quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Insônia e Cioran



















"A insônia é uma lucidez vertiginosa que poderia converter o paraíso num centro de tortura. Qualquer coisa é preferível à vigília permanente, essa ausência criminosa do esquecimento." 
(Emil Cioran)

Eu também erro. Meus tiros, nem sempre são certeiros. Eu também como, bebo e respiro. Às vezes me embriago. Eu também sofro. Mas rio, canto, e às vezes tento fazer chover. Ontem mesmo tive sonhos e tive pesadelos. Ambos alimentam minha imaginação, possibilitando novas ideias que provavelmente darão em novos textos, ou desaparecerão como que se nunca tivessem existido. Hoje a insônia bate a minha porta pedindo para entrar. Não abro. Mas não há jeito, ela entra pelas frestas dessa casa velha. Tento negociar, mas ela não retrocede, não abre mão da sua missão que é a de me manter acordado. Tive um dia cheio, como tantos outros, e a noite também será cheia e longa e cansativa. A insônia tortura, atormenta e faz a noite amanhecer sem dormir. O pior da insônia é a permanência da razão, meio febril e dissonante, de fato, mas acesa. Uma lucidez atordoante e meio torpe que insiste nos pensamentos e nas lembranças da vida diurna. A noite se faz lá fora enquanto a insônia acontece aqui dentro. Insone, passarei a noite e depois o dia, até que a noite chegue de novo, e assim, talvez, o sono a substitua e volte ao seu plantão. Eu acompanho o mundo que acontece insone enquanto a humanidade dorme, entorpecida em sonhos que nunca serão lembrados... 


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 28/02



Leituras do Cotidiano

Efeito 'reprodução' e o entorpecimento da visão...

Referente ao caso do menor assaltante que foi amarrado num poste e espancado por um grupo intitulado ‘Justiceiros’, e que virou uma espécie de viral, se reproduzindo em outros lugares do país.

Há quem ache que tudo se resolve a bala ou na porrada, que tudo é pessoal ou natural,  inclusive a riqueza, a pobreza, o trabalho, o crime. Se assim for, está tudo certo e não há do que reclamar. Guerra é guerra. Mas será que é isso mesmo? Pessoas de boa índole jamais torturarão alguém. A tortura vem como uma espécie de fetiche odioso. Um Desejo demente de 'vingança', muitas vezes motivada por uma ‘ideologia da morte’.  Uma espécie de compensação das próprias frustrações. Ludibriação de si mesmo. Frustração por ter que ser submisso a um sistema como este, que brocha a maioria das necessidades humanas. Se o ato de punição individualizado ou pessoalizado se justifica, para que existem leis? Justiça institucionalizada? A hipocrisia de prometer, ofertar, discursar um mundo que não existe, a qualquer custo. E os meios de comunicação de massa são peritos nisso. Inclusive, a do individualismo do ter sem ser. Dada a motivação, a promessa, a propaganda, depois vem a punição por essa busca, esse anseio, esse desejo transformado em necessidade. Naturalizar algo que é de cunho 'socioeconômico' e 'sociocultural', é no mínimo falta de compreensão, para ser leve. E o moralismo permeia essa situação. Criminosos maiores querendo 'punir' um criminoso menor (e não estou falando em idade). Classe média/alta de valor e cultura eurocentrista judaico-cristã 'justiçando' a ‘realidade’ com violência acima da classe baixa afrodescendente. ‘Grande justiça!’. E o discurso maniqueísta da 'igualdade de oportunidades' é feito ‘verdade’.  Sei! Conheço esse discurso, essa ‘boa vontade’ do sistema bem de perto. Existem coisinhas básicas que se estudam nas áreas humanas e sociais, em que, estudando, se descobre que as pessoas geralmente constituem sua visão a partir do lugar onde foram criadas ou estão. No caso, um favelado que foge de uma realidade medonha e violenta para entrar noutra e sobreviver abaixo das promessas de um sistema melhor, enquanto, do outro lado, outros, moradores de bairros bem estruturados, bom teto e dinheiro no bolso, inseridos numa realidade consumista e de autoconsumismo que consome a si própria. Esses últimos deveriam ser mais racionais devido a suas condições mais suaves do que as dos primeiros, mas parece que acontece o oposto.  Justificando o ‘justiçamento’ (no que dou outros nomes como: covardia, fetiche e violência), alguns ainda dirão: ‘Foi deus quem quis'. Outros dirão que 'é natural'. Os mais oportunistas dirão: ‘Justiça!’. Contudo, eu digo que: ‘o meio, muitas vezes, entorpece a visão’. E se assim for, vivemos uma realidade viral e de pouca visão...


