domingo, 29 de abril de 2012

dedico este poema aos idealistas...

Os bons tempos do matadouro

meu avô carneava boi como ninguém.

a banha, o cheiro forte do sangue coagulado
as vísceras e as entranhas espalhadas pelo chão do matadouro
os olhos mortos, parados
a disputa dos cães pelos restos
a buchada aos porcos, as moscas em volta
o coração aflito

eu era menino...

quem nunca esteve num matadouro
sabe pouco da vida
e da morte, menos ainda

a realidade é um naco de carne no osso duro da vida.


Herman G. Silvani



Fuga I:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

O eco do urro que vem de longe


Alguns vão embora simplesmente para fugirem da rotina. Outros para fugirem de seus fantasmas, de seus medos. Alguns também vão embora para fugirem dos outros. Outros ainda, vão embora para tentar se encontrarem, mas geralmente, não encontram nada além do que já eram antes. Há nisso uma categoria piorada, que é a dos que vão embora para fugirem de si mesmos. Fugir de si mesmo é tentar ser um outro que não se é. É querer sair da realidade desenhando uma outra mais idealizada. Alguns, com suas fugas - e/ou pretextos, vêem no ‘outro’ aquilo que na verdade são, mas não admitem, nunca (tem aqueles também que desejam muito ser ‘o outro’, mas suas capacidades e limites físicos, mentais-intelectuais não permitem). É um espelho doloroso ter que encarar a si próprio, quando não se aceita ou admite ser o que se é. Então, a maneira mais fácil (porém medíocre e covarde) é mesmo fugir, debandar, como se fosse abandonar, ir embora do lugar que até então ocupava, ir embora de si. E quantos por aí fazem isso! Só vão chegar onde sempre estiveram, só não aceitavam ou admitiam. Alguns acabam voltando, outros, nunca mais (amém!). Muitos voltam transformados, modificados, melhorados, mas nem todos. Tem aqueles que também voltam iguais ou piores do que foram. Alguns nem chegam ao destino, acabam sucumbindo pelo caminho. A fuga é comum na prática humana. Assim como é comum também, não se assumir, não se aceitar, não querer encarar ou saber lidar com suas pendengas, suas frustrações, suas dores, suas fraquezas e faltas. Ninguém é completo e/ou muito mais do que seus atos. O homem é limitado, geralmente aos seus atos, ao que pensa e pratica, ao que diz, fala e escreve – até ao que produz (quando produz!). Bons livros, boa música, boa arte, infelizmente se provou, não faz ‘toda a diferença’. É preciso mais que isso. O uso que se faz das coisas pode ser um uso-disfarce, como muletas que apóiam o andar, como máscaras que disfarçam o semblante decadente ou o riso dissimulado. E quantos riem-se por não poder chorar. E quantos choram por não saber do riso. Vítimas de si próprios se esbatem e rastejam pelos becos e largas avenidas de qualquer cidade, seja ela interiorana ou a capital mais populosa de um país. Pessoas, assim como o caráter, são o que são em qualquer lugar do mundo, o que muda é a paisagem (mas não confundam isso com determinismo). O determinismo nem sempre vigora, aliás, são os deterministas que dizem que tudo é o que é e que a história não caminha. Desprestigiam a história por se considerarem acima dela – por isso, e bem nisso, deixam de viver o momento (no presente é que a história acontece, o mais é escrita, retomada e memória), que é bem o oposto do ideal. Não sabem, ou por algum motivo ignoram o fato de que existem vertentes históricas. Vivem fiéis e presos ao tempo cíclico da história, talvez, por acreditarem ou só conhecerem esta forma de se pensar, perceber e conceber o tempo. Mas o tempo é caótico e não cíclico nem linear. O tempo é espiral e caminha em sentidos variados e disformes. Os arautos da reclamação e justificação, da negação de determinados fatos, aqueles que se amarram em discursos ‘filosóficos’ e reproduzem mais do que criam (talvez por não conhecerem outras possibilidades – e certamente por não terem vocação para criar), detratam tanto a riqueza material de alguns poucos privilegiados, que se mostram os mais atormentados por ela. Detratam tanto a política que acabam não percebendo que são eles os  seres mais mediocremente políticos que existem (além de analfabetos políticos – leia-se Brecht). Qual é a diferença de um medíocre pré-conceituoso (que odeia gordos, sendo ele próprio um – tamanha falta de se auto-perceber – numa posição miserável de miopia controvérsia), com um mero e passivo espectador da política (institucionalizada ou não) que o fode diariamente e que se orgulha em dizer ser um ser apolítico?  


