quarta-feira, 10 de março de 2021

A banalidade do mal: vida, morte e educação

Em 1960, Adolf Eichmann foi capturado na cidade de Buenos Aires pelo Mossad (Instituto para Inteligência e Operações Especiais de Israel) e levado até Jerusalém, para o que deveria ser o mais midiático julgamento de um nazista desde o tribunal de Nuremberg. Segundo a filósofa Hannah Arendt, durante o processo, em vez do monstro sanguinário, que todos esperavam ver, surge um funcionário, um burocrata. A partir deste fato, Arendt escreve sobre o que chamou de ‘a banalidade do mal’. Mesclando jornalismo político e reflexão filosófica, Arendt investiga a capacidade do Estado de igualar o exercício da violência homicida ao mero cumprimento da atividade burocrática: “Como condenar um funcionário público, honesto e obediente, cumpridor de metas, que não fizera mais do que agir conforme a ordem legal vigente?”. A partir dessa questão, a filósofa, explora as implicações do julgamento de Adolf Eichmann.

Apontado como um monstruoso carrasco nazista, responsável pelo planejamento e operacionalização da chamada "solução final", a figura de Eichmann se apresenta, diante de Arendt como um funcionário pronto a obedecer a qualquer voz imperativa, incapaz de refletir sobre seus atos ou de fugir aos clichês burocráticos. É nesse ponto que Arendt se depara com a confluência entre a capacidade destrutiva e a burocratização da vida pública.

 

Uma relação com o tempo presente 

* Brasil, Estado de Santa Catarina, 02 de dezembro de 2020. Deputados da bancada governista obedecendo a pauta empresarial/governamental, reúnem-se às pressas em sessão e aprovam a educação como serviço essencial: “...o projeto de lei que define quais são as atividades que devem ser consideradas essenciais em Santa Catarina – ‘ou seja, que não podem ser interrompidas ou suspensas mesmo que o estado esteja passando por um período de calamidade pública, como o da pandemia de Covid 19’. As aulas presenciais foram incluídas.” (http://agenciaal.alesc.sc.gov.br)

* Brasil, Estado de Santa Catarina, 09 março de 2021. “O secretário de Estado da Educação, Luiz Fernando Vampiro, reuniu-se na tarde desta terça-feira, 9, com os promotores de Justiça João Luiz de Carvalho Botega e Marcelo Brito de Araújo. O encontro, realizado na sede da Secretaria de Estado da Educação (SED), teve como objetivo apresentar o panorama geral das escolas estaduais e avaliar a situação das aulas presenciais.” “(...) os seis falecimentos de professores efetivos registrados desde o início do ano letivo, os quais a SED lamenta profundamente”. “O Ministério Público tem exigido e reforçado que, em caso de restrições, as escolas devem ser as últimas a fechar e as primeiras a abrir”. (https://www.sed.sc.gov.br)

Em suma, a Secretaria de Educação (SED) e o Ministério Público (MP) do Estado de Santa Catarina definem a continuidade das aulas presenciais a partir do decreto do governo do Estado de Santa Catarina, onde consta que educação é serviço essencial,  mesmo num contexto de calamidade pública.

Incoerências e inconsequências

Ao longo do ano de 2020, o governo de Santa Catarina investiu (ou gastou?) ‘valores na casa dos milhões’ na formação de professores e aquisição de ferramentas ou instrumentos para possibilitar aulas remotas (online/à distância). Contraditoriamente,  no momento mais grave da pandemia, onde o Brasil amarga em torno de 2000 mortes diárias por Covid e o ambiente escolar se prova de risco, a SED e governo de Santa Catarina pressionam gestoras/diretores e professores para que retornem com as aulas presenciais. Para manterem seus cargos e empregos, burocratas e profissionais da educação, por interesse particular, político-ideológico ou por necessidade, submetem-se aos trâmites do governo estadual e municipal, os quais apoiam declaradamente e obedecem as ações do governo federal.     

Os fins justificam os meios? (Maquiavel)

“Questão ética: um jovem prisioneiro de 16 anos num campo de concentração nazista foi estuprado por um guarda. Sabendo que qualquer prisioneiro que aparecesse sem um casquete na contagem da manhã seria imediatamente morto, o guarda roubou o de sua vítima. Morta a vítima, o estupro não poderia ser descoberto. O prisioneiro sabia que sua única chance de vida era encontrar um casquete. Então roubou o de outro prisioneiro, que dormia, e viveu para contar a história. O outro foi morto. (...) O que a moralidade diz que o jovem prisioneiro deveria ter feito? Ela diz que a vida humana não tem preço. Muito bem. Deveria ele então ter consentido em perder sua vida? Ou o fato da vida ser inestimável significa que ele estava justificado a fazer qualquer coisa para salvar a sua? Presume-se que a moralidade seja universal e categórica, ‘mas colocada em cheque sepulta princípios, valores (religiosos principalmente)’. Mas a lição da história de Roman Frister é que ela é uma conveniência a ser invocada em tempos normais.” (GRAY, John. Cachorros de Palha: Reflexões sobre humanos e outros animais – Os vícios da moralidade, p. 105 e 106 – com interferência minha)

“A educação só tem sentido quando prioriza a Vida” (H.G.S.)