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó, 28/02...



sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Entre bem e mal: o corpo, a palavra e o silêncio...
















Polícia dá porrada de um lado. Manifestante discursa fragilmente de outro. Sininho esculacha o governo, mas acredita que com seu partido ou seu discurso reducionista vai fazer a revolução social. A revista Veja vê, noticia, distorce, pinta e borda, e vende tudo. A Globo aumenta pontos na sua audiência, outrora melhor. Eu continuo aqui, percebendo, produzindo crônicas e ideias e canções e poemas, ‘não sendo contraditório, mas contraditor’, como diria o grande filósofo. Sofremos gravemente de uma falta ou de um excesso de educação, pois de uma forma ou de outra, nossos atos e ideias e discursos, são reflexos de uma educação, de uma cultura. Somos animais culturais que absorvem, reproduzem e assim se encontram ou se perdem. Financiados, induzidos, orientados ou não, temos voz, a palavra e o corpo. O corpo por vezes indesejável ou indesejado – e muitas vezes, indefeso. A palavra também tem corpo – mas se defende - e seu corpo treme, febril, inquieto, cheio de dores e alguns calafrios. O corpo da palavra tem forma, tem imagem. A palavra do corpo e o corpo da palavra. Eu, você e todos os outros, temos corpo, mas nem sempre a palavra. Minha palavra magrinha, porém de ossos duros. Existem palavras, como as minhas, que não tem cura. Existem corpos incuráveis e vozes que, às vezes, silenciam. Entre bem e mal, o silêncio ruidoso dos corpos que caem e das palavras que se elevam...


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 21/02.



Leituras do Cotidiano - 21/02


Demagogia Zero

ACIC (Associação Comercial e Industrial), CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) e o SICOM (Sindicato do Comércio), lançam a campanha “Chega  de violência: Chapecó unida exige segurança”. E a coruja que pensa, pensa: “Xapecó pode ser menos violenta quando existir programas socioculturais nos bairros, Centros de Arte e Cultura na periferia, assim como uma atenção especial para a Educação. Mas só falam e policiamento, repressão, ‘segurança’, sendo que, segurança é algo bem subjetivo, discurso usado em períodos eleitorais (alguém lembra do ‘Tolerância Zero!?’). Certa feita, um prefeito falou: ‘Aqui em Xapecó bandido não se cria!’ – remetendo-se aos ‘ladrões de galinha’. Uma lagarta disse que entidades como as da campanha “Chega de violência”, de alguma forma, fazem parte do governo, apoiando, financiando e até direcionando aspectos da política local. Só falam em comércio, vendas, lucros, desenvolvimento econômico-material. E o desenvolvimento cultural, intelectual, artístico, humano que uma cidade precisa para não se tornar bruta? ‘Reprimir sem educar não ajuda em nada!’ Postos policiais nos bairros (com o nome tipo: ‘atendimento a comunidade’), com profissionais bem capacitados para o atendimento e não apenas ‘repressivos’, junto aos fundamentais Centros de Arte e Cultura, podem possibilitar melhorias nessa horrenda condição. O mais é discurso, demagogia, hipocrisia dos também responsáveis por essa realidade violenta, pois ‘violência não é só aquilo que se vê’.”