“O livro é um espelho: se um asno o contempla, não se pode esperar que reflita um apóstolo”. (C. G. Lichtenberg)

O fato é que ‘algumas pessoas’ precisam se resolver melhor, depois, talvez (mas não tão provável), elas possam sair das suas tocas com suas cabeças erguidas, se auto-reconhecendo e se aceitando, se assumindo – abandonar, além das convicções e idealismos, as muletas. Até lá, o ‘individualismo de cunho pequeno-burguês-capitalista’ – que, diga-se de passagem, ainda predomina culturalmente, seja na reprodução dos valores ético-morais ou nas práticas sociais e individuais (e porque eu devo me cuidar com esses ‘termos ultrapassados’? - pormenores tornados importância e alvos por aqueles que vivem da mesquinharia particularista de dado contexto – respondo: porque, incrivelmente, muitas pessoas ainda ultrajam essa indumentária – que coisa!), vai estar vigorando no menu dos dias. Outra síndrome que afeta ‘aquele(s)’ que se acha(m) ‘superior(es)’ como seres de valor apurado (quando não passam de criaturas rastejantes, obedientes e imóveis frente a ordens sócio-culturais que os tornam mais produtos desse meio do que qualquer outro ou outra coisa), vai corroendo por dentro esses sujeitos, derretendo gordura (mas nunca o suficiente), apertando os pulmões e atrofiando o cérebro (pobres criaturas que sonham e ainda reproduzem Platão com toda a convicção mediana que os trai tolamente a cada tentativa frustrada de um novo vômito - o vômito é interno, sempre foi).


Enfim, já me estendi demais. Se não gostasse tanto das palavras, certamente não o faria, mas... Agora vou prosseguir minha noite de domingo com a última taça de vinho que já divaga incerta na minha frente, junto a minha companheira e suas ‘curvas’ - e bem menos gordura do que isso, eu é que diga! (infelizes daqueles que não tem nem brisa de idéia do que seja isso, pobres criaturas!) uma estrada perigosa – e como eu gosto de me arriscar (nessas curvas) para além da segurança do mundo medíocre das quatro paredes em que tantos fazem seu calabouço.


...e os cães? Ah! Os cães justificam um velho chavão que eu adapto agora e que fica assim dito: “Quanto mais eu conheço ‘alguns’ homens (?), mais estimo meus cachorros”.

E os urros se ouvem cada vez mais fragilizados, no fundo de algum poço de uma província (que é um pensamento) por aí... 


yá!



terça-feira, 10 de abril de 2012

A festa dos prós & dos contras

* imagem by Eric Drooker

“Ei Herman, você que é cronista, é contra ou a favor ao aborto?” Não sei. Ou, nenhuma das opções. Posso não ter opinião sobre isso, não posso? Ou isso também é um crime? Nem tudo o que tenho são convicções, opiniões, posições. Certezas, poucas! Só porque escrevo e leio diariamente, isso não significa que eu seja um campo fértil de opiniões. Conhecimentos, até tenho alguns, mas nem todos são confiáveis. Talvez nem eu seja tão confiável. Você é? Quando um assunto polêmico como o aborto se torna bandeira, seja ele de grupos liberais moderninhos e feministas, seja ele de instituições e igrejas conservadoras e/ou retrógradas, ou mesmo um mero motivo de polêmica para se ter assunto, tudo isso se torna um grande ‘espetáculo’. A natureza não tem leis (“apenas hábitos”), e todas as leis não são naturais. Natural é copular, gerar vida, sentir e trocar prazer e experiências. Nisso, o aborto interrompe uma caminhada natural. Agora, proibir o aborto, através de lei ou por uma moralidade ou moralismo qualquer, também não tem nada de natural. Nos dois casos, a natureza não prevalece. A questão deve ser outra. Cada caso é um caso específico, particular. Cada caso tem um contexto próprio, único, e dentro disso, nunca se sabe. Daí vem a minha falta de opinião. A polêmica do aborto está nas páginas do livro do Espetáculo. Portanto, prós & contras remam juntos no mesmo bote. Um bote em alto mar com um furo bem no meio, prestes a afundar. Algo ou alguém sempre se dá bem com isso. Mas algo tão particular assim, como o aborto, não pode ser bandeira de luta alguma. Crime, pecado ou não, é conforme a crença e a consciência e os valores de cada um. Uma situação não se compara a outra. Portanto, tenhamos cuidado com os ataques e com as defesas. Estamos armados e com as armas apontadas para o próprio nariz, num baile de máscaras, partidário, inconsciente (ou com a consciência do interesse, da hipocrisia e/ou do sensacionalismo), com a luz apagada e dançando embriagados, onde uma opinião é apenas uma forma de se sentir incluso numa festa onde não fomos convidados.



quarta-feira, 4 de abril de 2012

E por falar em 'espetáculo(s)'...

