sexta-feira, 27 de março de 2020

Vícios, virtudes e a epidemia: questões que talvez você não queira admitir


Algum filósofo, o qual não lembro quem, anotou que na cultura humana há uma divisão que a distingue e a caracteriza em dois grupos: 1. o da virtude; 2. o do vício.  Nisso, estive pensando sobre a prevalência do grupo 1 sobre o grupo 2. Ou seja, existe muito mais viciado do que virtuoso nesta sociedade, cultura ou mundo. E isso explica boa parte da atitude das pessoas que, na primeira motivação governamental-empresarial, em plena crise viral onde o risco de contaminação é iminente, retornam correndo para seus trabalhos. Essas pessoas são doentes, pois são viciadas. Sim, drogadas, fissuradas, adestradas, viciadas ao servilismo. Aprenderam assim e se veem loucas quando necessitam parar por alguns dias. Outro fator agravante para tal atitude irracional é a ansiedade, característica típica do nosso modo de vida que concorre e disputa mais do relaxa e descansa, motivada pelo comércio e sua publicidade excessiva. Isso, somado, é claro, a ambição ou ganância. O medo também é outro fator. Porém, medo, eu também sinto, todos sentem. Então talvez seja o menor dos fatores.

Mas, o fator principal aliado ao vício, é que boa parte destes pais e mães de família não suportam a própria vida que levam. Ou seja, não aguentam suas condições existenciais e recorrem para as ilusões, alienações, ocupações servis. O sistema é seu grande deus, que os abraça, e como Zeus no Olimpo, joga com suas vidas. E eles aceitam o risco, pois suas realidades cotidianas são tão insuportáveis como casal, pais, consumidores, cidadãos, homos sapiens que não necessariamente sabem que sabem, que acabam optando pelo risco da doença e até da morte do que pela calmaria e pela vida familiar. Ter que passar o dia e noite toda junto da esposa e dos filhos, bichos de estimação, paredes do apartamento, é uma tortura para tais e quais (isso também serve para muitas esposas referente aos seus maridos). Por isso é que a família em grande parte dos casos é uma fachada, um discurso, uma mentira. O ‘estereótipo da família feliz - e pequeno burguesa’, a também chamada ‘família de bem’. E estas pessoas tem o poder de se auto-enganar, de se auto-mentir. Este tipo de viciado é irracional e age por ondas de emoção suscitadas por alguém ou algo que os quer dominar ou domina, e pela publicidade e/ou ideologias de controle.

E agora estamos todos nós presos a este risco, devido a hipocrisia e a estes viciados que sempre fugiram dos tratamentos (sim, existem a Arte e outras filosofias ou modos de vida que curam). Continuar nas suas vidas medíocres de auto-engano e de aparências prepotentes ou vaidosas, escravos de certas crenças e práticas (sendo o trabalho da forma que é, uma delas), é o que, no fim, acaba botando em risco suas próprias vidas, e pior, a dos outros também. Se ficassem em casa (muitos do que estão saindo poderiam), e neste momento de ‘isolamento social’ buscassem mudar, melhorar, crescer internamente e mentalmente, desenvolvendo novas possibilidades e conhecimentos, novas percepções, ou seja, tratando seus vícios rumo a se tornar pessoas mais virtuosas, depois da crise epidêmica (que vai passar – infelizmente não para todos/as), poderiam ser agentes de uma nova cultura, de uma nova sociedade ou civilização, mais digna, sensível, equilibrada. Mas, falta-lhes coragem para isso (e talvez sanidade). Enfim... Aos viciados sobreviventes, que se tratem e se curem, aos virtuosos, minha admiração e respeito, seguimos juntos, mesmo distantes...



Resistir para existir em tempos de febre aftosa...

