sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Nossa divina comédia

A divina comédia humana! Canta o mestre Lira (Lirinha, ex-Cordel do Fogo Encantado) numa das suas magníficas canções. A divina comédia também é uma antiga obra literária de Dante e o nome de um disco dos Mutantes, umas das mais incríveis bandas musicais da história deste país. Escândalos, corrupção e confusão. Capa da Veja. Notícia do Jornal da Globo. Crença dos mais ingênuos, desavisados - ou estúpidos mesmo. Enquanto isso, vivemos ‘a ditadura perfeita’ (título de um baita filme do diretor mexicano Luis Estrada) conduzida pela indústria cultural (leia-se conceito em: Escola de Frankfurt), e/ou pela ideologia maniqueísta, privada, mercadológica, publicitária dos meios de comunicação de massa e seus financiadores. E assim vai. Eis nossa divina comédia, talvez, não tão humana. O ponto mais positivo de nosso primeiro governo de esquerda da história democrática, iniciado pelo presidente Lula e continuado pela presidenta Dilma, foi, como disse um dos grandes comediantes brasileiros da atualidade, a ‘democratização do capital’, no que eu diria, a ‘democratização dos espaços e acessos’. Pobre no shopping, no aeroporto, comprando, vivendo um tanto melhor, melhoria dos acessos e condições com os programas sociais (cotas, bolsas, Enem, novas universidades federais, etc.), geraram a revolta de uma ‘classe dita burguesa’ pelos marxistas, no que eu digo, uma ‘classe monopolista’ ou ‘elitista’ que não tolera ver ‘povo’ dividindo espaço consigo, e assim perdendo seu antes exclusivismo. Não que o governo atual não tenha seus furos, suas falhas (como todos os outros também tiveram), mas, o ‘anti-petismo’ traz como principal elemento esse ‘ódio de classe’ (por assim dizer). Coisa, não de país, mas de mentes subdesenvolvidas. E elas estão por aí, em todas as ‘classes’, mas principalmente na média, alta e média-alta. Por outro lado, a incapacidade do governo de fiscalizar mais de perto (e em algumas situações até de compactuar) as questões problemáticas do país (usurpações, corrupções, etc.), acaba facilitando a continuidade dessa cultura de desmantelamento da nação (se é que um dia já fomos uma). Governo fraco (neste sentido) e oposição elitista, vingativa e medíocre, e eis o resultado. Além da melhoria dos acessos com esta democratização a que me refiro, o governo deveria tratar de buscar a melhoria dos conteúdos. Ou seja, certos critérios que façam com que a indústria cultural e suas mídias realmente veiculem conteúdos que sejam diversificados, dinâmicos e abrangentes. Aí sim podemos sair deste ‘estado de comédia’ para entrar em um estado novo, onde os risos possam ser reais e sinceros.


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.



terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Demasiadamente humano

Queria estar por dentro da aventura das palavras que correm a frase. Queria compor o texto até o fim, linha após linha, parágrafo após parágrafo, para que quando terminasse, algum leitor dissesse baixinho: ‘Deve ter sofrido, mas terminou’. Um reconhecimento. Queria dizer coisas que não se dizem a qualquer circunstancia ou momento, a qualquer preço, por qualquer motivo. Dizer coisas importantes, grandes, inusitadas e de impacto. Mas só sei o óbvio. Alguém deve saber mais que isso, mas não se manifesta. Por quê? Gostaria de saber. Queria falar do pássaro bem-te-vi que canta toda manhã na janela da minha cozinha enquanto tomo meu Nescafé amargo. Queria ter a sensibilidade de falar do cão que passa triste todo dia às cinco da tarde em frente a minha casa, falar do dia e da noite, suas nuvens e suas estrelas, seus princípios e seus fins. Queria falar do mundo, do tudo e do nada, onde eles se encontram – deve ser na curva de algum lugar impossível. Queria entender a física quântica, Freud e a poesia do Mano Lima. Meu avô disse um dia que eu poderia falar, poderia escrever e me expressar sem objetivos, mas eu não acreditei. Hoje, ainda duvido. Queria beber cerveja comendo fritura no bar da esquina e, sentindo o cheiro da chuva chegando, alertar os que estão em volta: ‘Vai chover!’ – só para me achar alguém especial (mas não há nada de especial nisso). Queria falar aos meus alunos do problema ambiental sem precisar de tanto argumento, fazendo-me compreender facilmente. Mas não, estou aqui, parecendo um doido, no encosto de uma sombra diurna, sonhando com o que ainda não fiz e talvez nunca faça.
Contudo, eu devia estar satisfeito, conformado, com tudo. Mas não, prossigo insatisfeito. Procuro e não acho e quando acho já não quero mais. Minha vida é cheia de vontades e possibilidades, de limites e paixões e muitas negações. Minha vida é uma história e pode ser um conto, novela ou romance. Uma canção. Um dia, quem sabe, um poema.


O ato de escrever...

“O escritor é o arauto emocional de seu país e de sua classe, é seu ouvido, seus olhos e seu coração; é a voz de sua época. Deve saber tanto quanto seja possível, e quanto melhor conheça o passado melhor entenderá seu próprio tempo, (...)”.

(“Como aprendi a escrever” – Maximo Gorki).


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.




terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Vida - para além de um grito de gol...














