quinta-feira, 28 de abril de 2011

Um poema familiar...

Tempo para uma poética do incesto

                                               * Baseado na obra Lavoura Arcaica de Raduan Nassar


Olhos amenos. Nessa nossa embriaguez secular. Ninguém é o mesmo. No canto do quarto escuro. No abandono. Na solidão. Em todos os lugares onde não brilha o sol, mas erradia uma vontade enlutada de negação. Tempo... tempo... ele é quem decide. Sempre!

Risos de devaneio por debaixo do lençol. O chão. Bem perto daqui. Teus gemidos. Um silêncio ruidoso o teu riso. A igrejinha velha que ficou pra tapera. A confissão. O pecado. Revelação e os confins. Aqui o tempo é soberano - em todo lugar. Tempo... tempo... ele é quem decide. 

Jogo. Eu jogo. Eu ganho. Eu perco. Eu me encerro com o final da partida. Depois me calo. Guardo o sorriso. Vou pra casa. Todos me esperam. Mesa posta. O pão. O vinho. Todos muito amáveis e seus segredos. Brindam meu retorno. “Não há taça que não tenha um fundo de veneno”. Tempo... tempo... ele é quem decide.

As tábuas do corrimão da escada carcomidas pelo tempo. Meus passos de louco na solidão. Um inverno sem fim. A vida. E tudo muda. Tudo se transforma. “Os movimentos do Caos”. Tudo a nossa volta. Tudo! Tempo... tempo... ele é quem decide.

Eu e você. Improváveis para o amor. Nossa dor conjugada. Perdição! Você sempre aparece. Em sonho. Em morte. Em canção. Viva. Nos subterrâneos da memória. Você. Ilusão. Minha fome. Minha sede. Minha enfermidade. Minha loucura. Meu sopro. Minha lâmina. Tempo... tempo... ele é quem decide.

Sob a égide do tempo a eterna luta. Liberdade? Tradição? A semente. A plantação. Um dia se colhe. Um dia a planta morre. E a terra pega de volta o que é seu. O homem da negação. Eu. Eu-planta. Eu-paixão. Te espero no tempo. Tempo... tempo... ele é quem decide.

Descanso na beira de uma estrada poeirenta. Eu, reduzido a pó. Nada passa por aqui. A não ser... o tempo. Envelheço. Envelhece a estrada. Mas não o tempo. Esse tempo. O tempo da cura. O tempo que mata. Tempo... tempo... ele é quem decide.

A tempestade se aproxima. Antes, um pé de vento. Anunciação! A chuva chegando. No abrigo da mata me junto às plantas. Me enterro. Me cubro de folhas e terra. Volto à natureza. Um filho que retorna ao ventre da mãe. Mãe que embala meu sonho. Você está nele. Uma dança junto às folhas secas. Pés descalços no chão. Enquanto eu, deitado me movo. Rolo no capim. E a chuva começa. Charco. Lodo. Nós, mergulhados nessa transação. Tempo... tempo... ele é quem decide.

Depois de tudo, a calmaria. Tua mão anêmica com leveza tocando meu rosto. Não foi sonho. Foi embriaguez. Acabamos bebendo do mesmo vinho. Um só ato. Numa só taça. Um só espírito. Nossa comunhão! A amargura da tradição. O sopro perfumado da liberdade. Tragédia no desconcerto de nossas crenças. Esse grão irá germinar. Se assim o tempo permitir. Tempo... tempo... ele é quem decide.

Nossos rostos úmidos. O movimento dos galhos das árvores. Mote para uma dança.  Acima de nós um novo sol que se espreme entre as copas das árvores. A tragédia anunciada no vento. Nosso cheiro. Um só cheiro. Aroma novo de um tempo novo. Nossos olhos amenos. O mundo ficando pequeno.

Tempo... tempo... ele é quem decide. Sempre!

Eram as lesmas astronautas?

