Olhando para a história (como vivente e professor de humanas e sociais), me
parece que, em grossas linhas, a sociedade e/ou cultura humana sempre se
dividiu em dois modos de atuar na vida, que também se tornaram concepções. Enquanto alguns criam, trabalharam,
desenvolvem, caminham para simplesmente viver, de forma equilibrada e/ou livre,
tendo em vista a natureza e o outro, outros fazem praticamente o oposto. Vivem
para controlar, dominar, escravizar (e tem também os que somam nisso, reproduzindo estes valores). A partir de conversas com conhecidos e dos
vários exemplos de mazelas que acontecem pelo mundo, tendo em vista o tempo
atual, que é do predomínio da informação e das tecnologias, muitos seguem
reproduzindo uma mentalidade escravocrata, discriminatória, segregadora, seja
consciente ou inconscientemente. Já ouviram, dialogaram, discutiram, leram,
assistiram e até viveram fatos que teriam de tudo para mudarem suas concepções
e atitudes perante o mundo, a sociedade, a natureza, o outro, a vida. Porém,
isso não aconteceu. Seguem na mesma, o que me leva a crer que, a tão sonhada
consciência de classe pensada por Karl Marx, como algo a ser alcançado, nunca
vai acontecer, pois por falta de exemplos, fatos, diálogos, avisos, críticas,
discussões, conteúdos, que estas pessoas não mudam seu olhar, suas concepções,
visões e passos, não é. Então, infelizmente, a realidade nua e crua, penso que
seja esta. Ou seja, este dualismo entre pensamentos e atitudes, continuará. A
partir disso, penso que a contradição é o motor da história, e não a luta de
classes como preconizou também Marx. Meus amigos marxistas me desculpem, mas,
até então, ao longo da história, isso foi o que vigorou. Quem realmente vê ou
pensa classe? Quem realmente busca esta consciência, este estado de ser-estar? Nem
muitos ditos marxistas ou da esquerda fazem isso, quem dirá quem não é. O fato
é que existe uma estagnação na percepção, no olhar, na sensibilidade de muitas
pessoas que, envelhecem sem ter acesso ou possibilidade de acessar certos
conhecimentos, certas práticas que as façam avançar no pensamento, na visão ou
olhar, e assim, refinar suas ações existenciais e culturais. E é isso que
concreta parte da construção social que, por sua vez, poderia ser móvel.
E a esquerda brasileira,
onde está nisso tudo?
O que a esquerda não fez o suficiente durante seus anos de
governo foi investir mais em arte/cultura e educação, no sentido de ampliar
espaços livres para isso. Muitas pessoas com capacidade, com conteúdo,
habilidades, conhecimentos artísticos, conceituais, filosóficos, estiveram (e
estão) país adentro atuando, muitas vezes de forma independente (muitas sofrem
para terem uma vida minimamente digna). Pessoas que a esquerda em vários aspectos
negligenciou (viciada que é nossa política no jogo do poder e da narrativa). Ao
invés de chamar este povo, com projetos sólidos e investimentos coerentes e
dignos, preferiu ou teve que abraçar seus afins partidários, além dos que devia
favores políticos, mesmo estes não tendo condições para modificar a realidade a
partir de seus conhecimentos e práticas socioculturais. Assim, um grande número
de agentes culturais e sociais, com grande capacidade e conhecimento, manteve-se
(e mantém-se) produzindo para sobreviver, fazendo o que sempre fez, ou seja, movimentar
a sociedade a partir dos próprios esforços. Enquanto isso, o governo da
esquerda alimentava o status em torno do carro a motor individual, facilitou para
os bancos, deixou a grande mídia privada deitar e rolar. Viagens de avião e
consumos no shopping não trazem consciência de classe nem valores sociais ligados
a igualdade e diversidade sociocultural. Houveram sim, nestes anos, avanços nas
áreas social, cultural e econômica, sob o governo da esquerda, mais do que
todos os outros governos anteriores (e posteriores, até então), mas,
infelizmente, não o suficiente, sob tudo no âmbito cultural e educacional. Não,
pelo menos, para acompanhar o avanço econômico e de consumo. E aí é que foi o
grande problema. Pior é que alguns cabeças pensantes desta esquerda, continuam
a não olhar para isso. Por isso também do limite de ação e transformação social
da própria esquerda e seus projetos de governo.
Em suma, se um dia tivermos a tal consciência de classe, esta
consciência, sob tudo, passa pela educação e cultura. O fator econômico não
cria consciência de classe (como, equivocadamente alguns muitos marxistas
interpretaram – ou é a teoria que diz isso?), nem de si mesmo e sua relação com
o outro e o mundo. É a sensibilidade das artes, a educação de cunho filosófica
ou reflexiva e certas práticas de vida ligadas a natureza que criam isso. Simplicidade,
naturalidade e equilíbrio são os fatores que devem ser priorizados, não a
oportunidade ou incentivo para se atingir status social e econômico. São duas
formas claras de se viver e constituir um mundo, uma sociedade, uma cultura: a da
simplicidade e equilíbrio (que prioriza a diversidade) ou a da desigualdade e
dos excessos (que prioriza o domínio de um sobre o outro). A primeira, na sua
efetividade, essa sim, é uma sociedade sem classes. A segunda, bem, a segunda é
isso aí que todos estamos vendo/vivendo...