quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Leituras do Cotidiano

Uma parte

Meu tempo de maior produção é à noite. Pera aí, me deixa explicar. Produção escrita. Não lembro se alguma vez rabisquei um poema na luz radiante do dia – oh! Alguns textos e crônicas até que sim, mas poemas e contos acho que não. Aliás, também não lembro qual foi a última vez que escrevi uma estória. O conto é uma das minhas práticas escritas preferidas (como gênero literário narrativo – oh!). Algumas imagens ou frases poéticas, assim como pensamentos, anoto, de passagem por algum dos cômodos da casa, durante o dia. Falando nisso, minha casa é cheia de anotações pelos cantos. No quarto, na sala, no quarto de ensaio musical que também é biblioteca, na cozinha. Sim, na cozinha. Muitas anotações em blocos, cadernos, pedaços de papel, além dos livros e revistas. Muitos livros espalhados por tudo. É assim, nesta confusão, que eu me acho, no meu modo de organizar minha vida privada. Escrever é uma arte! Dizem. Nem sempre! Retruco. Não escrevo a troco de elogios, nem por arte ou só por dinheiro - eu disse: “nem ‘só’ por dinheiro” (e isso é diferente de “nem por dinheiro”). Eis o valor de um ‘só’ numa frase - vejam só! Escrever, às vezes, é como pintar ou tocar uma música. Você tira um pedaço de si para compor uma parte no mundo – isso, quando há intensidade. Às vezes. Uma parte. Quando há...


No Cu(nha) do Brasil

Milhões na Suíça. Meu porsche. Minhas vaidades. Paz irmãos! Assim reza um cristão (ou quase isso) que também é deputado, além de moralista e hipócrita. Milhões sujos como seu porsche e sua história política. Sua história humano-pessoal não interessa. Falamos aqui de um ‘homem público’, eleito democraticamente (por parte significativa de devotos fiéis seguidores que dizem amém e ajoelham-se fácil, fácil). Sim, senhores e senhoras, estamos em pleno dois mil e quinze e no Brasil a justiça ainda brinca de faz-de-conta. Terno, gravata e um bom discurso livram a cara de muita gente – além dos financiamentos privados e de certo protecionismo que vem do além. Não de um além-divino, mas de um além mais próximo, um além-terrestre. Nós sabemos do que eu estou falando, não sabemos?


Coisas da vida

Tantos caminhos e um só caminho. Tantos ares, tantos cantos, tantos lares – e nenhum. Tantas vidas que vivem em um tempo só. Outras nem se quer tiveram tempo pra viver. Muitas delas sem se encontrarem nem ao menos uma vez – na vida. Assim são as coisas desta vida. Uma vida ampla e longa, e que, às vezes, é tão curta que muitos dizem nem verem passar...


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó



quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Leituras do Cotidiano

Sociedade Ogroista

Vivemos numa sociedade de 'ogros'. Esqueçam da figura carismática do Shrek, não é isso. Então, quem são os ogros? Ogros são seres ditos humanos que tem um cérebro do tamanho de uma ervilha e que, por isso, usam a força bruta do corpo endurecido e domesticado pela tradição e pensam que tudo se resolve com estupidez e violência. Um crime supostamente combatendo o outro. Não conseguem compreender que, se há violência de um lado, do outro deve haver ‘paz’, sendo que, uma violência somada à outra gera uma terceira, resultante das outras duas, ainda mais intensa e de maior proporção. Somar na estupidez, eis a 'contribuição' dos ogros neste mundo...


Professor e Estudante: resistindo para existir


Sou Professor. Não vou dizer que ‘com muito orgulho’ pois isso é muito clichê e não é de todo ‘verdade’. Mas sim, tenho certo ‘orgulho’ de sê-lo. Teria mais se meu ofício fosse mais dignificado, considerado, valorizado, respeitado. Estado e setor privado, devem muito (ou quase tudo) ao professor. Mas, ao contrário, não nos tratam muito bem. Alguns pais de alunos também fazem pouco caso da nossa condição. Professor e aluno são funções preciosas numa sociedade que se queira educada, culturalmente e politicamente falando, numa educação ampla e profunda. Porém, para isso, não basta a habitual formalidade aplicada a estas funções. Como não basta todo o discurso acima deste ‘futuro’ que nem sequer existe, e que, seguindo este mesmo discurso, um futuro que depende do professor e dos estudantes. Como professor já cansei de ouvir isso. E as efetivas ações para que este tratamento e condição dignos existam? Para que este ‘futuro’ não seja só da boca pra fora? Sou professor e estudante, por isso carrego dois fardos pesados, porém, não me deixo diminuir, persisto e prossigo, lutando para que realmente minhas funções como tal sejam dignificadas a altura dos discursos e formalidades. Contudo, apesar dos pesares, ser professor e estudante, tem lá suas vantagens. E eu, como tantos, as faço dignificar, às vezes, na marra. E é assim que resistimos existindo...