Ontem escrevi sobre o futuro radioativo que não veio pelas usinas. Ao invés dele, vieram as barragens, minhas alergias e as lesmas. Muitas lesmas! Mas de onde vêm as lesmas? Elas estão grudadas em toda a parte. No começo eram acinzentadas com manchas mais claras. Eram pequenas e lentas. Surgiam na umidade da grama. Depois, sofreram mutação. Agora são amareladas com bolinhas pretas (estilo rockabilly anos 50) e pretas diabólicas (estilo death-metal finlandês). Daqui um pouco serão o que? Lesmas coloridas (a la Restart)? Tenho medo! Elas já invadiram meu pátio. Agora, volta e meia aparecem até dentro de casa. Sinto que o mundo está sendo invadido pelas lesmas. Por onde passam deixam seus rastros. São gosmentos e cintilantes. Penso que assim, demarcam territórios, sinal de suas conquistas. E, ao contrário da lentidão que já foram um dia, hoje são muito rápidas. É a evolução das espécies certificando-se. Chego a pensar até que voam (já pensaram, lesmas com asas? Lesmas voadoras? Jesusamado!). O mundo será delas, posso ver através da garrafa. É o futuro. Aprendi com minha líder espiritual a ler o futuro através do rastro das lesmas, e descobri sozinho que também posso lê-lo através da garrafa, seja ela de cerveja, vinho ou uísque, tanto faz. Mas pra isso, é necessário antes um ritual. Simples. É só beber uma quantia ‘xis’ de trago (que não posso revelar), e depois se concentrar na garrafa. Tudo começa a girar e o futuro vem a sua frente num lampejo. Mas pra isso, é necessária certa experiência, certo tempo de estudo e dedicação. Portanto, quem não for apto, esqueça. Outro dia, num momento desses, de pura erudição astrológica, através de uma garrafa de Rum, vi parte sinistra do futuro. Ao invés das lesmas comuns, vi, num futuro não muito distante, lesmas radioativas. Isso mesmo! Acreditem! Lesmas tão cintilantes quanto seus rastros gosmentos. Elas invadiam o mundo! Lesmas que não emergiam mais da grama úmida, mas do espaço sideral. Sim. Eram as lesmas astronautas!


quinta-feira, 21 de abril de 2011

O futuro & as lesmas

‘O futuro chegou não tem volta não, o lixo radioativo não tem solução’... Não! Não é um trecho de um poema meu. Desisti das rimas já faz tempo. Não é poesia, mas é a frase de uma letra de uma música de uma banda de punk rock gaúcha. Agora, não estou bem certo se é dos Replicantes ou do Sangue Sujo. Acho que é Sangue Sujo (belo nome para uma banda punk, não é?). Mas isso não é importante agora. Ambas são bandas que tiveram o mesmo vocal, o hoje, dito ‘punk brega’ Wander Wildner (já fui muito fã deste cara). Pra quem não conhece, procure a música intitulada ‘Bebendo Vinho’, seu maior ‘sucesso’, regravado pelo ‘Ira!’ (a banda de rock, não o grupo radical irlandês). E o futuro que Wildner cantava frente ao Sangue Sujo já chegou. Mas não chegou com o lixo radioativo, chegou com o lixo industrial mesmo (e com o lixo cultural midiático). Chegou, ao invés da energia radioativa (que até pode gerar lixo), com a energia hidrográfica das barragens. E nossa região sofre muito com isso. A umidade aumenta junto com o calor. De repente tudo seca e o ar fica infestado de seres invisíveis (clima propicio para a proliferação de lesmas e outras pragas, e para o fim de algumas culturas vegetais). Ao contrário do que muitos acham, próximo a barragens o calor aumenta muito. A barragem funciona como um espelho. O sol reflete na água fazendo o calor subir. Pancadas de chuva isoladas e fortes, sem o tempo apropriado para penetrar no solo, depois, ar seco. É o futuro longe do lixo radioativo premeditado pelos punks astrólogos. A numerologia e consulta aos astros que o digam. Ou nem precisa tanto. Qualquer um que more por aqui e perceba a diferença, que o diga, assim como eu estou fazendo - leio o futuro no rastro gosmento das lesmas aqui de casa. Não sou perito no assunto nem nada, apenas sinto e percebo e analiso a questão. Equivoco? Pode ser. Mas nem tanto! Sou muito ligado ao clima (infelizmente, ou não!). Sinto na pele as mudanças e transformações, literalmente. Alergias que acontecem em mim, pelo lado de dentro e de fora do corpo. E o futuro chegou me judiando! Malditas barragens! Malditas lesmas! Elas estão aí, para além de gerar energia, gerar lucro (não as lesmas, as barragens). Essa é a minha conclusão e ninguém me convence o contrário. ‘Aaaaaaaaaatchim!’