Amigos!

A problemática em questão, não é se 'tudo se torna espetáculo na mídia ou não', a questão é a forma em que se dá a 'divisão' desses espaços. Existe nisso, nessa 'divisão' (ou na falta dela), sobre o pretexto do discurso democrático, de livre manifestação, uma espécie de 'ditadura' midiática, publicitária e espetacular acima desses espaços, sendo que, todos os espaços de mídia, para serem 'legais', tem a concessão do Estado, no intuíto (ou discurso) de que 'arte, cultura e informação', são bens e direitos de TODOS os cidadãos por igual. E o que estou fazendo com essas 'manifestações' crônicas e/ou críticas escritas aqui, disso que considero 'modas' e/ou 'espetáculos' midiáticos promovidos pela indústria cultural e sua publicidade a serviço de corporações privadas de poder econômico, é simplesmente questionar e me posicionar frente a isso. Então aos meus discordantes mais 'indignados' ou 'apaixonados', lhes pergunto (e nem precisam responder): Onde estão as apresentações, os espaços das variadas manifestações artísticas, políticas, filosóficas e culturais na programação da TV aberta, no rádio, nas revistas e jornais escritos? Onde está a poesia, o teatro, a música autoral e independente, os embates filosóficos-ideológicos e políticos conceituais e teóricos (além do mero discurso do convencimento) nesses espaços ditos 'democráticos' e/ou abertos? Porque, já que a questão é essa, o MMA/UFC está diariamente sendo bombardeado nas mídias oficiais enquanto a Capoeira ou o Kung-Fu, por exemplo, nem se cogita e até, às vezes, acaba virando 'mitologia' no pensamento coletivo? Vemos por acaso um trecho que seja do show The Wall de Roger Waters na televisão aberta? Agora mesmo está passando Michel Teló e algum ídolo do dito sertanejo universitário. Se ligar o rádio, também ouvierei seus afins tocando massivamente. Se voltar a ligar a TV, lá estará o MMA, o BBB, os eleitos do 'espetáculo' que se promove 'popular', e assim por diante. Onde estão as sinfonias, a moda de viola caipira, os espetáculos teatrais, as rodas de capoeira, o skate, o cinema-arte, etc... etc... etc... E não venham me dizer que faltam opções atrativas ou tipos e variedades de manifestações sócio-culturais por aí para ocupar os espaços da grande mídia. Então, porque 'nós', de bocas abertas e tão contidos, aceitamos tudo isso, assim, tão facilmente? No mínimo, somos cúmplices desse 'espetáculo' ditatório. Ou nos convenceram com o discurso, de que tudo isso é 'natural' e faz parte de uma suposta 'normalidade', ou somos covardes e/ou bestas demais para termos a ousadia de dizer: NÃO! - ou no mínimo: 'não é bem assim!'. Enfim, a questão vai muito além da idéia simplista do ataque pelo ataque, da provocação pela provocação, da crítica pela crítica. Estamos em 'guerra' cotidiana, e os espaços que não deveriam ter 'donos' e ser caminhos, alternativas para uma expansão humana e/ou das suas manifestações (leia-se linguagens e comunicação), são como territórios onde se estabelecem relações de poder. Da minha parte e de muitos outros que como eu tem essa análise sócio-histórica da realidade, tento não cair em discursos massificadores, formadores de opinião e luto para a 'desterritorialização' desses espaços 'presos' e/ou 'confinados, policiados, vigiados', usando das armas que disponho: 'a palavra, algumas linguagens, a criação e a contestação'. Portando 'amigos', espero que, pelo menos tentem compreender, e não caiam na reprodução vulgarizada e medíocre daquilo que se acomoda como 'naturalidade', tão presente no discurso midiático de poderes 'obscuros' que estão por trás dessas 'verdades' incontestáveis. Me posiciono dessa forma porque sei que 'não ter posição, também é uma tomada de posição'. Enfim. Como diria o poeta: "A única coisa que justifica construir uma parede, é derrubá-la algum dia."