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó



quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Leituras do Cotidiano

Militarismo, um governo a parte?

A partir de postagens em perfis de policiais militares no facebook, um sociólogo constatou que a violência e a discriminação faz parte de certa ‘cultura militar’. Um dos elementos mais propagados nestes perfis é a apologia à violência e ao uso de armas como pretexto moral de certa ‘correção social’. Outro fato comum é o uso vulgar do termo ‘vagabundo’ por parte significativa dos policiais, uma palavra adorada por muitos militares e historicamente carregada de significados preconceituosos e discriminatórios. A ‘cultura militar’ atual tem relações diretas com o período da ditadura militar brasileira, onde se perseguiam e reprimiam estudantes, professores, intelectuais, artistas e pensadores, em nome de uma pretensa ‘ordem’ - ordem para quem?

A psicanálise constatou que parte significativa do autoritarismo e abuso de poder, assim como outras violências, tanto físicas quanto verbais, acontecem como uma compensação de frustrações e impotências. Alguns estudiosos também falam de uma lacuna intelectual e falta de sensibilidade, sendo que, historicamente, o militarismo é marcado pela repressão e caça aos diferentes: movimentos culturais e sociais. A partir disso, a questão que não dá para ignorar: O que se ensina nos quartéis? Não seriam os policiais doutrinados para tal repressão às diferenças e minorias? 

Alguém vem e me diz que ‘policiais ganham mal, por isso agem assim’. Então quer dizer que ‘ganhar mal’ justifica o abuso de poder? Sou professor e ganho tão mal quando um policial, e muitas vezes sou mal tratado e desvalorizado na minha profissão, então se fosse por esta ‘lógica’ deveria eu descontar isso no meu trabalho e nos meus alunos?

Casos de violência policial e abusos de poder são corriqueiros no Brasil. Leia-se os inúmeros e cotidianos casos no Rio de Janeiro, por exemplo, onde policiais forjam situações para cometerem seus crimes. Aqui em Chapecó, professores e alunos da Universidade Federal (UFFS) denunciaram uma abordagem violenta da polícia contra eles numa festa. Violência física e verbal: xenofobia, racismo, machismo, preconceito, discriminação, chutes, tapas e socos, spray de pimenta e até ‘confisco’ de celulares para que não vazassem imagens da abordagem na internet. Enfim...


Nesta ‘cultura militar e violenta’, seria a polícia um governo a parte que faz suas próprias leis? Que age acima da lei constitucional? Que justiça é esta? Que moral é esta? Que ética é esta? Um crime por acaso justifica outro? É preciso urgente rever esta situação antes que tudo vire banalidade e guerra...


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó



segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Leituras do Cotidiano

Ta-lento...