"A grande virtude do Céu e da Terra chama-se Vida" (I Ching, o livro das Mutações)


sexta-feira, 20 de novembro de 2020

A carne mais barata do mercado

“A carne mais barata do mercado é a carne negra”. Assim canta a mestra Elza Soares em dois dos seus magníficos discos. Música de composta e também gravada por Marcelo Yuka, Seu Jorge e Ulisses Cappelletti.

Na véspera do ‘Dia da Consciência Negra’, no Brasil mais um negro é morto de forma covarde (entre tantos outros que sofrem discriminação e violências neste país - e pelo mundo). O fato ocorreu no Carrefour de Porto Alegre, capital gaúcha. Dois seguranças, entre eles, um era policial militar, espancaram o homem de 40 anos até a morte. As informações que circulam é que o homem morreu sufocado. Teve o joelho de um dos seguranças no pescoço e provavelmente foi estrangulado (com um ‘mata-leão’, suponho). Independente do golpe ou técnica que levou o homem à morte, e das motivações para tamanha agressividade, foi assassinato. O contexto envolve dois homens ‘brancos’ (ou não negros) seguranças da empresa contratada pelo supermercado. Não é a primeira vez que crimes violentos acontecem dentro do Carrefour. Nesta mesma rede de supermercados já foi morto também covardemente um cachorro por um segurança, um vendedor que sofreu infarto e morreu, e que teve seu corpo escondido por guarda-chuvas para que o as vendas continuassem, e agora este homem negro é assassinado de forma brutal. Estes fatos revelam que esta empresa tem um histórico de violências, e que respeito pela vida, ética e moral não são o prioridades em sua ‘filosofia’. Não importa o motivo dos seguranças, eles foram muito além de suas funções (ao menos que a função de seguranças seja matar. Creio que não).

Insegurança

Em meados dos anos 90, depois de eu ter tido uma pausa com as práticas de Kung Fu, montei minha primeira banda de rock e por isso passei a frequentar eventos, boates, casas de shows e bares aqui na cidade de Chapecó. Eu ainda era menor de idade. E não foram uma nem duas, foram inúmeras vezes que tive que me defender da agressividade de seguranças e policiais. Por sorte, mediação de terceiros ou por certa habilidade e mentalidade auto-defensiva, nunca sofri maiores lesões físicas, mas sim muitas violências psicológicas, como ofensas e ameaças, com as quais tive e consegui lidar. Presenciei várias violências sobre outras pessoas por parte destes seres ‘autorizados’ (e preparados) institucionalmente para oprimir, reprimir e violentar. Manter a ordem muitas vezes foi o pretexto. Sei da necessidade de certa ‘ordem’ em espaços coletivos, porém, tudo tem limite. Mas, a questão é: o que aprendem e no que se habilitam estes seguranças e policiais? Seja nas empresas que os preparam ou nos quartéis? E porque policiais militares podem fazer ‘bico’ de seguranças por aí? Ou não podem? Qual é o motivo que leva à esta prática bastante comum? Como são trabalhadas as questões humanas e psicológicas nas ‘formações’ dos agentes de segurança? (se é que este trabalho existe). Trabalhos fundamentais, já que se trata do lidar com seres humanos ou entre seres humanos. Não sabem ainda que um golpe ou técnica como o ‘mata-leão’, por exemplo (muito comum por aí), pode matar uma pessoa em segundos? Que para o uso ‘equilibrado’ da força é preciso ter um bom conhecimento técnico e equilíbrio mental? Que para sacar uma arma se deve ter uma grande responsabilidade e também equilíbrio mental? E que antes de tudo isso, se deve estar preparado para o diálogo, para a aplicação de técnicas psicológicas que acalmem o outro e estabilizem a situação, e quando isso não for possível, outras inteligências estratégicas devem ser utilizadas, sendo que o uso da força é o último recurso, e ainda assim, limitado e controlado tecnicamente? Ou seja, um segurança, um policial ou qualquer outro agente que lide com outras pessoas precisa estar preparado ‘humanamente’ e psicologicamente para isso, além do conhecimento e das habilidades técnicas fundamentais. Caso contrário, como diz a linguagem popular, ‘dá merda!’

E o racismo?

Aliado a isso, existe, infelizmente, o fator ‘racial’. Ou seja, o racismo que é estrutural no nosso país, sendo que as maiores vítimas destas violências já citadas, são os afrodescendentes, negros ou pretos. No Brasil é senso comum dizer que é a corrupção nosso maior problema. Mas não, não é. É só mais um entre tantos. Mais que a corrupção, nosso problema é sociocultural, e ele está diretamente ligado a mentalidade de parte da população, incluindo nisso, agentes de segurança. Ou seja, é a ‘mentalidade escravocrata’ que faz com que pobres e negros sejam os mais afetados pelas violências cotidianas, sobre tudo, violências institucionalizadas, provindas de ‘autoridades’ ou indivíduos ‘uniformizados’ ou ‘fardados’, como foi em mais este caso deplorável dentro do Carrefour.