Abraços & saúde!


























O CAOS NUNCA MORREU!


hgs.



segunda-feira, 2 de abril de 2012

Entre as massas! (massa de manobra; massa corporal; massa encefálica)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O culto ao corpo e ao automóvel: maquinarias que se assemelham no fundamentalismo do eu


Herança grega, o culto ao corpo como padrão estético e saúde física tem seu ‘descanso’ durante a Idade Média, e com o Renascimento nos vem até os dias atuais. A propaganda televisiva é prova disso, onde modelos que exibem o que seriam corpos perfeitos são diretamente relacionados a um conceito de saúde física e beleza estética (ligados ao apelo comercial), somados a uma ‘aparente’ e convincente alegria. Nessa relação publicitária do discurso em forma de imagem com a ideologia da indústria cultural, e que visa um público consumidor ‘X’, o pensamento, o caráter, o conhecimento, são elementos que ficam de lado, tornando-se esses elementos, insignificantes. No capitalismo contemporâneo, se vende de tudo e de qualquer forma. Mas ao produto (bem de consumo), sempre estão vinculadas determinadas idéias, crenças, ideologias. Nesse processo, o corpo tem relação com o automóvel. Não me canso de ver homens saídos de academias, malhados, com seus músculos em exibição, usando essa máquina (leia-se corpo) para representar aquilo que realmente não se é. "A maioria dos homens vive uma existência de tranquilo desespero." (Henry Thoreau).  O homem, independente do que ele representa e como se mostra, no fundo é outra coisa. Nisso, o corpo não passa de uma casa – e cá entre nós, muitas vezes vazia. Ou seja, neste caso, muita massa corporal e pouca encefálica. Assim também é utilizado por parte considerável da população o automóvel. Muitas vezes, ter um carrão, o que deveria ser apenas um meio de transporte, passa a ser status social e representação daquilo que não se é. Neste sentido, tanto o corpo ‘bombado’ quanto o automóvel ‘tunado’, passam a ser um prolongamento da ‘pouca’ potência masculina. Na falta dessa potência, o homem de ego inflado e que busca status social, faz do seu corpo e/ou seu automóvel, uma espécie de órgão genital. Expondo sua força física, seja na rua ou em algum ringue, como que quando acelera seu automóvel saindo em disparada, cantando pneu, fazendo pegas na rua, o ‘macho’ (ou pretendente a isso), dá mostras da sua fragilidade. A potência do seu golpe, despenhado com ira e violência, pelo excesso de treinamento, onde a força e o condicionamento físico são seus motes, em busca unicamente da vitória e de uma suposta ‘superação de si próprio’ através dessa condição (o que é diferente da energia canalizada desferida num golpe por uma arte marcial como o Kung-Fu ou Jeet Kune do, por exemplo), assim como a potência do motor do carrão dado a violência da aceleração e/ou excesso de velocidade pelo condutor, ambos são despachos de alguma frustração cotidiana, de alguma ira incontida. A diferença é que no ringue, pelo menos, os adversários deferem seus golpes agredindo a si próprios. Até aí, tudo bem. Mas na rua, no trânsito, na televisão, na internet, isso se torna ‘espetáculo’, e este por sua vez, reprodução que vai acabar em violência, imposição, consumo e cultura. Uma cultura efêmera, como é a do culto ao automóvel e do culto ao corpo e seu uso violento enquanto status de poder e potência. Eu mesmo já presenciei, por inúmeras vezes (e quem não presenciou?), jovens ‘bombadinhos’ faltando com respeito ao ‘outro’ (principalmente às mulheres, devido ao machismo impregnado nessa cultura) na rua, em festas e bares, esbarrando no ‘outro’ por se auto-considerar mais ‘másculo’, provocando brigas e confusões ‘gratuitas’, ou usando o automóvel de forma irresponsável no trânsito, com impaciência e truculência quando deveriam praticar a gentileza e a boa convivência entre os seus. Pois é meus caros, isso é mesmo muito comum no dia a dia, basta que queiramos perceber. Isso tudo está diretamente vinculado a uma espécie de ‘fundamentalismo do eu’, ou seja, uma supervalorização do próprio ego, do individualismo, egoísmo, ganância e principalmente, cobrança e despacho das frustrações cotidianas. A impotência assim, faz com que o homem que se auto-proclame ‘senhor de si próprio’, quando na verdade não passa de um dependente - senão covarde, aquele que impõe aos demais a sua condição de ‘superioridade’, escondendo assim, suas fragilidades e seu medo de se assumir e aceitar a realidade que o cerca. Assim, não se opta pelo estudo, pela busca do conhecimento. Trocam-se as buscas, as experimentações, a superação das fraquezas e mediocridades interiores pelo ‘espetáculo’ físico que o corpo e seu uso passam a ser, assim como o ‘espetáculo’ material que o automóvel passa a proporcionar. Tudo isso se resume em uma demonstração miserável de potência – e/ou a falta dela.