Filosofia? 

Universidades, escolas, cursos e muitos professores de filosofia, ensinam 'sobre filosofia' e/ou 'história da filosofia', assim como, apresentam aos seus alunos 'aspectos do pensamento de alguns filósofos', mas não FILOSOFIA!
 

No que, muitos estudantes acreditam que um dia serão filósofos por simplesmente terem acesso a essa 'transmissão' de 'informações' legitimadas e autorizadas pela academia. Pior são alguns professores que 'acessam' e citam certa quantia de teóricos, dominam certas técnicas, alguns conceitos e formas da linguagem filosófica (sob tudo acadêmica e formal), e pensam, falam e/ou escrevem, convictos ou convencidos que são filósofos por isso. Os poucos 'filósofos' que conheci (praticantes do pensamento de forma 'autêntica' e sem prisões na 'titulação autorizada'), nem sequer tem (de)formação na área. A maioria deles são poetas, compositores, 'homens comuns', caboclos, loucos varridos que bebem e perambulam pelo mundo, muitas vezes, invisivelmente. Filósofo não é aquele que ostenta um título ou assina como tal. Visão peculiar de quem transpassa a filosofia academicista clássico-socrática, é claro, e a percebe no antes e no depois...


Das (des)educações...

- Ei, Herman! pra que estuda e pesquisa tanto?

- Para submeter-me aos métodos e grades curriculares. Para submeter-me as formalidades e burocracias. Talvez, por um falso status ou para engordar o intelecto e matá-lo de infarto. Ou por hobby, ímpeto sadomasoquista. Algo assim! (ironia! - não do destino, mas da ordem sociocultural).



* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó...



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Qual violência é pior?





















Uma semana violenta, como tantas. As manifestações pelas ruas do Brasil continuam. As ideologias também – principalmente na disputa pela palavra. Vejam só como ela é importante. ‘Quem?’. A palavra. A palavra é tudo. Ou quase tudo. Não, não, acho que exagerei. A palavra é muito! ‘Fica assim que tá bom Herman!’. Outrora, as manifestações já foram mais queridas pela esquerda institucional. Hoje, nem tanto. Foi assim também com a Copa. Só que ao contrário (se é que me entendem!). Nesta festa, neste espetáculo, tiros saem para tudo quanto é lado. Menor infrator, morador de rua, ‘pobre diabo’, torturado e amarrado por playboys autoproclamados de ‘os justiceiros’ da nova e dita ‘classe média ascendente’, filhos dos mais recentes e progressistas governos que já tivemos na nossa história. Que ironia, não? É amigos, é o avanço econômico que passou por cima de outros avanços que ainda não se concretizaram. Capitalismo cruel. Há quem chame de capitalismo de esquerda, progressista. Mas isso existe? Não sei. Se existir, me parece contraditório. ‘Mas o sistema é contraditório Herman!’. Economia sobe, e com ela, deveria também subir nosso bom senso, assim como nosso senso de humor, nosso senso artístico, nossa cultura, nossa educação. Mas esses ainda são tratados e feitos ‘segundo plano’. ‘De novo Herman? Até quando?’. Eis também o meu anseio. Agora, cinegrafista morto também tem culpado pessoal. E o discurso se reproduz como vírus. ‘Foram os Black Blocs’. ‘De novo?’. É melhor que se acredite nisso. ‘Pra quem?’. Pro sistema. ‘Mas quem é o sistema Herman?’. Olha, já nem sei mais direito. Enquanto isso, a grande mídia usa dessas artimanhas, de jogo de acusações e culpabilidades para minar e desestabilizar o governo. ‘Mas se o governo for mesmo desestabilizado, de quem será a culpa? Da meia dúzia de Black Blocs, macarados e/ou anarcos que ocupam as ruas?’ Ou da vulnerabilidade do próprio governo e suas instituições oficiais frente a nossa realidade cultural?’. Conste que, a violência também é cultural - e também faz parte do espetáculo. A violência sustenta parte dessa estrutura: o sistema judiciário (e arcaico), o sistema policial (e arcaico), o sistema privado de segurança (não arcaico). Além, é claro, do jornalismo dito policial (que impera nos horários nobres de televisão), dando, literalmente, show de audiência: ‘Tcham-tcham-tcham-tcham! Bem vindos ao espetáculo!’. Neste jogo de cartas marcadas amigos, só os coringas é que podem virar o jogo (ou a mesa). O mais, geralmente acaba jogando, limitados as regras. Jogo sujo, muitas vezes. A Copa e o futebol que no ano de 1970 foram instrumentos ideológicos do regime militar na alienação da população, hoje é defendida e é atacada, pelos dois fios da mesma navalha. E ela corta. E o seu corte é profundo. Causa danos ou pode até matar. Frente a isso, não seria mais do que hora, de reivindicarmos firmemente uma reforma midiática? Ou mais que isso, uma mudança de valores e formas de se fazer mídia? A mídia também educa (e como!). Mídia, também é cultura. A saber, amigos: ‘Não sou contra a Copa!’. Mas também, não sou a favor. E qual é o problema nisso? Sei que muitos podem pensar e apontar de dedo: ‘É você Herman!’. Claro, neste jogo, sempre deve haver um culpado, alguém que carregue o fado cultural que o fracasso de um sistema antigo, velho, ultrapassado não consegue dar conta. Enfim. Encerro com um pensamento de um dos líderes de Estado mais cativantes do momento, que diz e sintetiza muito do que penso e compartilho em algumas das minhas crônicas (a exemplo dessa):

