quinta-feira, 14 de março de 2019

A "sociedade dos excessos" e nossos massacres cotidianos...

"Vivemos um tipo de exaustão humana, (...) somada à exaustão ambiental vivemos a exaustão do modelo racional de humano que criamos ao longo de nossa história. (...) abismo civilizatório." (Viviane Mosé, em Nietzsche hoje)

Alguns pensadores nomearam a sociedade platônica judaico-cristã patriarcal branca contemporânea. Nisso, vivemos a 'sociedade do espetáculo' (leia-se Debord) e do 'hiperespetáculo' (leia-se Juremir Machado), onde quase tudo é influenciado pelo espetáculo midiático-publicitário-ideológico (TV, rede social com seus likes, mercado, discursos de sucesso pessoal, etc.) e se torna um 'valor'. E assim também é com a violência.

Também vivemos a 'sociedade do cansaço' e do 'desempenho' (leia-se Byung-Chul Han), ou como diria Viviane Mosé, a partir de Nietzsche, a 'sociedade da exaustão', onde 'a vida perdeu o valor', e onde tudo tem que ser 'produtivo' (principalmente no sentido mercadológico), e o tempo deve ser preenchido com 'qualquer coisa' (as crianças e adolescentes são as grandes vítimas disso), o que alterou a velocidade dos acontecimentos, que já não acompanhamos (incoerência, incompatibilidade, desequilíbrio), e a tecnologia, o progresso ou desenvolvimento técnico, que viriam para 'facilitar' e 'melhorar' a condição humana, acabaram a mecanizando ainda mais, tornando o ser humano mais frio, imediato, conturbado, confuso, doente e menos reflexivo, sensível e empático. Doenças de 'ordem mental/emocional' (ansiedade, angústia, estresse, depressão, ou seja, transtornos mentais) são hoje as doenças mais comuns nesta sociedade. Quase todo mundo está doente. Esta sociedade, esta cultura estão doentes.

A partir de certa concepção taoista, chamo esta sociedade de 'sociedade dos excessos', onde grande parte do que criamos nos tornou seres desequilibrados, insensíveis, mecânicos, egoístas, tristes (mesmo sendo alegres no espetáculo das aparências publicadas nas redes sociais), e transtornados, devido aos excessos de ter/possuir e de informações (muitas desconexas e inúteis), e a velocidade dos chamados 'dias úteis' que nos massacra cotidianamente. Assim, nos tornamos loucos e impulsivos, doentes mentais, onde muito do que vivemos é artificial, superficial, ou seja, anti-natural. Assim, a vida se tornou insignificante para muitos, que já nem vivem ela em sua intensidade ou profundidade. Copiam-se os exemplos errados. O massacre de crianças e adolescentes na escola pública em Suzano/SP por um adolescente e um adulto (jovem), é um exemplo deste tempo de excessos e falta de sentido. 

Em suma, são os excessos e a artificialidade que nos adoece, que nos mata e nos faz matar os outros, seja direta ou indiretamente. Nisso, é preciso voltar-se ao simples, ao tempo natural das coisas, se reaproximar da natureza, do que é natural em nosso entorno, e retomar a necessidade, e não nos cercarmos do que é excessivo. Seguir o fluxo, buscar equilíbrio, com menos metas, menos correria e mais ar, mais relaxamento, mais simplicidade, mais VIDA...

"O projeto moderno de consertar o mundo, de humanizá-lo, nos deixou como legado uma verdadeira revolução tecnológica, mas deixou também o meio ambiente e o ser humano em exaustão. O modelo racional de humano, do qual tanto já nos orgulhamos, nos levou também a situações de extrema brutalidade tanto individuais quanto coletivas, além de estar levando os recursos naturais do planeta à exaustão." 
(Viviane Mosé - Nietzsche hoje)



Herman Silvani (professor de humanas e sociais - filosofia, história, sociologia - e linguagens, de Chi Kung e Wing Tjun Kung Fu)