O amor ao ego e a violência enquanto espetáculo midiático e cotidiano


Algumas críticas e considerações ponderáveis recaem sobre a elevação do ego, do individualismo do homem e suas ações na sociedade contemporânea. A mesma violência que é combatida em discursos políticos, ideológicos e religiosos, é um grande produto da indústria cultural, vendida em vários espaços oficializados mundo afora. A violência se vende como um artigo qualquer numa ponta de estoque. Porém, ela é velada e transformada em ‘espetáculo’ (sob tudo midiático, neste caso específico). Além disso, a competitividade que visa unicamente a vitória (apesar de certo discurso que diz: ‘o importante é competir’), a sobreposição de um sobre o outro, também é um elemento significativo para a fundamentação crítica de caráter sociológico. Tudo isso seria muito ‘normal’ num sistema que se diz democrático, mas, a coisa não é bem assim. O que temos são discursos. A prática, às vezes, se mostra outra, quando se chega ao âmago da questão. A ferida aberta, porém camuflada no interior do discurso arde quando é tocada, devido a falta de conhecimento de causa para tratar tal chaga. Mas, convenhamos, estou querendo demais. De uma realidade que privilegia ‘esportes’ competitivos que resultam em status social e poder, que privilegia a massa corporal ao invés da massa pensante nesses ‘esportes’, eu não poderia esperar outra coisa. Reforçar o ego, e/ou a suposta superioridade de um sobre o outro, são práticas comuns nesse tipo de sociedade. Numa espécie exagerada de ‘amor próprio’ e vontade de superioridade, o culto ao próprio corpo torna-se uma cultura onde a violência passa a ser a sua linguagem, e tudo isso compõe o ‘espetáculo’ de mediocridades, impulsionado e imprimido na ‘cultura’ popular pela grande mídia e sua indústria cultural.  

 

“Mas, ao mesmo tempo, a mecanização adquiriu tanto poder sobre o homem em seu tempo de lazer e sobre sua felicidade, determinado integralmente pela fabricação dos produtos de divertimento, que ele apenas pode captar as cópias e as reproduções do próprio processo de trabalho. O pretenso conteúdo é só uma pálida fachada; aquilo que se imprime é a sucessão automática de operações reguladas. (...) O espectador não deve trabalhar com a própria cabeça; o produto prescreve qualquer reação; (...) Toda conexão lógica que exija alento intelectual é escrupulosamente evitada.” (Teixeira Coelho – ‘O que é indústria cultural’).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A sociedade do espetáculo: entre o Big Brother e o MMA/UFC