Gente da minha laia & as coisas boas do verão I

* Quedas d'água, sinuca, tragos, petiscos & afins.. em Santiago City (Santiado do Sul) e Xapecó:


eu e o cão (Diógenes).. parceiro literário nos 'Estilhaços Poéticos' do Comportamento no Voz do Oeste (Santiago City)..




















petiscos & cerveja num botéco na linha Água Amarela (Xapecó)..






















jogatina & cerveja (Santiago City).. tacando: Liza!



Ina, Diógenes e eu.. (Salto Saudades em Santiago do Sul)



















Diógenes, Ina & Liza.. no Salto..


Salto Saudades (Santiago do Sul).. e saber que essa beleza toda está ameaçada.. O salto está pra ser inundado para se transformar numa barragem hidroelétrica, geradora de energia pro conforto dessa sociedade medíocre..


sexta-feira, 15 de abril de 2011

6 textos-manifestos publicados no jornal Voz do Oeste

Muçulmano, ateu e adotivo...

‘Muçulmano, tímido e soro positivo’. ‘Barbudo, diferente e adotivo’. ‘Estranho, ateu e doente’. ‘Sintomas de um assassino. Sintomas de um terrorista. Cuidado! Quanto topar com alguém que tenha essas características, muito cuidado, sua vida pode estar em risco’. É mais ou menos assim que tratam os atores deste espetáculo. Atores da vida real. Espetáculo midiático, televisivo. Um big brother cotidiano sem produção nem maquiagem, mas tratado como tal. Devemos ser todos ‘iguais’ para não sermos suspeitos, para não sermos confundidos ou mesmo relacionados com o ‘mal’. ‘O mal que vêm de fora, porque aqui é Brasil e no Brasil o mal tá na cachaça’. Datena, o pop-repórter policial disse que ‘quem é de Deus não faz uma coisa dessas’. ‘É coisa de quem não tem Deus no coração. Falta Deus na vida de gente assim’. Ouço isso desde sempre. Nasci ouvindo esse chavão. Essa máxima. Essa falácia. Mas se Deus perdoa como crêem os devotos dessa contradição, tá tudo certo, não? Eu não sei, não posso dizer nada, posso ser suspeito. Mas vamos livrar nossa razão. Nossos ícones e nossa cultura não podem ser questionados por isso. É um fato isolado. Foi a cabeça de um louco. Pronto, tá encerrado o caso. Os sabidos que explicam tudo e batem o martelo disseram. Então tá dito. Aí daquele que contestar! ‘Deve tá defendendo o bandido, né José?’ ‘Sim, sim, muié. É!’ ‘Jesuis tenha piedade desse monstro – disse a tevê’. ‘Amém!’. Na capa da Veja está lá bem grande: ‘MONSTRO!’. A Veja também tem culpa – observação. Revistinha reprodutora e sensacionalista como a maioria das revistas e matérias televisivas. Na Rede Globo, cavaram, cavaram até que encontraram um achado. Uma suposição, uma suspeita apenas. Só isso. Nada comprovado, nada real. Rumores e mais sensacionalismo. Tentativa medíocre de tentar livrar a cara do ocidente, o ‘santo cristianismo medievalesco’, a nossa cultura. Amaciar e anestesiar o problema (que está além, muito além...). Estão conseguindo, mais uma vez, afastar a sombra da realidade e continuar com este conto de fadas horroroso. ‘O monstro estava influenciado pelo islã, pelo Alcorão’. ‘Pronto, tá aí José! Eu sabia muié!. Sabia que era daqueles terrorista barbudo árabe lá que não acredita em Deus!’. Diante disso, salve-se quem puder!



Custa caro, muito caro!