“Uma das desgraças da política é ter abandonado o campo da filosofia e ter se transformado em um receituário econômico”. (Pepe Mujica, presidente do Uruguai) 


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó, em Leituras do Cotidiano...


&

Violência e morte nas ruas...


Fatos violentos noticiados em massa pelos meios de comunicação (sob tudo pela televisão) marcaram a semana. Refiro-me ao ato violento de tortura feito por homens da dita ‘classe média ascendente’, reunidos num grupo denominado ‘Os justiceiros’, a um menor infrator no Rio de Janeiro, que depois de pego, foi covardemente torturado ou espancado e amarrado num poste. O outro fato foi a morte do cinegrafista da Band por um rojão nas manifestações contra o aumento da passagem de transporte público. Ambos, casos de violência nas ruas. Independente dos motivos, a violência não pode ser vista como algo meramente pessoal nem circunstancial. Ela tem história. No caso, se insere num contexto maior, ou seja, faz parte da nossa cultura e do ‘espetáculo’ midiático nosso de cada dia. Alimento de um sistema, onde prós e contras discursam ideologicamente, conscientemente ou não, participando desse ‘espetáculo’, dessa cultura. Tratemos de mudá-la. Como? Não sei bem, mas é preciso ressignificar ela, iniciando pela família e seus hábitos, pela escola e suas políticas, pela sociedade e seus valores. Os avanços na área econômica foram muitos nesses últimos anos, porém, insisto em dizer que, se não tratarmos a cultura como algo prioritário, estaremos fadados a mais violência. Não estou querendo aqui ser pessimista ou premonitor de um futuro que nem sequer existe, apenas penso que as coisas confluem e integram, e que, além da ordem, existe o caos. Atentemos para ele...


* também publicado no jornal Folha do Bairro... 

14/02/2014


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Entorno...