Mal termina o BBB e um novo Reality Show começa na obesa programação da Rede Globo. Trata-se de um Big Brother 100% masculino. Quer dizer, pelo menos na fachada. A Indústria Cultural brasileira dá mais mostras do que é capaz. Agora, o ‘espetáculo’ fica por conta de um novo modismo em rede nacional, aquilo que um dia se chamou ‘Vale Tudo’, e por motivos ‘obscuros’ teve o nome adulterado para MMA (Artes Marciais Mistas), e/ou UFC (como desejarem). Lutadores de academia dão mostras semi-teatrais das suas ‘artes’ num ringue transmitido ao vivo. Entre músculos, tatuagens, suor, socos, ponta-pés, meia-noves, e alguma racionalidade, os ‘bombados’ são os atores principais desse horror show televisivo (eu pelo menos, acho horrendo ver aquele desfile de músculos e porrada pra tudo quanto é lado - mas cada um com suas escolhas, não é? A minha é essa, e acho que posso, não posso? Ainda mais quando invadem, a todo momento, meus espaços com tamanha poluição. Que chatice isso! Mas, alguns acham que não tenho o ‘direito’ de me manifestar a respeito – ‘são tão democráticos!’).  Estive, por acaso, presenciando um torneio amador desse ‘esporte’, quando fui a determinado lugar beber uma cervejinha e comer algo, e lá estava o ‘espetáculo’ armado. Fiquei algum tempo e pude presenciar e perceber alguns lances. No dia seguinte, ligo o computador, acesso a net e lá está: propagandas e mais propagandas de MMA nas páginas principais da internet. Acesso o facebook e novamente lá estão elas. Ligo a TV e, adivinhem?! Que saco! Não bastasse o futebol que nos socam güela abaixo, agora mais isso? E eu tenho que aceitar isso tudo passivamente como um número do rebanho? Não, não dá pra mim. Então, devido ao excesso de imagens e discursos que tomavam os maiores espaços no facebook, inventei de comentar o que pude ver naquele dito torneio, como mero expectador, porém, com certo conhecimento, já que fui praticante de artes marciais por alguns anos (leia-se Wing Chun Kung-Fu e Tai-Chi), por quê? Além dos xingamentos, acabei recebendo ‘convites’, provocações, intimações, intimidações e até ensaios de ameaça de alguns ‘esportistas’ lutadores da dita ‘arte marcial’: “Seja homem e suba no ringue que te mostro!” foi uma delas. ‘Não, muito obrigado! Você não faz meu tipo. Não gosto de ser agarrado por músculos nem me banhar em suor masculino, muito menos dar e levar porrada nas escuras. Meu chão é outro. Prefiro a cama e as mulheres’. Mas se a escolha alheia é essa, tudo bem, até entendo, só não venham me meter no meio disso. E se ‘alguns’ (vejam bem, não estou generalizando) precisam provar sua masculinidade e virilidade com porrada e tentativas de intimidações por não suportarem a opinião crítica alheia, é porque isso, no fundo, lhes faz falta. Não aceito esse tipo de provocação. Teve até um ‘professor-instrutor’ que insinuou que poderia me ‘arrebentar’. Pelo que pude perceber no discurso escrito, pela falta de conhecimento e bom senso do sujeito, se me desse um ano apenas de trabalho pago para que eu pudesse me sustentar, treinando no máximo 3 dias da semana, não seria muito difícil (se aceitasse a provocação), em no máximo 10 minutos dar uma resposta prática ao sujeito. Mas não, estou um pouco velho e gasto pra isso, além do pouco interesse. Nunca gostei dessa forma de resolver as coisas, prefiro o diálogo, o debate, a argumentação. Minhas armas são outras. Além do corpo, tenho a mente, a música e a palavra. Aprendi, nos tempos em que praticava artes marciais, que o sábio e bom lutador, em primeiro lugar, não deve, jamais, subestimar o ‘outro’ – e o que fez esse ‘professor’ e alguns ‘lutadores’, foram subestimar o conhecimento alheio, tanto intelectual quanto prático. Mas, isso não me é surpresa, o ser humano, em sua grande maioria, tem a mania de fazer isso. Outro ensinamento é não aceitar provocações, ainda mais quando estas são levianas, e não cair em disputas de ira visando alguma vitória. A arte marcial, depois que saiu do âmbito do preparo único e exclusivo para a guerra (como era originalmente), com a contribuição de Kung-Fu Tsu (também conhecido por Confúcio, o sábio chinês), tornou-se também um modo de vida, de ver o mundo, de prática cotidiana, onde o ‘controle’ de si mesmo e/ou ‘auto-equilíbrio’, passou a ser um elemento fundamental na característica do que se chama ‘arte marcial’. Bem diferente do que vi e do que ouvi daqueles que me intimaram para o ringue. E segundo suas iras, eu é que sou o ignorante, eu é que preciso estudar e aprender mais sobre o assunto. Mas enfim. Os tempos são outros. Tanto é que se confunde arte marcial (o que foi e o que hoje é) com esporte competitivo e com ‘briga de rua’, seja ela fora ou em cima de um ringue. É claro que ‘alguns’ lutadores são mais do que músculos e tatuagens, mas, pelo jeito, se eu não estiver equivocado, devido ao que vejo por aí, uma minoria, até que me provem contrário.


‎"A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece nisto, os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que lhos apresenta". (Guy Debord – ‘A Sociedade do Espetáculo’).

 

*  Nisso tudo, sugiro aos ‘professores’ ou instrutores, que preparem seus alunos além do uso da força física, para o uso da força mental, intelectual, pois pelas respostas que recebi, estão precisando – e muito. A arte marcial vai muito além da luta, prepara seres humanos - pratica também o pensamento, o bom senso e a inteligência além do quesito físico. O mais, é modismo e ‘espetáculo’.


hgs.