Depois de tentarem, e de certo modo conseguirem ‘alienar’ o caso do atirador naquela escola do Rio (eu nem cito o nome do indivíduo, por que isso é o que menos importa – não para a mídia que acaba de canonizar ele ao ‘lado negro da força’ e por outro lado, santificar ao ‘lado branco da força’ o policial que desferiu os tiros não permitindo que, possivelmente, a matança continuasse). Ok! O policial cumpriu com seu papel, parabéns! Sou professor, e a cada aula, cumpro com meu papel. Sou cronista, e ao acabar este texto também terei cumprido com meu papel, logo, serei herói (?). Tudo bem, tudo bem, não salvei ninguém (será?). Mas vamos aos fatos que falam por si só. Outro vídeo que foi encontrado no habitat do ‘monstro’ (como esta palavra soa bem na televisão e pela boca dos ávidos pela tragédia!), traz seus seguintes dizeres: "A maioria das pessoas me desrespeitam, acham que sou um idiota, se aproveitam da minha bondade, me julgam antecipadamente, são falsas (...). Descobrirão quem sou da maneira mais radical. Uma ação que farei pelos meus semelhantes, que são humilhados, agredidos, desrespeitados em vários locais, principalmente em escolas e colégios, pelo fato de serem diferentes, de não fazerem parte do grupo dos infiéis, dos desleais, dos falsos, dos corruptos, dos maus. São humilhados por serem bons". Na sua fala, o atirador deixou evidente que não era ‘totalmente maluco’, ou sofria simplesmente de um desvio ‘mental’. As declarações são de um ‘meio maluco’. Pretexto para a sua ação deplorável ou vingança social? O ‘meio maluco’ demonstra certa ‘consciência’ dos seus atos. Agora, fica fácil pegar o fato e acima dele fazer discurso, publicidade, campanha, sensacionalismo. O termo ‘infiéis’ tem clara conotação religiosa, ou influência, no mínimo. O atirador fez ou reproduziu o que a todo o momento se vê por aí, através dos meios de comunicação de massa, reflexo de valores que vivem a pregar ídolos, ícones, heróis, exemplos a serem seguidos, sem o contexto adequado. Assumiu um personagem onde ele mesmo foi seu próprio herói, seu próprio justiceiro. Apontou sua ira destrutiva para os alvos errados, mas fez. Os motivadores se retiram da ‘cena do crime’, deixando os mais desavisados vulneráveis a todo o risco. É a autodefesa de determinados valores que tem um preço, e que continuaremos pagando se assim continuarmos sendo.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

...

Violência social I

Estou triste. A morte daquelas crianças-adolescentes na escola do Rio me doeu. O atirador, um rapaz transtornado na casa dos seus vinte anos. Não venham me dizer que alguém faz isso por que é mau, ou porque está refém do capeta. Isso é asneira! Não existe bem nem mal. Isso é invenção religiosa como é a mentira do livre arbítrio. Existe algo ‘maior’ por trás de atos/fatos como este. Nos meios de comunicação, como sempre, tentam encontrar ‘o motivo’, ‘a culpa’. A atitude explosiva do atirador tem ‘motivos’: sociedade militarizada por um pseudo-heroísmo espetacular vinculado pelos próprios meios de comunicação de massa. Alguém que ‘nunca foi nada’, e que tragicamente, agora é. Entrou pra história e não é mais um ser invisível. Sucesso, fama, status! - nossa cultura não promove isso? Palavras do Governador do Rio: “Psicopata! Animal!”. Tão simples assim governador? Quanta estupidez se fala quando não se tem nada pra dizer! Na suposta carta deixada pelo atirador existe um forte teor de ‘fanatismo religioso’ que via ‘impureza nas crianças’ (alguns crêem que a religião pacifica). Uma ‘especialista’ no assunto cogitou o bulling. Mas o que é o bulling senão a ‘reprodução de valores sócio-culturais do mundo adulto’? Uma sociedade individualista que promove a disputa de mercado, a tal ‘livre concorrência’ liberal-burguesa, modelos forjados e idealizados de beleza física, etc. É só parar um pouco na frente da própria televisão e refletir sobre sua programação. É só ouvir rádios com um pouco mais de audição crítica e perceber a inundação de músicas medíocres que promovem esses valores. É só atentar para o discurso de pastores e/ou padres nos canais onde religiões ‘compram’ seus espaços. Tudo muito discursivo e com fins comerciais. ‘Pessoas-produtos’. Cultura moralista, hipócrita, e medíocre! Cultura da violência do cinema e jornalismo sensacionalistas, e das intrigas pessoais das telenovelas. ‘Violência-produto’. E quem sofre com o ‘espetáculo’ deste circo de horrores? As crianças (vítimas dessa sociedade doente). Ainda tentam achar ‘um’ culpado, ‘um’ motivo. Sim, temos culpados. Temos motivos – no plural. Não adianta agora tentar jogar ‘tudo’ no surto de um cadáver. O sujeito também morreu. Foi um produto dessa cultura que fez suas vítimas. Por tudo isso, às vezes, sinto vergonha de ser adulto.
 