Sou a cópia imperfeita de mim mesmo. Nasci num tempo errado – ou errado no tempo - e nele continuo vivendo, errando. Cada passo que dou, cada palavra ou linha escrita que destilo, são falhas, sobras, riscos de mim mesmo – d’eu mesmo, e que transformo em expressão. Cheguei a um ponto em que tudo o que faço e movo tem a minha expressão ali registrada. Mesmo que às vezes nem pareça, pois, muitas vezes sou um outro em mim mesmo. Confuso? Sim. Mas não se preocupe, é confuso pra mim também. Em seu ‘Assim falou Zaratustra’, o filósofo alemão Nietzsche (se fala ‘Niti’) anotou: “O ego espera pela inspiração de se divertir com o ato de criar”.  E eis que eu me entrego à diversão. Dou luz a mais uma divagação. Uma crônica? Um filosofar? Ou simplesmente um delírio meu? Não sei. O que você acha? De minha parte, fico com a última possibilidade. Às vezes, de um bom delírio nasce um bom texto. Às vezes! Hoje, talvez não. Amanhã quem sabe. Quando eu serei outro, diferente do que já fui hoje. De uma forma ou de outra, continuarei sendo essa cópia, imperfeita, infiel, rasurada, suja, disforme, de mim mesmo. Minha expressão e minha impressão registrada nessas páginas que amarelarão em breve, jogadas num canto de uma barbearia qualquer ou de um bar onde seus frequentadores de final de tarde, entre um trago e outro, se encontram para falar da política local. Lerão esse texto e dirão: ‘Esse sujeito não dá pra entender direito!’. E os dias seguem como as palavras. Cópias imperfeitas de si mesmos... 


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 07/02



Leituras do Cotidiano - 07/02


Um ser possível...
















Andei comprando briga. ‘Que novidade eim Herman!’. Pois é. Como já me disseram: ‘Isso é que dá ser cronista’. Pior que nem é por isso. Quer dizer, é sim! Mas é a confusão que alguns fazem quando leem crônicas pensando no Herman e suas outras facetas. ‘Se você fosse uma carta de baralho seria um coringa!’, também já me disseram. Acontece que alguns estudantes ou pretendentes a filósofo, pensam que sou como eles. Ou seja, que tenho pretensão em ser filosofo só porque escrevo, publico e me arrisco a certos pensamentos por aí, além de, como (de)formação, ser um historiador que também dá aulas de filosofia (para piorar, também de linguagem, sociologia e Wing Chun, além de história, é claro! Ah, também já dei aulas de geografia). Mas sou professor de filosofia não por uma simples escolha. Um respeitável professor me disse: ‘Foi a filosofia quem lhe escolheu!’. Estudava filosofia muito antes de querer ou cursar história na universidade. O que me levou também estudar sociologia e linguagens. Acabei por me graduar em história com uma razoável base teórica, tanto na filosofia como na sociologia e antropologia (inclusive minha escolha de uma antropóloga na orientação da pesquisa se deu por isso). Além disso, sempre tive apego as linguagens, principalmente artísticas, influência do meu avô e meu pai, creio. Também sempre fui praticante, ou seja, rodei em viagens e militâncias políticas por aí. Acabei por me especializar em filosofia e sociologia na educação, o que me despenho em estudar bastante atualmente. Minha ligação com a literatura e as linguagens me fizeram, já faz um bom tempo, produzir textos (prosa e poesia), mas principalmente crônicas. Uma ‘modalidade’ que me permite transitar com certa autonomia em algumas ‘áreas do conhecimento’ (a filosofia é um exemplo). Sei que isso não agrada a alguns, mas minha função ou intenção não é mesmo agradar. Alguns questionam: ‘Como você pode não focar numa coisa só?!’. Não sei como, e nem se consigo. Se faço e acontece, talvez seja por uma necessidade e certa habilidade. Certo alguém já me falou: ‘Cara, admiro sua postura, seu trabalho, sua forma de pensar e interagir! Parece que você faz o que realmente gosta e do jeito que pode’. Isso me soou como uma questão interrogativa que me provoca até hoje. Já pensei em desistir de alguns dos meus afazeres, mas não consegui – ainda! - para a ira de alguns e a possível alegria de outros.  Lecionando história e linguagens, foi que me descobri também professor de filosofia (deus me livre se eu escrevesse aqui: ‘filósofo’! alguns quereriam minha morte!). Foi, primeiramente, os próprios alunos, depois a escola, que me indicaram ou chamaram para lecionar filosofia. Ou seja, não fui eu quem pediu. Isso vem de encontro ao que o professor Herval me disse, e que já citei acima: ‘a filosofia foi quem me escolheu e não o contrário’ – ou seja, aconteceu! Tanto que, na escola em que trabalho ainda hoje, abriu-se a cadeira de filosofia por minha causa - além do café na sala dos professores (risos). ‘Talvez essa seja a sua missão Herman! Mudar o meio a partir das suas escolhas!’ – foi o que me disseram doutra feita. Mas não, não sou missionário. E se escolhi, escolhi muito pouco ou quase nada. A maioria das coisas acontecem, reticência... Mas confesso, sou um apaixonado por quase tudo o que faço, e isso me ajuda a fazer. Se é bom ou ruim, se funciona ou não, deixo para os outros (sob tudo meus alunos e leitores) que o digam, e assim também se arrisquem, pois, arriscado também é dizer...