Responsabilidades

Além dos responsáveis diretos (os violentadores), as empresas responderão? Já que são elas (supermercado e empresa de segurança) que contratam e preparam tais serviços? E o Estado (polícia), qual é sua parte nisso, já que um dos envolvidos é PM? Quais são suas partes de responsabilidade nesse fato deplorável? Será que será preciso uma reação popular e/ou da comunidade negra, reação também violenta, como acontece muitas vezes nos EUA, por exemplo, onde as ruas são tomadas e empresas com casos de racismo e exploração do trabalhador são incendiadas, para que algo talvez mude? Ou continuarão não resolvendo o problema emitindo notas públicas, como é a prática comum? (percebam que tenho mais perguntas do que respostas). Nisso, encerro com a uma última pergunta coletiva, que vejo muitos fazerem por aí: ‘Até quando?’. 



terça-feira, 10 de novembro de 2020

No Abismo, a Gratidão de um mundo paralelo – mas não!

 “Aquele que luta contra monstros deve acautelar-se para não tornar-se um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo também olha para você.” (F.W. Nietzsche)

O título desta reflexão crítica vem a partir daquilo que chamo de ‘teoria do abismo de Nietzsche’ (resumida na citação acima), e da forma de reconhecimento ou agradecimento que se tornou muito popular, principalmente entre praticantes ou entusiastas de um ‘modo de vida terapêutico ou alternativo’, como é muito comum de se dizer, a ‘gratidão!’. De um tempo pra cá no ocidente, a busca, aceitação e/ou assimilação de algumas filosofias, práticas de vida ou terapias orientais e nativas (indígenas), assim como, formas de se cultivar ou produzir alimentos e se (re)aproximar da natureza (meio-ambiente), se tornou algo corriqueiro. Entre estas práticas podemos citar como exemplo o yoga, a meditação, a permacultura, o cultivo e uso de plantas medicinais, a alimentação orgânica e vegana, a dança circular, o uso de ayauhasca nos céus (coletivos), o ‘xamanismo’, o tantrismo, as terapias e espiritualidades orientais, etc. Estas práticas se disseminaram principalmente entre as classes média e alta, onde pessoas se reúnem para praticar o que alguns chamam ‘estilos de vida’ e/ou aplicar projetos relacionados. E é bom que isso esteja acontecendo, principalmente se permeado pela sinceridade. Porém, uma parte desta busca ou transformação no modo de vida, que também se pensa ‘revolucionária’ em muitos aspectos e casos, acaba adquirindo uma ‘aura exclusivista’, onde se assume um discurso de superação, aprimoramento, refinamento, progresso, desenvolvimento, melhoria, superioridade de vida frente as demais.

De certo modo, dá pra se dizer, sim, que acontece uma transformação, uma superação ou aprimoramento na forma de se viver ou estar no mundo, o que também reflete numa mudança de mentalidade e comportamento. Mas o problema que trato aqui, vai além disso. Ele se refere a certo discurso que muitas vezes acaba sendo prepotente, arrogante, segregador, moralista, onde uma suposta superioridade sobre aquilo que supostamente se tenha superado, ou acima do que se tenha progredido, e aí temos a velha concepção de ‘progresso positivista’ aplicada na também suposta ‘espiritualidade’ ou mente iluminada, superior, etc., de alguns praticantes ou entusiastas destes ‘modos de vida’ que já são cult’s e não mais simples como, naturalmente e historicamente o são. O fato é que muito disso se tornou um bom negócio (grande em alguns casos), o que também pode ser dito como uma indústria, a ‘indústria do espírito’.

“O espetáculo está em toda a parte" (Guy Debord, ‘A Sociedade do Espetáculo’) 