Bastou um pronunciamento presidencial tosco, e o governo estadual ceder a pressão do grande empresariado anunciando 'flexibilidades' que, em pavoroso, o povo sem equilíbrio toma as ruas. Alguns, reproduzindo o 'presidente' dizem: 'O vírus só derruba idosos'. Idosos estes que construíram o país e sua economia (esta mesma que desfrutamos até hoje), que nos criaram, deram carinho, vida. E agora, é assim que retribuímos? Gado! O gado corre pra outro confinamento, o de antes. Logo, logo, muitos vão pro abatedouro. Mas é que são gado, e gado só segue, obedece, sem sentir ou pensar. Mais uma vez o discurso retórico (e tosco) da 'salvação da economia' puxa pela canga o gado que, prepotente sai pra rua botar em risco a vida, e não só a sua (o gado também é egoísta). Economia! Qual economia? Pra quem? A elite minoritária se esforça para salvar sua economia, seu sistema monopolista e exploratório, seu modo de vida que não se sustenta e vive sobre corpos, mentes e almas, usando mais uma vez o gado (e a vida) para seus fins privativos - este seria o momento oportuno para uma transformação social, uma revolução que alterasse para melhor o modo de vida e a sociedade (se não houvesse tanto gado, é claro!). A intensificação das infecções e mortes vai pra conta, pro currículo, pro histórico do 'presidente', do governador, do grande empresariado que força esta situação, da 'justiça', do Congresso (e do gado). Torço, sinceramente, para que o pior não aconteça - e ajo: ficarei em casa até quando puder, na desobediência, na rebeldia e resistência, pelos meus, pelos pais, avós e crianças, pois não sou gado! 



terça-feira, 24 de março de 2020

A mudança urgente e fundamental

Passada a epidemia.. será que o Brasil e o mundo seguirão no ritmo de antes? se seguir, não levará muito tempo para uma outra catástrofe (talvez ainda pior) acontecer.. esta civilização, esta cultura, este 'modo de vida' já não mais se sustenta.. se é que um dia se sustentou.. nisso, seria a hora, o momento de os governantes tomarem peito e chamarem intelectuais da filosofia, sociologia, ciência, administração, artistas, grandes estrategistas - e o conhecimento ancestral e popular - para pensarem e elaborarem um novo projeto de sociedade, de civilização, a partir da real sustentabilidade e equilíbrio social e ambiental.. (obs.: sei que no Brasil o atual presidente ou governo não tem cacife nem cabeça pra isso, infelizmente!)..
No Brasil é urgente diminuir, por exemplo, a carga horária de trabalho, de 8 para 6 ou 5 horas.. dividir isso por turnos.. investir em transporte público de qualidade, trens, ciclovias, limitando a circulação de automóveis particulares.. fazer uma Reforma Agrária, política, educacional com ênfase no ser humano e na Natureza.. estipular limites de ganho/lucros.. taxar/dividir riquezas e heranças acumuladas e investir mais, muito mais, em saúde (estrutura, profissionais, acessos) e educação (arte, cultura, ciência).. é necessário 'radicalizar' neste sentido, para que a cultura humana siga com menos interferência prejudicial a Natureza, e a si próprio.. este é (ou seria) um momento importante para pensar novas possibilidades.. mas, até então, não estou vendo estas iniciativas..
Penso que, sem esta mudança sociocultural (que envolve economia e política), que é uma mudança mental e comportamental, limitando o acúmulo de riquezas e de poder, assim como, garantindo uma maior divisão de renda e acesso ao conhecimento/educação/cultura, saúde e transporte/mobilidade (públicos de qualidade), não melhoraremos nossa situação/condição humana e sociocultural no planeta.. pois, como prenuncia uma antiga sabedoria: "TODO EXCESSO É PERVERSO" (Tao Te Ching, Lao Tse).. isso não é pessimismo, apenas um olhar pelo binóculo da história e pelas lentes da filosofia (e do conhecimento ancestral / popular).. não é preciso ser estudado, intelectualizado ou um gênio para ver isso tudo.. é só parar um instante para pensar, refletir e perceber..
Em suma, se não desacelerarmos, provavelmente sofreremos acidentes e quedas ainda mais bruscos.. e assim, o risco de perdermos a única coisa que realmente temos (e que nos tem), será iminente: a Vida...