 
Violência social II

Por mais que eu não me cale, que escreva, critique, sugira, que com minha música e meus poemas, toque o coração, a alma e a consciência de algumas pessoas, que nas minhas aulas eu busque discutir, questionar, ampliar o conhecimento, a consciência individual e coletiva, o acesso aos ‘bens culturais’, tudo em busca de um ‘bom senso’, por mais que eu faça ‘minha parte’ e que ela seja humanizadora, ainda assim, acho muito pouco. ‘Minha parte’ é muito pouco. Sinto um aperto no coração por isso, pois pertenço a este mundo adulto. Por mais que questione e desconstrua idéias, ideais e morais inflexíveis e hipócritas, em prol de um diálogo sócio-cultural e humano-existêncial (mas não ‘cristianizado’), sei que as instituições e seus valores mecânicos são mais fortes do que a minha palavra. Aliás, sou apenas um professor. Sou apenas um compositor-poeta, um ‘artista’ que deixa parte do seu suor com os outros. Um pouco ‘louco’ um pouco lúcido. Mais do que nunca, tenho os pés no chão, mas às vezes me lanço em vôos mirabolantes. Crianças feridas e mortas, o ápice da violência social. Eu na minha loucura-lúcida, tenho uma palavra pra tudo isso: Poder! O poder na nossa sociedade é algo alimentado como uma conduta ‘existencial e necessária’. Quem não tem poder não tem voz, essa é a máxima. E poder significa status, visualização, evidência, aparecimento. Quem é ‘invisível’ não tem poder. Alguns o adquirem sem querer, pela sua função, outros por uma busca desenfreada. O sentimento de poder é alimentado por quase todos os lados da sociedade. Nisso, atirar com uma arma de fogo também dá uma ‘sensação’ de poder. Adrenalina dá poder, seja ela num jogo de vídeo game ou mesmo numa partida de futebol. Ganhar o jogo, ser destaque, chegar lá. O descarrego das frustrações cotidianas e sociais. O preenchimento de um ‘vazio existencial’. Nossa cultura quase não permite a falta de poder. Por mais que ‘especialistas’ tentem ‘explicar’ ou encontrar fundamento num ato de violência, justificando-o como ‘doença mental’, isso ainda é pouco. Além disso, somos cria do meio em que vivemos e temos parte nisso. No entanto, o que oferecemos pras nossas crianças como ‘alternativas’ de vida, de felicidade, além do dito ‘mercado de trabalho’, da disputa e alcance de poder? Além da salvação da alma? Nós, adultos e responsáveis por quase tudo?
 
 
Violência social III

Cultura armamentista. Militarizada. Cultura do medo (medo da punição, da lei, da família, medo de Deus, medo pela ‘fé’). Parte significante da população é a favor das armas de fogo do mesmo jeito que parte da sociedade reproduz a cultura do medo. Um dos grandes produtos culturais dessa nossa sociedade é a violência. Não que o homem seja violento ‘por natureza’, ou mal, nem pacifista ou bom. Esses são conceitos criados a partir de discussões teóricas e filosóficas. Mas a violência dá lucro, gera notícia e alimenta os valores punitivos da nossa sociedade. ‘A corda sempre estoura no lado mais fraco’, e o lado mais fraco são as crianças e os animaizinhos de estimação condicionados e influenciados pelos adultos que, com isso, sentem poder. Crianças e animaizinhos tem semelhanças nisso. Frutos de uma cultura patriarcal e violenta, as vítimas crescem e passam a pertencer ao mundo adulto já moralizado, burocratizado, dentro de princípios e valores repressores. Isso se comprova na violência do lar, de pai pra mãe e dos pais pros filhos. A reprodução do que é ‘certo’ ou ‘errado’ é ditada por ‘produtores, publicitários e diretores’ do ‘espetáculo sócio-cultural’. E estes são alguns políticos, igrejas ou religiões, empresários midiáticos, líderes ou dirigentes. E a família, consciente ou inconscientemente reproduz isso, transmitindo esses ‘valores e morais’ para as crianças que serão os futuros repressores e/ou reprimidos. Poucos se safam desse dualismo. Muitos podem discordar, mas nossas referências não são das melhores: Pelo que você luta? O que você come? O que você lê, ouve e assiste? No que você crê? O que você segue? Quais são seus ícones? Incrível como as pessoas se escoram em algo para poder viver e até pensar. Sentimento de segurança, mesmo que ela nem exista. A natureza é caótica. O mundo é caótico (não naquele sentido vulgarizado, relacionado ao trágico). Caótico no seu andamento e diversidade (leia-se Teoria do Caos). E quando um fruto dessa cultura ‘supostamente segura’ segue algo ou busca seu poder para se sentir seguro ou ser alguém visível nisso tudo, e no fim só encontra um vazio, este espaço em branco pode ser preenchido da pior maneira. Movido por um anseio de poder, o indivíduo reproduz suas referências sócio-culturais em forma de violência.
 