Numa manhã, enquanto preparava meu café, ouvia uma live de uma ‘escola de permacultura’ no instagram, onde dois casais dialogavam sobre a saúde alimentar e de vida a partir das suas práticas agrícolas e terapêuticas. Um tema que muito me diz respeito, já que também faço parte deste mundo (o das buscas pela naturalidade – conceito a partir do taoismo, concepção, espiritualidade e prática de vida ao qual me integro). Lá pelas tantas falavam sobre a relação do ser humano com o meio socio-ambiental, quando veio à tona o assunto ‘mentalidade’. Nisso, o homem mais velho entre os quatro, permacultor, acabou tecendo uma relação comparativa ‘infeliz’, dizendo ter trabalhado por algum tempo em uma assentamento onde a ‘mentalidade negativa’ e a ‘vitimização’ dos assentados é que fazia com que eles estivessem naquela condição (ruim, pobre ou referente ao modo de se produzir e consumir dentro do assentamento), onde, com esta suposta ‘mentalidade de vitimizados’, eles sempre culpam o governo e o sistema pelos problemas que eram seus, provindos de suas mentes, simplesmente. Em suma, como que, se vivendo em uma realidade superior e/ou paralela, o homem ignorou totalmente a questão social e histórica (do processo histórico), afirmando que era unicamente a mentalidade o problema daquele modo de vida dos assentados. Acontece que, quem conhece assentamentos do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) sabe que a realidade não é a de pobreza ou de mediocridade (internamente falando), nem na alimentação quanto no modo de vida, já que os assentados produzem muito bem e com qualidade, respeitando o ciclo da natureza, suas manifestações e seres vivos, buscando uma produção independente e mais próxima possível da naturalidade, a partir do bom trato com as plantas, a terra, os bichos e entre si próprios. Pelo menos os assentamentos que eu conheço, assim procedem. Por isso, a fala do homem foi infeliz e reducionista. Não sei se foi intenção, discurso ideológico ou um equívoco dele com o péssimo uso deste exemplo de relacionar a questão da mentalidade atrasada do ser humano com os assentados. Noutro momento, o homem mais jovem que dizia praticar yoga e trabalhar com terapias, colocou a maconha junto da cocaína como sendo ambas ‘drogas pesadas’, num tom de superioridade (ou superação?) frente a questão, sendo que, no caso da maconha (uma erva natural, diferente da cocaína que é uma droga de manipulação químico-laboratorial), ela não é considerada ‘droga pesada’, aliás, ‘o peso não está nesta erva em si, mas sim no modo e quantia de seu uso’, bem diferente da cocaína (quem já leu ou estudou em boas fontes, ou até mesmo usou estas drogas, sabe bem a diferença entre uma coisa e outra).

"A razão diz que o indivíduo não pode lutar por aquilo que não conhece." (Hakim Bey)

A questão é que ambas as falas masculinas da live tiveram tons de ‘superioridade’, principalmente ao descartar o fator social e histórico que dá contexto para muito do que está além da mentalidade – e na mentalidade, diga-se de passagem, reduzindo-se, eles, a falarem apenas desta mentalidade como sendo o que move tudo. Mas não, não é simplesmente e unicamente a mentalidade (superestrutura) que gera as condições existenciais, mas também o fator social-material (infraestrutura). Por mais dignos e belos que possam ser seus trabalhos e cultivos, estas falas se aproximaram muito do que se ouve comumente em igrejas ou seitas que se arrogam e se colocam como lugares de ‘salvação’, conhecimentos e formas de vida superiores às demais, onde a prepotência e a arrogância são as principais características discursivas – ‘seus paraísos ou seus infernos pessoais não são os mesmos que os meus’. Na hora lembrei de um filme do diretor inglês Danny Boyle, que se chama ‘A praia’, e de certos líderes ditos religiosos, assim como de palestrantes motivadores (leia-se coaching, auto-ajuda, etc.) que criam em torno de si fiéis seguidores e reprodutores de suas palavras, intenções, estereótipos, seguidores que os edificam quase que divinamente e assim servem na manutenção de seus ‘negócios’, status e discursos.

"Todo idealismo é falsidade diante daquilo que é necessário" (F. W. Nietzsche)

Fica fácil diminuir outras realidades mais difíceis que as suas quando se fala de um lugar mais confortável (não só materialmente, mas também discursivamente), e isso é muito comum neste meio cheio de vaidades e egocentrismos, onde os discursos são sempre maiores do que a realidade. Por isso relaciono a questão com a citação de Nietzsche no início deste texto. Lutar contra monstros requer certo discernimento para que também não se torne um deles. Na série-animação ‘Avatar, a lenda de Aang’, em um dos capítulos aparece um personagem com o nome de ‘Jet’ que, na luta por mudar ou revolucionar a realidade, acaba sendo afetado por ela, a ponto de cometer erros que se somam naquilo que se diz ou pretende combater ou modificar. E é isso o que vejo em muitos casos onde estes ‘modos de vida alternativos’ que contrapõem o sistema (este caracterizado pelo modo de produção capitalista e a mentalidade que a partir dele se constitui), acabam reforçando a partir deste ‘exclusivismo’ e seu discurso de ‘lugar ideal’, acima de uma associação com a meritocracia, o próprio sistema, que todos devem saber, é elitista e segregador.

Alguns grandes pensadores ao longo da história, em suas obras falaram sobre esta relação muitas vezes discrepante entre a prática e o discurso. Lao Tsé no seu ‘Tao Te Ching’, K’ung Fu-Tsu (Confúcio) no seu ‘Analectos’, Guy Debord no seu ‘Sociedade do Espetáculo’, e mais recentemente Byung- Chul Han no seu ‘Sociedade do Cansaço’. A partir de Debord por exemplo, esses discursos e as imagens ou aparências vinculadas a eles, são elaborações típicas do que chamou de ‘sociedade do espetáculo’, esta que diariamente podemos ver nas fotos, vídeos ou discursos pelas redes sociais. A partir de Chul Han, este ‘excesso de positividade’ nos discursos, que também é a minimização ou falta de crítica e auto-crítica (como o que aconteceu nesta live), caracteriza também o que ele chama de ‘sociedade do cansaço’. Já para Lao Tsé, ‘todo o execesso é perverso’, inclusive o da ‘falsa modéstia’, assim como, ‘não se pode mais colocar chá num recipiente que já está cheio’, ou seja, quem está cheio de si próprio, que julga suas convicções as únicas, melhores ou maiores, seu modo de vida, as verdades absolutas e puras frente outras realidades menores ou impuras, já não aprende nem caminha mais,  e acaba assim se tornando parte do ‘abismo’ (leia-se Nietzsche).

