Passados alguns anos resolvi retornar.
Minha ausência foi sentida por aqueles que me amavam. Eram poucos, mas
existiam. Antes da fuga, estive ao lado dos que portavam a esperança. Eram
muitos. Visivelmente, lutavam para ter seu espaço, sua vida. Os demais tentavam
de todo modo obstruir a luta. Tornar tudo inviável. Um projeto de anos. Não
estávamos pra brincadeira. Fazíamos barricadas no deserto, manifestos no
chuveiro, projetos para desviar o curso dos rios e tudo mais. Criamos empresas
para juntar grana e dar vida prática aos nossos projetos. Foram tantas! Lembro
que no meu apartamento, apertado, de pouca luz e sem nenhum móvel, montei uma
transportadora, a ‘Transpirâmide’. Adquiri dois caminhões e um telefone fixo.
Fiz sociedade com a dona Jacira do apê ao lado. Ela não andava nem ouvia
direito e mal sabia escrever seu nome. Por isso deixei-la na incumbência de
atender os telefonemas e anotar os recados. Criamos o lema: “TRANSPIRÂMIDE:
transportamos sua pirâmide com segurança e rapidez por um preço bem menor do
que o tamanho dela!” Nada novo, um clichê até, mas objetivo. Criamos uma editora para publicar nossos
manifestos e livros teóricos, a ‘EDIONDA’, fazendo jus a nossa causa - que era
realmente uma onda! Tínhamos até uma sede própria que resolvemos riscar do mapa
para que ninguém a encontrasse, nem nós mesmos. Nossas reuniões eram
telepáticas, estratégia para que ninguém viesse nos capturar. Tudo ia muito bem
até que eles chegaram. Armados de ódio e sedentos por poder. Descobrir nossos
planos era a meta do imperador. Acabamos por desaparecer através de nosso tele
transporte baixado pela internet. Por ser pirata, às vezes não funcionava e por
isso alguns camaradas ficaram presos no caminho sem chegar ao destino. Agora
para encontrá-los só on line. Estão viajando na rede como vírus. Uma outra arma
muito eficiente descoberta por nós. Tínhamos um pacto que dizia que ‘onde estivéssemos,
até a morte, tramaríamos contra o sistema’. Assim, a missão dos ‘piratas da
rede’ tornou-se a que nos dá os maiores resultados.
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
Efeito Zumbi
Século XXI. Semi-humanos rastejam-se pelas
ruas, assustadores, com seus olhos sem vida e seus cadáveres tortos. São seres
ocos que divagam por aí. Quando criança eu acreditava em zumbis. Via aqueles
filmes com aquelas criaturas medonhas e me encantava, num encanto terrível e sedutor.
Um desses filmes se chama “Extermínio” (do inglês Danny Boyle, o mesmo diretor de outros grandes filmes como
“Trainspotting”, “Cova Rasa” e do ‘oscarizado’ sucesso: “Quem quer ser um
milionário”). “Extermínio” fala de um mundo povoado em por zumbis, aqueles
mortos-vivos eternizados pelos filmes “B”.
Hoje a ficção torna-se realidade e o mundo
passa a conviver com um fenômeno urbano, que se alastra como um vírus. Ainda
não passa de pessoa para pessoa, mas passa de mão em mão. Zumbis existem!
Perambulam pela cidade fissurados e paranóicos, numa alienação que acompanha a
loucura dos dias contemporâneos. As autoridades que antes caçavam maconheiros
sonolentos pelas esquinas, agora realmente têm com o que se preocupar.
Perceberam que a erva não era nada e continua não sendo, comparada ao crack. E me
parece que este veio para ficar.
O crack prolifera como uma praga criando uma nova categoria de seres (quase) humanos, os zumbis. O crack deixa o mundo impotente frente ao seu poder consumível: almas vazias em cadáveres que se movem. Questão de saúde pública e muito mais que isso. Mobilizam-se ONGS, empresas, igrejas, imprensa em torno de uma bandeira que diz: ‘Crack nem pensar!’. Eu diria: ‘Crack, pensar sim!’, pois há de se refletir, há de se pensar sobre os motivos do ‘efeito zumbi’. Para os marginalizados, uma fuga para o outro mundo (o mundo dos zumbis). Semi-humanos mortos-vivos que trocam a dor de uma existência mínima, diminuta, sofrida, miserável, por uma meia existência, uma meia dor. Talvez assim, os zumbis, abandonando o sonho de ‘ser’ nesta realidade de ‘ter’, estejam mais coerentes com suas reais condições existenciais. Quem já assistiu “Trainspotting” (já que o citei aqui), talvez compreenda os motivos dos zumbis.
* re-publicado no jornal Folha do Bairro, Nov. 2012.
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
Você. Até quando?
Com um riso de bobo, me ponho a blasfemar.
Da minha boca saem cobras, aranhas, lagartos e outros bichos que você não quer nem
ouvir falar...
Você é tão pura e eu sou tão sujo. Você
canta sua canção de (pel)amor - um sertanejo dito universitário - enquanto eu me
atrevo num samba de terreiro...
Vai precisar dela para viver aí fora, nesse
mundo cheio de impostores que mantém uma postura para representar algo que não
são...
Eu, de minha parte, me assumo. Tenho
coragem - ou tolice - suficiente pra isso. Aqui estou eu, basta você acreditar
nisso. Mas esse sou eu mesmo?
Um poema não resolve o seu problema, pois
poemas nem de longe são alguma solução. Antes um problema. Um poema equivale a
um problema...