Portanto, a questão é: 'EQUILÍBRIO!' ☯️🌳

sábado, 21 de março de 2020

O vírus e a disciplina


* Obs.: o título desta reflexão também poderia ser ‘o vírus e a educação’, ‘o vírus e a cultura’, ‘o vírus e o conhecimento’ ou ‘o vírus e a sabedoria’.

O covid-19 ou conrona vírus saiu da Ásia, mas precisamente da China, mais precisamente ainda da cidade de Wuhan, província de Hubei na região central do país (e que fica aproximadamente 4h30min de carro até Wudang, onde estão localizadas as montanhas que abrigam templos taoistas, talvez o maior reduto do taoismo na China, e a credito, no planeta), e se espalhou pelo mundo - e neste exato momento em que escrevo, segue a se proliferar. Todos devem saber, a China é o país mais populoso do mundo, mas também, um dos mais organizados e disciplinados em sua educação e/ou cultura. Filosofias, espiritualidades ou modos de vida milenares conferem ao país tal condição. Países próximos também herdaram deste ‘tigre asiático’ esta cultura que envolve muita espiritualidade, diversidade e disciplina. E além do conhecimento técnico, científico e tecnológico que a China possui hoje, foi desta disciplina, provinda da sua milenar tradição cultural, que a China conseguiu ‘controlar’ a disseminação interna do vírus que neste instante assola a humanidade. Ou seja, o povo cumpriu o protocolo de prevenção e combate ao vírus, ficando em casa.

“O que não se regenera, se degenera”. (Edgar Morin)

Os menos sensíveis – ou mais grosseiros (como foi o caso de um dos filhos do ‘presidente’, o deputado Flávio Bolsonaro), dirão, a partir de um reducionismo simplista que ‘a culpa pela crise é da China’, outros que ‘o governo ditador e comunista chinês fabricou e espalhou este vírus para derrubar o capitalismo, os EUA e os países livres’. Mais abaixo (ainda?!) destes, tem aqueles que, incrivelmente dizem que ‘o vírus foi um plano da China comunista para destruir Bolsonaro’, decerto, dada a ‘importância’ do ‘nosso presidente’ na ordem do dia e do mundo. Tudo o que não precisaríamos agora é uma crise diplomática com a China, deflagrada pelo ‘filhinho do papai’ e seus vômitos inconsequentes. Assim como o pai, cada vez que fala ou age cria riscos. Ou seja, este governo em forma de ‘clã’ (família Bolsonaro) é um perigo e coloca muita coisa em risco, atua praticando crimes de responsabilidade (entre outros), e incrivelmente ainda está no governo do país, como? Perguntemos isso ao Dr. Sergio Moro, ministro da justiça, alguns empresários, ao STF, aos deputados e senadores, acredito que tenham a resposta.

"Tudo está ligado, como o sangue que une uma família. Todas as coisas estão ligadas. O que acontece a Terra recai sobre os filhos da Terra. Não foi o homem que teceu a trama da vida. Ele é só um fio dentro dela. Tudo o que ele fizer à teia estará fazendo a si mesmo." (chefe Seattle, 1856)

O taoismo é uma das principais bases (talvez a principal) do conhecimento milenar chinês, que envolve a experiência, o estudo e a espiritualidade (que envolve cultivo de energia e práticas meditativas), sendo uma ‘filosofia espiritual de conhecimento prático’ que possui uma ‘medicina’ própria e ancestral, herança dos nativos, organizada por estudiosos, antigos mestres e mestras deste conhecimento, desta sabedoria.