Em suma, existe muita consciência e coerência dos que buscam, praticam ou vivem de forma ‘alternativa’ ao sistema, a esta cultura mecanicista que engessa o pensamento, o corpo e a própria existência – porém estes não ignoram o processo histórico. Mas também existe muita reprodução forçosa de uma realidade que é bem mais complexa do que as aparências ou estereótipos, do que os discursos, interesses pessoais e ideológicos, muitas vezes disfarçados por trás de máscaras sorridentes de generosidade, que, melhor do que ninguém, e da boca pra fora, tem a ‘gratidão’ como distanciamento, indiferença e auto convencimento... 


segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Independência?

Nossa independência é uma história mal contada em um quadro exposto num museu.

Independência que se deu no lombo de um burro desenhado como cavalo, junto a uma dor de barriga coroada, majestosa. Nossa independência não foi popular, foi popularizada (ideologicamente). Então, ela é mesmo nossa? 

A palavra Brasil é relativa à brasa, braseiro, portanto, ao que queima e à cor vermelha, tanto que, por isso a árvore símbolo do Brasil foi chamada de pau-brasil (por causa da tintura vermelha extraída desta árvore - nossa história oficial já começou com desmatamento). Mas, os mais desavisados repetem com um orgulho ignorante e ideológico a falácia: ‘nossa bandeira jamais será vermelha!’. A frase no centro da bandeira vem da ideologia positivista e seu amarelo representa a família real portuguesa. Ou seja, nada disso é nacional ou original daqui. O Brasil é tão incoerente e contraditório como é a relação entre a sua bandeira e seu nome. Se os símbolos, as cores, as frases, não representam realmente nossa terra, nosso povo, porque não mudá-las? Símbolos também podem ser territórios, demarcações ideológicas, e neste caso, são. A insistência de manter estas representações estagnadas é fruto do conservadorismo que está além das instituições, ou seja, também está no imaginário, nos valores e crenças popularizados como imutáveis e sagrados, inculcados na mente de grande parte dos brasileiros. 

Sou cidadão brasileiro (pois nasci e cresci aqui), amante da terra, da Natureza e da vida. Também sou (ou estou) professor, artista e historiador, e não me sinto representado pelos chamados símbolos pátrios, sejam eles (e entre eles), o hino nacional e/ou a bandeira. Vivemos numa democracia, dizem. Sendo assim, porque, mesmo sabendo da história, tendo fundamento socio-histórico, portanto razão (própria e pessoal) e direito de escolha - que deve(ria) ser respeitado - mesmo assim, persistem em tentar me obrigar a fazer o que não necessito ou quero, como cantar o hino e se posicionar militarmente (posição de sentido) em frente à bandeira em todo evento oficial de Estado e no 7 de setembro? Se o regime é mesmo democrático, porque somos obrigados a votar e servir ao exército, além das formalidades já citadas acima? Isso não é incoerente? Ou são apenas os discursos que não representam a realidade, assim como é com os símbolos pátrios e a história oficializada da independência? 

Respeito às escolhas e crenças, e gostaria que as minhas também fossem respeitadas, pois o movimento deve ser recíproco. Se acham importante cantar o hino, se verticalizar frente à bandeira, tudo bem! Mas, e eu e todos os outros que não se sentem representados por isso, como ficamos? Seremos excluídos? Somos menos brasileiros por isso? Ou criminosos? Pois, somos sim, oprimidos, cobrados, julgados, pois a coerção social nos importuna (sentimos e sabemos disso), não através da força física, mais sob pena de sermos punidos de alguma forma, e esta pressão é muito violenta, quem sente sabe disso. Então, isso é democracia, liberdade ou independência? Ou é só um discurso de controle sociocultural?


quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Educação: por uma 'cultura proativa' de resistência à violência sexual

A violência sexual contra crianças no Brasil tem números alarmantes, sendo que grande parte dos casos não são identificados ou denunciados. Dada esta triste realidade, muitas pessoas se manifestam com revolta contra os agressores nas redes sociais. Revolta compreensível, é claro. Mas, vos convido para irmos além no assunto. 

Dentro desta realidade, o que pouco se vê falar é que, além do agressor direto, existem o que chamo de os 'agentes motivadores', o que considero tão culpados quando o violentador, pois também violentam, mesmo que indiretamente, e geralmente, sem serem notados. 