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó...



terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Economia, cultura e os acessos: uma problemática contemporânea!













(imagem do filme '1,99: Um supermercado que vende palavras' de Marcelo Masagão)


Vivemos um momento onde os acessos nunca estiveram tão garantidos, historicamente falando. Graças muito ao tratamento dado à economia pelos governos (de orientação de esquerda, vamos assim dizer) Lula/Dilma. Tanto que, o Brasil saiu de uma economia ‘instável’ e historicamente ‘subdesenvolvida’, para uma economia mais ‘estável’, figurando hoje entre as oito economias mais fortes do globo -  conste que no modo de produção capitalista, economicamente falando, nada é tão ‘estável’. Mas vamos deixar esse ‘detalhe’ de lado para avançarmos no tema. De fato, o acesso hoje é mais garantido que outrora. A nova ‘classe-média ascendente’ (fenômeno contemporâneo) está aí para comprovar tal tese. E não fui eu quem inventou isso. Atualmente, o poder de consumo do brasileiro anda bom. Ele frequenta shoppings, faz festas e come churrasco no final de semana. Ele financia, compra e paga seu carro zero. Ele repara ou constrói sua casa. Ele alimenta-se melhor e tem acesso a bens de consumo como nunca antes na história do país. E isso tudo faz parte desse ‘avanço econômico’ gerado por políticas de ‘inclusão’ e facilitações nos acessos. E isso é bom. Quer dizer, até certo ponto. No caso, pode ser bom. Mas, também, pode não ser. Confuso? Claro, como muito do que penso e escrevo. Mas vamos lá, tentar ao menos, entender isso (eu me incluo nessa tentativa – conste!).

De fato os acessos aos bens de consumo e necessidades básicas materiais e algumas até imateriais melhoraram nos últimos anos, e isso me parece inegável. Tirando uma quantia de opositores que tentam fazer a crítica como se tudo isso fosse meramente um ‘assistencialismo’ por parte do governo, grande parcela da população percebe, sente e vê essas melhorias acontecerem ao seu redor e consigo (agora, se isso é processado como sendo parte de um projeto governamental, já não tenho tanta certeza). A partir dessa ‘base’, dessa relativa estabilidade econômica por que passa o país, alguns ‘outros avanços’ se fazem necessários e urgentes. São os avanços na área ‘intelectual-cultural’. Não que todo mundo tenha que se tornar ou vá ser um douto letrado, não é isso. Avanços na área ‘intelectual-cultural’ condizem com acessos aos materiais culturais e artísticos disponíveis no país. Ou seja, também fazendo parte do consumo dado por esse avanço econômico. Hoje, muito se fala em ‘consumo de cultura’. Pessoalmente, não gosto muito desse modo de emprego do termo ‘consumo’ casado a ‘cultura’, mas, falarei desse jeito, acompanhando o discurso corrente. Depois de saneada a fome, adquirida a estrutura básica e alguns ‘luxos’ ofertados por essa sociedade do consumo e dos acessos, vem os ‘grandes vilões’ da história (sob tudo, da história contemporânea): os ‘valores’ e ‘hábitos’, os quais compõem, de grosso modo, a cultura.