 
Violência social IV

Não estaria mais do que na hora de revermos nossos conceitos? Nossas morais e valores? Nossa cultura? Me parece que a preocupação exteriorizada por ‘entendidos’ e dirigentes sociais nos meios de comunicação, é a manutenção dessa nossa sociedade e cultura, sua continuação. Pois isso se tenta explicar, esclarecer, justificar, elucidar, racionalizar um fato como foi o da chacina das crianças na escola do Rio. Seja essa ‘explicação’ por um viés ‘científico’ ou religioso. Mas não, isso nunca será o suficiente para amenizar situações como estas. Acredito que dá sim pra transformar essa realidade, senão nem estaria gastando palavras aqui desta forma. Ao invés de ‘prosseguir’ com tudo, não deveríamos parar? Parar por alguns instantes e mudar? Rever conceitos, valores, práticas, modos de se tratar e lidar com as pendengas da humanidade. A razão ocidental platônica, aristotélica, cartesiana e de cunho judaico-cristã, além do viés religioso, já perderam seus sentidos de ser (ou nunca tiveram um). Talvez aí esteja a grande questão. Na escola, onde deveria acontecer a produção do conhecimento, como um lugar ‘apropriado’ pra isso, se transformando num cenário de violência e intolerância. A covardia humana, somada a uma vontade de poder, o distúrbio, o surto dado pela repressão e medo históricos inculcados por valores e morais ainda super-presentes na nossa cultura, cria abismos em mentes mais frágeis que, delirantes, assumem pra si ‘deveres’ de ‘ajustes sociais’. O ‘ambiente’ em que isso se apresenta deveria ser outro. Por isso não dá pra continuar na ‘reprodução’. É preciso que se criem alternativas, novas possibilidades, uma razão mais ‘poética’ e humanizada, menos parasitária, divinizada e utilitarista para o mundo. As nossas crenças e nossas práticas reforçam uma cultura há tempos equivocada. Uma escola seria o ‘último’ lugar onde um fato como aquele poderia ter acontecido. Mas não adianta agora encontrar explicações, mas sim tratar de perceber o quão frágil é a nossa casa, a nossa razão. Quão doentia pode estar a nossa cultura, pois a mente humana também é fruto histórico dessa cultura. O atirador deixou escrito com clareza o seu objetivo de promover um ‘espetáculo’ midiático. E nem tudo nisso é fruto de uma mente doentia, mas sim de uma razão cultural que se promove e se reproduz. Precisamos reconhecer e admitir isso, e a partir disso, poder criar algo novo. Talvez um mundo mais possível...
 