Vivemos numa sociedade e/ou cultura 'sexualizada', onde se fetichiza a sexualidade como status de poder. A partir da provocação e do apelo sexual promovidos pela publicidade através das grandes mídias (programas e comerciais de TV, redes sociais, internet, outdoors, etc.), vendem-se produtos e ideologias (é óbvio que isso não justifica a atitude do agressor, nunca! Mas, pode incentivá-lo). Ou seja, sexualidade ou sexo (assim como a violência) vendem e aquecem o consumo. Isso é um fator 'cultural' que se constituiu durante anos de motivações públicas. Em suma, produtos relacionados com a sexualidade vendem, somados a certa cultura masculinizada ou machista, e estes instrumentos acabam gerando um campo fértil para a violência sexual acontecer. Nisso, além do agente direto, o violentador, devemos perceber, localizar e falar dos agentes indiretos, os 'agentes motivadores'. Por isso, além da detenção daqueles que cometem diretamente o crime, é necessário mudar a 'cultura', os valores da sociedade a partir dos meios de divulgação destes valores, priorizando não o consumismo, os estereótipos, aparências, a sexualidade como produto, assim como, as violências que são parte desta cultura, destes valores, mas sim, valores que tornem o respeito ao espaço, necessidade e realidade do outro, prioridades. A vida e a integridade física e psicológica devem ser estas prioridades, pois seres vivos não são objetos, coisas ou utilitários. Esta questão toda está ligada as relações de poder, e é disso que também precisamos falar e mudar. 

Nisso, existem espaços e instrumentos fundamentais para tal mudança de comportamento e cultural, e o principal destes instrumentos talvez seja a educação. Por isso, as instituições de ensino devem (ou deveriam), além de oferecerem aulas qualificadas de 'educação sexual', proporcionarem também aulas de 'auto-defesa' feminina (a partir de certas concepções, conceitos e professores que trabalhem bem e com sensibilidade este conhecimento) para assim se desenvolver o que chamo de uma 'cultura proativa' (antecipatória, defensiva), que possibilite a criança e mulher se defender de abusos. Também deve haver debates dentro das instituições, sobre 'machismo estrutural', gênero, direitos da criança e da mulher, para que esta triste e secular realidade (e cultura) possa ser mudada. 

Menos moralismo religioso e pedagógico, menos formalidades curriculares, assim como, pensar menos em provas, vestibulares, no ser humano como utilidade, e mais na vida, no respeito e autonomia, sobre tudo, das crianças e meninas, que são as maiores vítimas destas violências, tristemente publicizadas nesta sociedade que explora a sexualidade e vende desejos e fetiches sem responsabilidade alguma sobre a criação de seus 'monstros', pois, caráter também se constrói pelo meio social e cultural.

 


segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Adeus vó Miri...

Minha vó fazia a melhor comida de panela do mundo. Sempre no fogão a lenha. Começava cedo. Era um ritual. Primeiro pela horta. Ia juntando os temperos, transformando as coisas, criando seu sabor. Numa relação muito íntima com a natureza, majestosamente ia desenvolvendo sua arte, passo à passo. A delicadeza com que tratava suas plantas jamais será vista novamente. Nem por mim, nem por ninguém. A leveza dos passos, da presença e da voz caracterizavam minha vó. Vó Miri flutuava. Silenciosa como só ela conseguia ser. Como pluma, como passarinho. Uma mestra na arte de ser o que se é, sem estereótipos. Queria eu ter a autenticidade e leveza da minha vó. Treino muito pra isso. Talvez um dia eu consiga. Tive uma grande mestra. 

Vó Miri era irmã das plantas, filha da terra, amiga do vento. Tudo o que plantava colhia. Sua imagem, sutil como sua voz e seus passos, nunca sairá da minha cabeça. Seu sorriso tímido, porém pleno, seguirá sendo uma imagem cheia de vida. Lembro do tempo em que me deixava tratar as galinhas e de quando eu a ajudava fazer bolacha e massa. A farinha, o manivelar da máquina, a bolacha de estrelinha, nossas conversas e risos. Ah, bons tempos de criança eternizados junto da minha vó! 

Mas hoje, a vó Miri se transformou, retornou, sem alardes, assim como sempre viveu. Penso que, se todos tivessem um pouco, só um pouco do que foi a pequena, sutil e grandiosa vó Miri, o mundo seria um tanto melhor. Não tenho palavras para descrever o amor que sinto pela minha vó que acaba de partir. Penso que foi encontrar meu vô, o Chico, outro mestre, com quem viveu até seus noventa e tantos invernos, e que lhe esperava desde o ano passado. Finalmente estarão novamente juntos, como sempre foi...

Adeus minha vó querida! Boa transformação, bom retorno! 

Continua conosco em energia e memória... 