Por isso, eu gosto de um problema ou outro.
Um poema de vez em quando para lembrar de que ainda há vida na terra - e que a
terra continua viva...
Um naufrágio na garrafa de rum me enche de
vida. Um voo para além da sua visão me torna outro eu – um eu que é aquele
quando não sou...
Hoje parei para descansar. Peguei um papel
e a caneta. Resolvi um suicídio com um poema. Saiu errado. Sujo. Sem nome. Transfigurado...
Alguém ainda ousa. Alguém ainda pisa em
chão de terra. Alguém ainda canta para além da comoção alheia. Alguém ainda faz
da arte uma desconfiguração...
Sou isso e aquilo. Um sem nome ou um nome
qualquer. Você é quem me diz. Sou o que quer você - quem eu seja. Isso que você
vê no espelho – pode ser?
Não tenho respostas. Não sou um homem de
respostas. Antes, um perguntador que não se cansa de querer saber. Mas, se não
souber, tudo bem!
Você que tem tanta certeza. Você que vive
em suas convicções e crenças. Você que me (des)preza num ato de desespero. Você
que só me vê com seus olhos criados...
Você!
Até quando será você?
sexta-feira, 9 de novembro de 2012
De escolas e prisões
(obra de Banksy)
Vivemos
entre escolas e prisões. Alguns não concordam com esse meu apontamento. Acham
ele um pouco pontiagudo, cortante. Mas é pra ser mesmo. Ultimamente estou sendo
bastante requisitado por estudantes universitários das áreas de humanas e
sociais para opinar e responder entrevistas sobre educação, sala de aula, o ‘ser
professor’, realidade escolar, etc. Também fui procurado para dar oficina de
poesia numa grande escola particular aqui da cidade, dado a necessidade dessa
linguagem sensível e criativa, quase morta no contexto atual. E lá vou eu. Aceito
quase tudo. Sou um homem multiuso. Sirvo pra muita coisa ou pra nada, isso tudo
vai depender de algumas variantes. Num sistema contraditório em sua origem, ou numa
sociedade mecanizada como a nossa, é necessário ter certas habilidades, como
caminhar por espaços diversificados. Não que eu quisesse, mas me constituí
assim (e não estou acabado, continuo). Anda em voga uma discussão sobre a
obrigação ou não de câmeras de monitoramento dentro das escolas e nas salas de
aula. Minha opinião? Acho ridículo! Motivos? Vários, mas um em especial: ‘Escolas
não podem estar a nível das prisões’, assim como o professor e os alunos, ‘vítimas’
desse ‘sistema’, não podem se renderem a essa condição. Vi pela televisão a
mais nova: uma escola no Brasil que implantou um chip no uniforme dos alunos. E
alguns professores aplaudem. E alguns pais aplaudem. E a escola vira um circo –
de horrores. Um picadeiro onde os palhaços riem da própria desgraça. Sim,
desgraça! É onde estamos chegando com isso. Com o pretexto da ‘violência’, se
implantam esses ‘melhoramentos’ (ou escapismos?). O outdoor que desenho na
minha cabeça: ‘Escolas ou penitenciárias?’. Um tal ‘especialista em educação’ defendeu
que o chip evita a fuga e desistência de alunos da escola e da sala de aula. A
pergunta que quer gritar: ‘mas quais os motivos dessas fugas?’. Os discursistas
em pró desse ‘sistema escolar’ vão dizer que a culpa é do professor, que não
consegue dar uma aula atrativa – mas professor não é palhaço e escola não é
circo (ou é? já não sei!). Se existe uma ‘fuga’ do aluno, não seria pelo fato
de que o ‘sistema escolar’ já não tem sentido - pelo menos do modo que ainda insiste
em ser? Mas fica mais fácil apontar o dedo para o professor. Ele e o aluno são
‘o problema’. Mas e a família? E a escola? Os dois juntos formam esse
‘sistema’, onde professor e aluno, são os ‘submetidos’, os meios e/ou ‘objetos’
que sustentam esse ‘sistema’. A escola é um espaço isolado, segmentado, dentro
de uma sociedade que já não suporta suas próprias falhas ou faltas. E a culpa,
é claro, é do ‘trabalhador’ (professor) e do aluno (pobre errante!). E a
violência, se combate com monitoramento? Com isolamento, afastamento ou
segmentação? Não, isso não é combate, antes, maquiagem. É preciso que se
derrubem os muros, as grades e cadeados da escola. ‘Mas como Herman, numa
sociedade assim?’. Como, eu não sei, mas é preciso. Se a sociedade é assim,
talvez seja porque a gente, o ‘mundo adulto’, a conceba assim, reproduzindo-a.
E essa reprodução chega até a criança ou o aluno, pela família, escola e
professor. Portanto é preciso resistir. ‘Como?’. Arriscando-se. Fazendo o
diferente, com aulas ‘alternativas’, diversificadas, para além dos muros da
escola e dos conceitos engessados que os ‘aparelhos reprodutores’ mantém
legitimados. É preciso ir além e desconstruir, o mais é aprisionamento.
* publicado também no jornal Folha do Bairro, do grande bairro Efapi, em 09/11/12
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
A vida é agora! (o valor da vida a partir da noção da morte)
* entre o dia dos mortos ou finados, zumbis, bruxas, hallowen e o escambau, existe algo a mais para pensar... mas, o que realmente te atormenta?
Tudo
o que é sólido se desmancha no ar (Karl Marx)
* também publicado no jornal Folha do Bairro
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