A sociedade como conhecemos, basicamente é constituída de espaços e corpos que ocupam esses espaços. Esses corpos por sua vez carregam em si algo a que chamamos ‘mentalidades’. Essas mentalidades são constituídas a partir de certos conhecimentos dados pela razão, percepção, visão, leituras, sensibilidades, relações, interpretações, experiências. Resumindo: uma relação entre pensamento e prática. Quando falamos em corpo e sociedade, podemos nos referir a um ‘corpo social’, que compreende as pessoas com seus corpos e pensamentos, os corpos com seus espaços, os espaços com suas práticas, convívios e/ou relações. Tudo isso se relaciona diretamente com a cultura. Portanto, independente da forma, somos seres culturais. Divididos estão o modo de organização coletiva (sociedade) e a cultura, em, basicamente, duas estruturas. Uma delas chamaremos de ‘infraestrutura’, que compreende os aspectos físicos e materiais do corpo social, a outra de ‘superestrutura’ (ou ‘supra’), que compreende os aspectos mentais e intelectuais do corpo social – ambas compõem a sociedade e sua cultura (ou suas ‘manifestações culturais’). A partir dessa compreensão, vamos ao ponto central da nossa análise ou discussão.

A questão econômica está no âmbito da infraestrutura, no sentido existencialista da palavra, ou seja, a economia é algo material, enquanto a cultura, no seu sentido imaterial ou intelectual-mental, está no âmbito da superestrutura. Então, como já vimos, o Brasil avançou bastante na sua infraestrutura. Querendo ser otimista, penso que o país também avançou uma quantia (só que menor) na sua superestrutura. A questão central quando tratamos da superestrutura, são os valores e hábitos que eles inspiram – falando de uma maneira geral, a cultura. Pensando nisso, uma questão se apresenta: Se houve um aumento quanto aos acessos do brasileiro (a quase tudo), de qual acesso estamos falando? Precisamos identificar isso para que tudo não se torne qualquer coisa. Os acessos também se deram a nível cultural? Penso que sim. Mas de qual cultura falamos? Ligada a que hábitos e valores? O aumento do consumo dado pela condição econômica atual gera que tipo de consumo? Quais são os bens de consumo mais acessados nesses anos em questão?

Assim chegamos numa questão de postura ou posição, definidas a partir da linha de raciocínio anterior. É sabido que existe em cada pessoa uma gama de valores, os quais resultam em práticas ou hábitos, por exemplo, se mais brasileiros compraram sua televisão de tela plana, led, ou o que for, esses tiveram mais acesso as programações dos canais transmissores – além das condições econômicas para tal. Mas quais conteúdos predominam nesses canais, nessas programações? O que, por exemplo, uma telenovela projeta? Qual valor, qual hábito ela alimenta? Da mesma forma, se consumiu mais livros ou artes afins? Será que ter simplesmente o acesso faz com que a pessoa afine sua mentalidade, seu intelecto, seu gosto, seus valores e hábitos, sua cultura? Agora saímos da televisão e vamos para a escola (nem tanto, pois a TV também ‘educa’ – e como?). E as escolas, e as universidades, as igrejas, clubes sociais, a família, o que essas instituições consomem? O que essas instituições promovem? E o discurso político institucional-oficial, qual mentalidade ele estimula? A partir do que? O atual presidente uruguaio Pepe Mujica, com muita postura declarou que "...uma das desgraças da política é ter abandonado o campo da filosofia e ter se transformado em um receituário econômico…”. Complementado a isso, a socióloga Rita M. Coitinho diz: "Os receituários econômicos, ao apartar a vida social da economia, estão voltados exclusivamente para o equilíbrio da economia capitalista". - eu diria mais: 'a separação da vida social e cultural - da economia'.