Obrigado por tudo! Te amo! Te amamos!



quarta-feira, 24 de junho de 2020

O que foi, o que está sendo e o que nos espera: uma reflexão do passado, presente e futuro

"Se eu fechar os céus, e não houver chuva; ou se ordenar aos gafanhotos que consumam a terra; ou se enviar a peste entre o meu povo; E se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e buscar a minha face e se converter dos seus maus caminhos, então eu ouvirei dos céus, e perdoarei os seus pecados, e sararei a sua terra." 
(2 Crônicas 7:13,14)

Uma (entre tantas) leitura interpretativa-reflexiva pessoal deste trecho bíblico, a partir de certa relação com o conhecimento taoista:
-"Se eu fechar os céus, e não houver chuva": seca;
- "se ordenar aos gafanhotos que consumam a terra": pragas, como as atuais de gafanhotos, dengue, etc.;
- "se enviar a peste entre o meu povo": doenças e epidemias, como o atual covid-19.. * ambos fenômenos gerados (ou pelo menos agravados) pelo desequilíbrio humano-ambiental;

- "E se o meu povo, que se chama pelo meu nome": Deus como o 'todo' e/ou a própria 'Natureza', que envolve as nominações, o povo/ser humano e seu ego;
- "se humilhar" e "buscar minha face": este povo (ser humano) se reconhecer como parte do todo, da Natureza, portanto deste Deus.. ser humilde, se colocar no seu lugar (em outras palavras, 'baixar a bola');
- "orar": parar para refletir, pensar, esvaziar a mente, meditar, voltar-se para si (Deus/ser humano/Natureza = unidade), parar de correr e de tentar controlar, dominar ou exercer poder sobre as coisas.. deixar a Vida fluir, seguir o fluxo junto da Natureza de qual faz parte.. em suma, parar com seus excessos;
- "se converter dos seus maus caminhos": reverter os erros, voltar-se para as coisas fundamentais e necessárias da vida, abandonando os excessos que desequilibram a existência e agridem a vida.. se reintegrar à Natureza;
- "perdoarei os seus pecados, e sararei a sua terra.": esta é a voz, o recado da Natureza (todo, Deus, Tao), dizendo que o ser humano terá a chance de continuar vivendo a partir destas mudanças de comportamento perante ao resto da Natureza e da Vida, e assim a terra (e portanto a existência humana sobre ela) será curada.

Estava hoje mesmo dando uma aula de história sobre os povos da antiguidade, Fenícios, Persas e Hebreus.. e pré-colombianos.. e cada uma destas culturas teve seus conhecimentos, suas sabedorias e/ou reflexões.. muitos deles relacionados a crenças, mitos, religiosidade, pois não tinham todos os conhecimentos físico-científicos e filosóficos que existem hoje, então suas noções e significações passavam pela crença, fantasia e simbologia ou representação, como instrumentos de linguagem.. os Astecas por exemplo, acreditavam que os deuses haviam destruído sua civilização várias vezes, e para que isso não acontecesse novamente, faziam oferendas e sacrifícios, inclusive humanos, dedicados aos seus deuses, numa demonstração de grande desapego referente a suposta 'superioridade humana' (típica do platonismo judaico-cristão iluminista-humanista monoteísta), entregando a própria vida humana aos deuses.
A história está repleta de exemplos e fatos de ciclos de construção e destruição civilizatórias, seja pelas ações humanas (guerras e interferências humanas na Natureza), ou pela própria renovação da Natureza (Deus ou deuses).. e TODOS os impérios ou governos, TODAS as civilizações ou sistemas que um dia se desenvolveram e prevaleceram, tiveram seu tempo.. TODOS limitados, caíram, foram destruídos ou se auto-destruíram.. onde, no fim, a Natureza prevaleceu, e a Vida, independente destas estruturas culturais.. continuou.

Busquemos o fundamental Equilíbrio para que a Vida siga seu rumo natural / com naturalidade.




terça-feira, 12 de maio de 2020

Crises: viral, política, cultural, civilizatória.. e a resposta da Natureza...

Isso tudo mostra o quão vulnerável é esta ordem social, esta organização ou sistema.. e o quão é desleixado o governo e a coletividade humana, sobre tudo na questão 'econômica' e trabalhista (onde há pouca união das categorias)..
o vírus é algo natural.. acontece.. mutação da Natureza que encontra seus caminhos.. o problema é a cultura, ou seja, o modo de vida, a sociedade ou civilização, que é excessiva, vai muito além do que necessita.. explora, mal trata, esgota.. e devido as suas ações, espalha o vírus.. a Natureza já faz tempo que dá seus avisos, recados, e está novamente fazendo isso, só que desta vez, reagindo, naturalmente, se defendendo, dando, mais que aviso, respostas.. já que a dita humanidade não ouve ou percebe, é preciso mostrar de outra forma.. mas, pelo jeito ainda não percebeu..
se não mudar o modo de vida, as prioridades, o trato com a Natureza (que inclui nós humanos, além das plantas, bichos e todos os outros organismos vivos), a partir da nossa forma de se organizar e viver (é necessária uma nova forma: 'sem excessos'), a tendência é que continue assim.. e aos sobreviventes, virão outras 'respostas', outras calamidades, por culpa do desequilíbrio causado pela própria civilização, principalmente a partir das elites e seus governos..
caminhos diferentes e mais sustentáveis existem.. mas, a elite e seus reprodutores não falam disso, talvez nem pensam em mudar.. e aí está a triste e impactante realidade, sobre tudo, para o trabalhador e os mais necessitados.. num primeiro momento..
a Natureza dá seu jeito, e no fim, sempre prevalece...