Como eu queria ter talento. Pelo menos para poder escrever o melhor poema que já tenha sido parido por estas bandas.  Ser um professor organizado, regrado, correto, de moral. Ser um artista que tenha pelo menos sua arte reconhecida. Ser um homem bem aparentado e de passos firmes nesta sociedade de status, consumo e aparências de deus dará. Mas não. Nasci sem este brilho. Minha tribo é a tribo dos clandestinos malditos que resistem para poderem viver. Entre todos, meu pior desempenho: ganhar dinheiro. Eu não sei ganhar dinheiro. Nasci sem este talento. Herança de meu desafortunado bisavô italiano que veio corrido da Sicília? Ou de Dionísio, meu maldito deus em vão? Como tantos sem talento, virei professor de humanas e sociais e linguagem. Graduado e pós-graduado pelas universidades da vida – ainda faço alguns quadros que vão enfeitar alguma parede com meus títulos. Para o orgulho da mãe, sarro do pai e ignorância dos irmãos. Um caso típico de sem talento para ganhar dinheiro e se fazer notar através dos títulos. De-fi-ni-ti-va-men-te! Mas não choro ou me lamento por isso. A cerveja, o rum e o vinho são meus psicólogos e amigos mais fiéis, e é com eles que eu me abro em dias de fúria da natureza. Com eles aprendi muito, nas escolas e universidades da vida que são mesas e balcões de bar. Retroceder nunca, render-se, jamais! Não sei de onde, mais esta frase não é minha, tirei de algum lugar que me soa familiar. Já sei, da minha adolescência. Sim, já fui adolescente. E no meu tempo, não existiam todos os ‘prés’ que existem hoje. Ou seja, nunca fui ‘pré-adolescente’ ou ‘pré’ qualquer outra coisa. Saltei prematuro da infância para a adolescência. Tive boas escolas com minhas primas e suas loucuras infanto-juvenis. Voltando ao talento, tema da crônica de hoje, para se ter talento não basta nascer e viver, é preciso também desenvolver habilidades – agora falei bonito, como professor mediano que sou. Já posso discursar como um mestre talentoso e orgulhoso de si próprio e da profissão que escolheu pra si para viver. Mas o mundo não poupa nem perdoa. Se não for talentoso que pelo menos imite bem. Eis o conselho de um velho, sábio e safado mestre meu de sobrenome alemão. Ele escrevia contos, romances e poemas como poucos. Mesmo sem talento foi dos mais talentosos de seu tempo. Teve sangue fervente nas veias e pulsação nas vísceras que o fizeram ser. Escreveu com peso, às vezes elegância e muita profundidade. Também foi da raça dos resistentes. Tanto que incomoda até hoje. Enfim. Fico por aqui, pois, por hoje, minha falta de talento já rendeu o que tinha que render. Tchau!


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.



sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Leituras do Cotidiano

Abandonar as muletas


O idealismo é um dos maiores ‘atravanques’ de uma mudança de concepção e percepção ou leitura de mundo, o que reflete na mudança de atitude, o que, por sua vez, gera ações que podem mudar certa realidade. A busca da pretensa pureza ou perfeição, assim como do divino, é um embuste irreal que quase sempre tem fundo ideológico. Tudo o que é conceito purista e/ou idealizado, ligado ao monoteísmo e ao idealismo platônico parte de uma concepção ou discurso de ‘verdade única e absoluta’. A corrupção gerada por troca de interesses e certas ‘naturalizações’ está por detrás da dita representação política oficial, principalmente no ‘investimento’ (financiamento ou ‘doação’) de empresários nesse jogo (campanhas), assim como, nos atos e até nos pensamentos do homem ‘comum’ no seu cotidiano, e se isso não for visualizado, não há combate, mas apenas justificativas ou pretextos e maquiagem. O que existe e está por trás das ações, muitos talvez não percebam, é uma disputa de poder, no caso, mais, uma disputa ideológica e de linhas teóricas de pensamento ou crenças. Uma contradição, um contraste, uma discrepância. Nem céu, nem inferno, nem bem, nem mal, mas crenças, posições, doutrinamentos, ideologias e interesses humanos, sejam eles privados ou de grupos de poder, ditos também, políticos. A coisa é mais complexa do que aparenta e se discursa vulgarmente por aí. Com isso, não estou sendo negativista, alguém sem esperança ou niilista, apenas dizendo que a organização humana e sociocultural não é um paraíso platônico ou divinizado, e devemos, em primeira instância, perceber isso: essas disputas, essas contradições e ‘jogos’ que se estabelecem na realidade, no andamento da vida. O ideal não é vida, é apenas a reprodução de uma ideia mirabolante e divinizada, uma crença no além, no nada absoluto que age como um fantasma em nossos dias, não nos deixando acordar do sono entorpecido por supostas ‘verdades’ e ‘salvações’. Nisso, ídolos ou ícones, idealizados ou divinizados tem o mesmo papel, que é o de servir como referência, apoio ou mesmo ‘muleta’ para justificar determinados pensamentos, ideias, crenças e, o que é pior, ações, todas elas, tendenciosas, sejam elas provindas de certa ingenuidade, ignorância ou interesse. Eis o atravanque dos dias. Eis a submissão de certa educação familiar, religiosa, midiática, colegial e acadêmica, assim como da política oficial institucional e da formação das famílias e modos socioculturais de interagir com o outro e com o meio. Nossa ‘formação’ é reducionista e por isso, parece que precisa de ícones, deuses ou semideuses, exemplos para poder se manter sobre as muletas que nos foram dadas. Tanto que, quem já ousou, experimentando abandonar as muletas, ao invés de rastejar apoiado sobre elas, pôde andar da forma que quis ou conseguiu, e até correr.  


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.