E qual é a relação do taoismo enquanto conhecimento e/ou cultura com a situação envolvendo a pandemia viral? Sendo o taoismo a base da MTC (Medicina Tradicional Chinesa), ele, enquanto conhecimento, fornece os princípios fundamentais para várias prevenções e tratamentos. Em Wuhan, a MTC somou-se a medicina moderna ocidental no tratamento dos casos de contaminação pelo vírus, o que resultou num trabalho bem sucedido. Enquanto os pacientes infectados eram tratados quimicamente pela medicina de cunho ocidental, também eram pela medicina tradicional chinesa. Como prevenção e parte de tratamentos, foram aplicados os princípios e conhecimentos taoistas do Chi Kung, do Tai Chi, assim como a acupuntura, a moxaterapia, a meditação, o uso de ervas em chás, a alimentação equilibrada, etc. Junto a isso, algo fundamental, a disciplina. Sim, o isolamento social requer de muita disciplina, e para que o vírus fosse contido, esta postura foi fundamental.

“Através da retidão organiza-se o reino” (Tao Te Ching, Lao Tse)

Então, a fórmula foi de certo modo ‘simples’ ou prática: de uma forma geral, tratamento e prevenção somando os conhecimentos (oriental e ocidental), com boa disposição e organização dos espaços e cuidados necessários aos infectados, e aos não infectados, o bom uso das tecnologias e a disciplina de parte significativa da população, em auto-isolar-se e na autoprevenção, a partir dos princípios e práticas cotidianas de origem tradicional e/ou taoistas. Em suma foi esta disciplina, a que, infelizmente não possuímos, que fez (faz e fará) a diferença no controle e/ou contenção do vírus. Por isso, todo respeito ao conhecimento daquele povo. Aliás, à todo o conhecimento que seja humanizado e que respeite a naturalidade e a Natureza. Mas, como a realidade não é feita de ‘seria’, tratemos de lidar com a nossa condição, como a nossa realidade, mas, por favor, utilizando a inteligência. Nisso, não copiar o que dá errado, mas sim o que dá certo, já é um grande avanço. Então, copiemos o exemplo de alguns países e Estados asiáticos como Taiwan, Singapura, Coréia e a própria China, ao invés de reproduzirmos preconceitos estúpidos contra estes povos e suas culturas. Precisamos de melhor educação e uma transformação sociocultural (que envolve a política e também a economia). Educação esta que pode(ria) nos conceder a disciplina necessária para lidarmos com situações calamitosas como a atual. Por isso VAMOS PARAR! FIQUEMOS EM CASA já!

"Que o homem é a mais nobre das criaturas pode ser inferido do fato de que nenhuma outra jamais contestou essa pretensão." (G. C. Lichtenberg)

Certamente, se tivéssemos menos prepotência, arrogância e falatórios, mais serenidade e busca por equilíbrio – ou seja, mais disciplina ao modo taoista, por exemplo, controlaríamos (e nos controlaríamos) bem melhor a propagação deste vírus, no mínimo. Equilibrar a si próprios é também somar no equilíbrio da vida, pois ela é isso, um grande espírito que envolve todos nós, e entre pessoas e vírus, da maior à menor forma de vida, todos, incondicionalmente, fazem parte da Natureza que, quando desequilibrada, trata de equilibrar-se para que a vida continue, e neste reequilíbrio, às vezes, alguns seres são descartados. Por isso precisamos viver com a Natureza e não contra ela, e compreendermos que nós, seres humanos, não somos a forma mais evoluída ou melhor de vida, mas sim, mais uma, com tanto valor quanto as outras - perante a grande-mãe, a Natureza. Pensar na nossa pretensa superioridade, é uma crença, e não passa disso, pois, como em outras palavras está escrito na principal obra taoista, o Tao Te Ching, ‘a Natureza, perante a Vida, não distingue os seres, tratando-os todos, como cachorros de palha’.