"A grande virtude do Céu e da Terra chama-se vida" (‘I Ching, o Livro das Mutações’)

O ano começa no nosso calendário gregoriano-ocidental e continua no tempo livre da vida tal como ela é, cheia de natureza, caos e algumas ordens ou organizações próprias – além da organização sociocultural humana. Pois bem. Nós com a vida continuamos, sobreviventes em meio aos trâmites do tempo. O clima anda revolto, com tempestades e outras violências aumentadas pelo aquecimento global. A correria que o ‘homem civilizado atual, profissional e bem sucedido’ condiciona para a educação, cultura e modo de vida, reflete em outra corrida, a ‘corrida para a morte’. Sua morte. Nossa morte. A própria morte do homem que corre e nunca chega - pois já está. Essa, esta, isso e não aquilo é a vida. Sem tirar nem por. Assim mesmo. Quem segue o discurso idealista-reducionista de ‘se dar bem na vida’ já está automaticamente correndo, buscando, não a vida, mas a morte, pois é ela, a morte, a única que chega – a vida sempre está. Sim, tudo bem, pode ser. Se existir um ‘depois da morte’, aí, talvez então saibamos se existe algo como ‘outra vida’. Uma ‘vida pós-morte’ muito prometida pelas religiões. Seja no alcance do paraíso ou por encarnação, não temos esta ‘projeção de vida’, pois a vida que temos é esta, aqui e agora. Mas, todos realmente vivem esta vida? Ou alguns (ou muitos) apenas sobrevivem sobre ela? Acontece que, em várias situações desta vida, pessoas ‘escolhem’ coisas para fazer e então ser-estar que reduzem a potência das suas próprias condições de viventes. Ou seja, no leque de possibilidades que a vida é ou nos oferece, muitos ‘optam’ pelo ‘comum’ ou pelo que está na moda, ou ainda, pelo que lhes parece mais conveniente e/ou fácil, movidos por certa comodidade ou preguiça mental e física. Pior é que com isso, levam consigo outros, ou pelo menos, situações ou contextos se criam integrando outros devido a essa comodidade ou preguiça. Eis que muita coisa incoerente, bizarra, mesquinha, superficial acontece e toma boa parte do espaço daquilo que poderia ser grandioso ou pelo menos instigante para a vida e a organização sociocultural humana como um todo. Falo em ‘reflexo’. Ações, assim como palavras, refletem no mundo, na vida, tornando-se partes deles. E nisso, se integram as ‘escolhas’, as poucas que realmente nos aparecem como ‘oportunidades’ ou ‘possibilidades’, pois grande parte delas são induções ou alienações. Portanto, vivamos, para além das convenções...

 “Desta bagagem de valores convencionais é que o homem deve se descartar, primeiro que tudo, antes de poder ser livre.” (Chuang Tzu)


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.



sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

'Chapecó, onde tudo acontece...'

“O pensamento ocidental está fixado no hiato entre o que é e o que deveria ser.” ('constatação' taoista)

A 'inteligência' xapecuína (no caso, do seu poder público e de parte da população: comerciantes, empresários, 'artoridades', etc.), mais uma vez vem á tona. E as culpadas são 'Elas', as árvores. E sempre Ela, a Natureza. E o homem, imbecializado com sua crença e status de cunho judaico-cristão-cartesiano-eurocentrista-eurocêntrico, mais uma vez prova sua mediocridade e estupidez. Acredita piamente (ou se convenceu, se enganando hipocritamente) que controla ou domina, ou pode controlar ou dominar a natureza, assim como reza sua crença ou seus interesses que dizem que 'a natureza foi feita por um deus - com características humano-masculinas, é claro - para servir ao homem'. 'Homem-divino' que, imbecilmente, à medida que constrói, destrói sua própria vida, em nome de um pretenso progresso admitido em um tempo linear, que também não passa de uma estúpida crença, naquilo que insiste também imbecilmente de chamar de desenvolvimento. E são Elas, as queridas, suntuosas, fundamentais Árvores as 'culpadas' - e que são vítimas desta medíocre crença e deplorável atitude 'humana-civilizada' (e besta!). Sim, tempestades e vendavais acontecem. Sim, Árvores caem. Assim como o concreto (telhas, tijolos, vidros...). Assim como os impérios, as máscaras, os homens. E, a exemplo, não foi nenhuma Árvore que caiu sobre o meu carro na mais recente tempestade que aconteceu por aqui. Foram destroços de 'construções humanas'. E aí, vão derrubar casas e prédios comerciais e habitacionais por isso? Vão derrubar suas empresas e a prefeitura? Então, porque as culpadas são as Árvores? Por que a causa de todo mal é a Natureza? Eim, seus caricatos vestidos de inteligência e racionalidade?! Algumas Árvores com mais de 20 anos, outras bem novas, que passaram e resistiram neste tempo todo por várias tempestades, e só agora, este pretexto, esta desculpa ou justificativa. O que há? Elas também estão 'atrapalhando' a exposição das mercadorias nas 'vitrinas' das lojas do centro?

Uma imagem deprimente pela televisão: um casal de idosos de uma cidade vizinha e pequena, assistindo a derrubada das Árvores no centro, enquanto abrigavam-se na mísera sombra de um poste. Eis a imagem do seu desenvolvimento, do seu progresso, da sua 'inteligência', sendo que, o clima está como está devido justamente a isso, a esta arrogância e estupidez do homem supostamente desenvolvido e dominador da natureza. Enfim... 'Não é Efapi, nem Expoeste. Mas é espetacular!'

 “Céu e terra não têm atributos e não estabelecem diferenças: tratam miríades de criaturas como cachorros de palha” (Lao-tsé, Tao Te Ching)



* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.