticantes, professores, trabalhadores/as das filosofias que relacionam-se com psicologia, energia e/ou espiritualidade (não necessariamente religião), e aos atuais 'coachs', uma indagação: 'Estamos ajudando as pessoas a se tornarem realmente melhores, ou apenas as ludibriando?'


Um adeus à Francisco Gomes


Acordo cedo e cevo um mate em homenagem à Francisco Gomes, meu avô.
Seu Chico ou vô Chico, como também era chamado pelos seus, foi um grande homem, da raça dos campesinos colorados,
destes que o tempo esculpiu, com foice e enxada, na dura peleja da vida e lida da terra,
que foi seu sustento e da nossa família.
Noventa e dois invernos de história, destas que não figuram nos documentos oficiais, por não caberem neles.
Meu avô era Caboclo, destes que já não se nascem mais.
Grande mestre de conhecimentos passados que pouco vigoram nos programas de televisão, revistas, jornais
ou falatórios por aí,
mas que sustentam parte deste mundo feito a ferro e fogo...
e também alguns amores.
Seu Chico cresceu trajando bombacha, de facão na mão, cortador de erva-mate no interior do Rio Grande.
Foi com o vô Chico que aprendi algumas das maiores lições da minha vida: O amor e respeito pela terra e o pouco que sei da lida com ela, o amor pela literatura, pelas ‘estórias’, que aprendi ouvindo seus causos que me faziam sonhar, nas nossas prosas noturnas iluminadas pelo candeeiro,
nós e as mariposas que voejavam em roda.
Ah, foram dos melhores dias da minha vida àqueles, junto do meu avô!
E que bela infância eu tive por isso!
Nossas carteadas embaladas de risos e cachaça na ameixa,
antes dos mais deliciosos almoços do mundo, preparados pela minha avó no fogão a lenha.
Nenhuma rua ou prédio público levará seu nome. Nenhuma estátua será erguida em sua memória, pois isso tudo é muito pouco e não representa a importância de um homem e seu tempo, como meu avô.
Francisco Gomes, o vô Chico, um Caboclo, pediu para ser velado e sepultado vestido de bombacha e lenço vermelho.
A capelinha de madeira com a Santa Maria, antiga, ao lado.
Hoje o vô Chico descansa e seu riso me é eterno.
Enquanto escrevo estas linhas insuficientes para falar da sua grandeza, vou proseando e mateando com meu avô, com seu nobre espírito, sua energia presente, orgulhoso e honrado por ser herdeiro seu, da maior fortuna que pode existir: o amor pelas coisas simples e fundamentais da vida.
E ouço, serena, sua voz me dizendo: ‘Bombeie lá...’


Adeus Francisco Gomes, obrigado por tudo! E até mais ver...

* Bom descanso e boa transformação meu avô! Te amo!

08/08/2019.