"Céu e terra não têm atributos e não estabelecem diferenças: tratam as miríades de criaturas como cachorros de palha." (Tao Te Ching, Lao-Tse)

Que possamos aprender com este momento difícil, saindo dele ‘fortalecidos, transformando a tragédia em potência’ (como diria Nietzsche), e aprendendo sobre tudo que, ‘todo o excesso é perverso’ (verso do Tao Te Ching), e que a Natureza e a Vida buscam equilíbrio não metas ou objetivos finais. Por isso, vamos parar de correr e gritar em demasia. Aprendamos a caminhar, com passos leves, com o vento, e ao invés de gritar, falar ou sussurrar. A Natureza, grande-mãe e mestra nos oferece Caminhos, para caminharmos com calma e relaxamento. A angústia e a dor são resultados dos nossos passos, de outro lado, a alegria e a plenitude também. Passada a tempestade, que venha a calmaria e o aprendizado, que nos forneça mais sabedoria para não errarmos tanto.

"A grande virtude do Céu e da Terra chama-se vida" (I Ching, o Livro das Mutações)

Cultivemos a energia/imunidade e fiquemos em casa, agora!



sábado, 7 de março de 2020

‘O sangrado Feminino’ na cultura patriarcal - e a 'auto-defesa' proativa



8 de Março se celebra e se manifesta  o ‘Dia Internacional da Mulher’ pelo mundo. As origens históricas desta data nem sempre ou quase nunca são consideradas, pois geram debate e reflexão, quando não vergonha. Sim, vergonha humanitária. Quando lá, em meados do século XX, numa fábrica têxtil de Nova York, nos EUA, mais de uma centena de operárias morreram carbonizadas num incêndio intencional por lutarem por melhores condições de trabalho e respeito ao seu gênero. Outros fatos, sob tudo relacionados a lutas femininas por direitos e respeito, também marcam esta data. Fatos estes que levaram a ONU (Organização das Nações Unidas) oficializar o 8 de Março como Dia Internacional da Mulher. E aqui estamos nós, manifestando, comemorando, alegres ou enlutados.

Muito sangue feminino correu para que as mulheres conquistassem seus direitos. Sangue este que, contudo, parece ainda não ter sido suficiente para que as mulheres sejam devidamente consideradas, valorizadas, respeitadas. No Brasil, um dado recente diz que, a cada 7 horas uma mulher é assassinada por um homem. Outro que, a cada 4 horas uma criança feminina (menina) é estuprada por algum homem da família ou próximo dela. Estas são, mais que estatísticas, fatos que o Brasil amarga. Além deste quadro já ser horrendo, diariamente vemos manifestações do machismo (que é cultural ou estrutural, portanto histórico) pelas ruas, dentro das instituições e famílias. Ele também está na publicidade e no discurso e atitudes de homens (e algumas mulheres, infelizmente) públicos. Por exemplo: “Não te estupro porque você não merece” e “Mulher tem que ganhar menos porque engravida”, são algumas das palavras machistas, ofensivas e violentas publicamente desferidas pelo presidente da república Jair Messias Bolsonaro. Sendo um homem público, ‘líder’ de uma nação, eleito pelo voto popular, Bolsonaro, ocupando o cargo que ocupa, é um ‘agente motivador’. Ou seja, suas palavras repercutem, dão eco, influenciam, fomentam, inspiram ou motivam todos àqueles que, como ele, violentam de alguma forma o gênero feminino. E muitas vezes esta violência sai do âmbito verbal, simbólico e/ou psicológico e vai ao âmbito físico, ou seja, resulta na violência física-corporal, que pode ir desde a agressão física, lesionando o corpo (e, portanto a ‘alma’, afetando o psicológico), até a morte. E aí estão os inúmeros e diários casos de feminicídio para comprovar isso.