Pensando a partir desse complexo, só me resta insistir numa mudança, com um avanço, só que, não meramente econômico, material, infraestrutural. Um ‘avanço’ cultural ou superestrutural. E como isso se daria? Não tenho certeza, porém, penso que com certas ‘reformas’ socioculturais e nas mídias (sob tudo as oficiais), já daríamos um bom passo. É preciso ir de encontro às necessidades e anseios da população, para além da questão econômica e política. As pessoas precisam também de arte e sensibilidade para dançar a vida para além da promessa de um futuro que nem sequer existe, de um sucesso individual e material que amesquinha e mata o fundamento da vida, para sorrirem, terem prazer e certo ‘refinamento’ na hora das ‘escolhas’, na hora do consumo. Já que consumimos como nunca, precisamos prezar por um consumo sustentável, que vá de encontro com as diversidades, que respeite a natureza, as crianças, os velhos, os diferentes. ‘Uma cultura, não de inclusão, mas de não exclusão’, pois enquanto pensamos na necessidade de incluir, temos um sintoma de ‘doença social e cultural’. Longe de idealismos, mas com um tanto de utopia, precisamos modificar essas relações. A sociedade, a cultura, os valores e hábitos, devem dar a garantia da ‘não exclusão’, pois se precisamos incluir, é porque nossa cultura algum dia já excluiu e continua fazendo. Além do mais, como provoca o pensador e poeta do caos Hakim Bey: ‘Incluir no que? Nisso?’ (referindo-se a sociedade do espetáculo e do consumismo).

“A alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o que resulta de sua própria atividade inconsciente) se expressa assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo” (Guy Debord - 'A sociedade do espetáculo')

Alguns pensadores e/ou teóricos da sociedade moderna e contemporânea, como Debord, Lipovetsky e o próprio Orwell (literato), falam em suas obras numa certa ‘sociedade do espetáculo’, num certo ‘império de efêmero’ e num certo ‘big brother’. Não só eles, mas o próprio Marx problematiza essas questões, assim como Bourdieu quando trata do habitus e da reprodução nos aparelhos ideológicos e de reprodução, assim como Nietzsche no seu ‘Crepúsculo dos Ídolos’, entre outros. São vários os pensadores e pesquisadores que falam de coisas diferentes frente ao mundo moderno, mas que se relacionam entre si, tendo o ‘modo de vida’, a ‘cultura’ e o meio ‘sociocultural’ como problemática. Relacionando todos eles (ou alguns deles), chegamos a um pensamento mais aberto e possível dessa perspectiva sociocultural, tema da nossa análise ou discussão.

Em suma, crescemos ou avançamos na economia. Precisamos agora (e acredito ainda não ser tarde), também avançar no fator cultural, em que concernem as mentalidades, o intelecto, o bom uso das linguagens, os hábitos e o modo de vida. E para avançar nisso, faz-se urgente uma resistência, uma desconstrução frente a certo modo de vida, a certa ‘lógica espetacular’ de mercado, consumo e status. Começando pela educação, pois é na nova geração que isso pode acontecer. Os produtos, ao contrário do que muitos pensam, trazem em si cargas de ideologia, status e afins. O espetáculo cotidiano promovido pelos meios de comunicação de massa e pela política ordinária oficial em seus discursos e arranjos somam na manutenção dessa cultura, desse modo de vida que, mais ou menos, todos conhecem, sentem, ou pelo menos vivem. A questão é assumir e encarar isso, ter postura frente ao mundo, a ordem social e a si mesmo. O que é bem difícil, eu sei, mas não impossível.

Para possibilitarmos-nos uma cultura mais ampla, recheada de diversidades e linguagens, as quais se comuniquem e que aprimorem a existência e a vida humanas, não precisaríamos pensar diferente? Para agir ou reagir diferente? Frente a essa problemática, a pergunta que grita: ‘Pra isso, o acesso, por si só, basta?’ Fica o problema. Penso que seja um bom começo.