 

domingo, 3 de abril de 2011

Nostalgia...




















by Herman G. Silvani

Do livro impresso ao virtual

Em dias ‘úteis’ da semana acordo sempre lá pelas seis e meia da manhã, devido a um dos meus trabalhos, que é o de professor. A televisão desperta junto com o celular e em dueto os dois me acordam. Enquanto vou ao banheiro e tomo meu café, deixo a tevê ligada para ouvir as primeiras notícias do dia. Foi numa manhã dessas que vi uma entrevista sobre um tal ‘leitor virtual’, uma espécie de biblioteca ambulante. Aquilo me pareceu como uma dessas invenções japonesas. Uma mistura de utilitário com bizarrice tecnológica. Carregar aquilo em volta não parece muito confortável. Mas talvez seja útil – ou não. Dentro do leitor virtual dá pra ter muitos livros. Evita o peso de carregar livros impressos na mão. O problema é ler em tela digital. Eu pelo menos não consigo por muito tempo. Textos curtos, até vai, mas os longos, não dá. Logo desisto. Acho desconfortável. Mas decerto, alguém consegue. Devido a essa tecnologia, muitos se preocupam com o possível fim do livro impresso. Eu não. Não acho que o livro impresso vai terminar um dia. Só se terminar o papel, aí sim. Mas por causa da invenção japonesa, duvido! Eu nunca quero ter um desses. Prefiro carregar uma dúzia de livros em baixo do braço. O livro impresso tem seu charme e carregá-lo debaixo do braço também. É algo romântico. Mas não sou contra essa tecnologia não, pois além de economizar papel, disponibiliza bibliotecas itinerantes, ambulantes, nos braços de uma única pessoa. Vejam o lado legal disso. Se mais pessoas adquirirem a engenhoca japonesa, provavelmente, mais pessoas comecem a ler. Dentro de uma realidade como a do Brasil, em que poucos lêem e desses poucos, muitos ainda não compreendem o texto, carregar uma biblioteca consigo pode melhorar um pouco as estatísticas. Enfim. Sendo ou não uma invenção japonesa, faltando charme ou não, o ‘leitor virtual’ é um instrumento que pode ser útil. Tomara que seja! Mas nada pode substituir o velho livro impresso, que tem cheiro e forma, é palpável e está muito além de ser um mero bem de consumo. O livro é parte essencial do homem.


O melhor entre os piores

Ele era o melhor entre os piores e só sorria quando alguém chorava. Seu passa tempo era tornar as coisas piores do que elas já são. Acreditava em deus, mas se dizia ateu. Escondia sua paixão pelo vizinho descontando-a na irmã mais nova, em forma de raiva. A esbofeteava e sentia prazer com isso. Gritava no microfone numa bandinha de rock adolescente do bairro. Se achava ‘o mais punk’ da cidade por isso. Pensava que era um grande escritor, poeta e filósofo, reproduzindo aforismos tirados de livrinhos de iniciação. Fazia de alvo seus inimigos imaginários, mesmo tendo todo um modo de vida, um sistema pra isso a sua frente. Não aceitava que criticassem seus textos de internet. Saia à tapa: ‘sou punk cara!’. Defendia sua falta de razão a qualquer custo. Volta e meia saia de casa para assustar velhinhas e criancinhas na rua enquanto uma paranóia o perseguia. Sentia uma dor no peito que não sabia de onde vinha. Um vazio existencial. Seu submundo era um submundo maquiado de grande mundo. Sentia inveja do submundo onde viviam poetas, loucos e vagabundos iluminados. Lia Bukowski e Nietzsche, mas não compreendia. Transformava tudo na mesma coisa e levava a vida com uma arrogância típica da pequena burguesia. Um dia afundou no sofá assistindo um filme infanto-juvenil onde magos e discípulos de magos faziam magias uns contra os outros. Teve um orgasmo! O tempo passou e o melhor entre os piores envelheceu, como todo mundo. Até que um dia descobriu que vivia fantasiosamente num mundo só seu, onde os pesadelos confundiam-se com os sonhos. Neste dia, entrou em desespero e pela primeira vez sentiu o gosto da salmoura em sua boca. Saiu pela rua, confuso e tonto. Encontrou uma porta aberta e seguindo a música entrou. A igreja estava lotada. ‘Universal do Reino de Deus’ constava acima do altar em letras gigantescas. Se aproximou e foi liberto pelo pastor em um único grito: ‘Saaaaaaai desse corpo!’. Sentiu-se outro. A dor no peito foi embora. Pensou que iria mudar, mas já era tarde pra isso. Voltou atrás, mas não encontrou mais nada. Nenhum sentido se quer. Passou o resto dos seus dias envolvido com telenovelas e uma aposentadoria gasta em remédios. E sua história foi quase nada... Ou isso tudo.