Uma das nossas grandes questões referentes à violência (seja ela física ou psicológica) decorre da cultura, ou seja, do modo de vida, suas crenças e concepções, que vão, de uma forma ou de outra, chegar à prática cotidiana. O machismo e o grande capital acumulado (capitalismo), que é ancorado no patriarcado, aliados, promovem em larga escala (e executam) a cultura da violência contra a mulher.

Por uma ‘cultura proativa’ (valorizando a Vida)

Nossa cultura não é preventiva nem antecipatória. Ou seja, a proatividade não está no nosso calendário humanístico, somente no comercial. Ser proativo é ser preventivo ou auto-defensivo, o que resulta numa autonomia de ser e estar, mantendo certa integridade e espaço existencial próprio. Nisso, como estudante e professor de um sistema dito ‘marcial’ de Kung Fu, chamado de Wing Tjun, que envolve também a prática do Chi Kung e do Tai Chi Chuan, além das concepções filosóficas e espirituais taoistas (leia-se espiritualidade aqui como algo diferente do que se tem no ocidente, e taoismo enquanto filosofia, espiritualidade e cultura ou prática de vida), pratico este que é um grande conhecimento, uma  grande arte, a modo de manter-me proativo, pois antecipar, prevenir, como bem diz o ditado popular, é o melhor remédio. E, por experiência e tendo como referência meus estudos nesta área, penso que toda mulher e criança deveriam estudar/praticar algo em ‘auto-defesa’. Algum estilo ‘marcial’ que seja proativo, ou seja, que possibilite a prevenção, antecipação e auto-defesa, tanto do corpo quanto da mente. Infelizmente, na grande maioria dos casos, não há tempo para acionar os meios legais de combate a violência contra a mulher, contando que, as situações não são programadas para acontecerem, e nossa cultura exclui o ‘caos’ da sua visão e sensibilidade. No caso, não somos preparados culturalmente para atuar de forma proativa, por isso estamos à mercê das circunstâncias, sob tudo a mulher e a criança, por estarem inseridas numa cultura machista e violenta, predominantemente patriarcal, onde a violência e autoritarismo são fortes características.  

A partir deste contexto, através da AFWK (Associação Fluir Wing Tjun Kung Fu), já fiz projeto e ofertei publicamente meus trabalhos na área, na intenção de integrar através da prática, o combate à cultura da violência contra a mulher. Porém e infelizmente, tivemos pouca aderência, resultado também de certa cultura ou da falta de uma cultura proativa (preventiva e auto-defensiva) nas concepções e práticas diárias femininas.

Sei da importância da reunião das mulheres em torno deste tema, das suas organizações, mobilizações, das suas práticas integracionais que fazem avançar a questão e amenizar o problema, porém, junto a isso, penso que seja necessário, além do debate e da denúncia, ter o mínimo de noção e estudo de técnicas que possibilitem a ‘auto-defesa’ (marcial e sensorial), seja ela coletiva ou pessoal, além da teoria (que é fundamental) - em suma, NA PRÁTICA. Esta é a questão. Uma questão URGENTE, pois alguns ou muitos homens, o patriarcado (e/ou seu machismo que é cultural, portanto estrutural), ESTÃO MATANDO AGORA, com ou sem mobilizações e debates relativos ao tema. Não há tempo e não dá para esperar, pois a mudança, havendo, será a longo prazo - e a vida é agora - devido, justamente, ao modo de vida (cultura), que todos devem saber, envolve a tradição (crenças, costumes e concepções que geram a prática cotidiana).

Em suma, não quero com este texto dizer ou ensinar como se deve pensar ou agir, mas talvez poder contribuir com a percepção, que passa pela reflexão e deve, impreterivelmente, ir de encontro à prática. Portanto, isso é um convite à proatividade, uma cultura que pode mudar a história pessoal e coletiva, gerando novas possibilidades de Vida.

"A grande virtude do Céu e da Terra chama-se vida" (I Ching, o Livro das Mutações)