Síntese de uma realidade deplorável:

Corrupção no governo federal: onde o presidente oferece cargos ao centrão em troca da sua blindagem no poder.. e o auxílio emergencial que é destinado aos mais necessitados, é pago indevidamente à militares.. corrupção no governo do Estado de SC pela compra superfaturada de respiradores.. prefeitura de Chapecó que insiste na liberação de atividades não essências fazendo da cidade recordista em casos de contaminação, tendo casos de corrupção não resolvidos (superfaturamento do corredor de Natal e das estátuas empresariais).. enquanto a floresta amazônica é devastada, povos indígenas são infectados, e o povo, o trabalhador, se contamina e morre.. tudo sob o controle de uma elite covarde.. ela e seus governos genocidas que 'normalizam' a situação..
estes são os governos que muitos elegeram.. este é o brazil atual...


"Nosso século, que tanto fala de economia, é um esbanjador: 
esbanja o mais precioso, o espírito." 

(F. Nietzsche)



terça-feira, 5 de maio de 2020

Desistências e continuidades...

Foi a dureza do mundo.. a frieza numérica desta civilização (pois para governos e outros poderes, é o que somos, números).. o que fez com que o ator Flávio Migliaccio cometesse suicídio.. num momento de crise viral e moral, a crise política se intensifica por causa destes governos, suas elites (ou vice-verso) e  seus reprodutores.. e é triste de ver e saber deste fato.. trabalhadores/as, camponeses, indígenas, moradores de rua, sendo mortos por aqueles que tem poder (e sangue) em suas mãos.. natureza sofrendo ataques da ganância humana.. num país onde a diversidade e a divisão (de terras e renda) deveriam ser a maior característica.. assim, aqui, ninguém adoeceria de fome ou por falta do que é básico para viver.. mas não, uma minoria comanda e usufrui de toda nossa riqueza, natural e cultural.. natural que deve(ria) ser para todos.. e cultural que é produzida pelos trabalhadores/as, que todos os dias cumprem seus deveres e horários (agora, com a crise epidêmica, até mais do que isso)..
Como professor e artista amador, sinto muito.. e estou mais cansado do que nunca.. não pelo isolamento social, com ele estou até aprendendo (quando há tempo).. mas, por causa dos fatos.. nunca vi tamanha bestialidade neste país.. como nunca trabalhei tanto preenchendo formalidades incoerentes por exigência de um Estado e seus burocratas que não sabem como é dar aulas, e muito menos conhecem do conteúdo que, como professor, conheço/estudo/trabalho.. alguns pedagogos burocratas inventam coisas para que cumpramos, e os governos nos despejam sem a menor responsabilidade e coerência, a maioria delas sem sentido, principalmente para o momento.. para a educação, para a vida.. mas ela, a vida, é o que menos importa para estes, preocupados em controlar e ter números somados depois nas suas estatísticas e contabilizações estúpidas, quando o que importa(ria) seria a saúde mental, física, existencial do ser humano.. o que se aprende, nós, professores ou mestres, e a vida ensinam.. as formalidades são distrações e excessos.. excessos estes, os que, justamente, estão empurrando a civilização para o abismo.. mas muitos fecham os olhos pra isso.. a sabedoria ancestral nativa (indígena e taoista) nos mostra faz tempo os caminhos.. e a Natureza vem, faz tempo também, nos alertando destes excessos.. mas, cegos e surdos, viciados neste modo de vida decadente, um sistema que tem donos: os poderosos (grande empresários, latifundiários, alguns religiosos e seus governos), e que serve pra poucos, insistimos em manter.. em nome dos seus monopólios, acúmulos e excessos, adoecemos e muitos de nós morremos (e morreremos)..
Sinto muito pelo que esta acontecendo, a exemplo deste grande ator (de do grande compositor e cantor Aldir Blanc, que morreu de Covid 19 por não ter condições de pagar um tratamento adequado - um grande artista abandonado pelo seu governo/país, e nenhuma nota da secretária de Cultura deste governo) que se cansou e desistiu desta cultura ou civilização.. mas, busco força/energia na Natureza, nas artes e nos seres sensíveis, para que possa(mos) seguir lutando.. buscando as mudanças necessárias para melhorar este mundo que, só livre dos excessos, poderá ter o equilíbrio fundamental para sua continuidade... 



sexta-feira, 27 de março de 2020

Vícios, virtudes e a epidemia: questões que talvez você não queira admitir


Algum filósofo, o qual não lembro quem, anotou que na cultura humana há uma divisão que a distingue e a caracteriza em dois grupos: 1. o da virtude; 2. o do vício.  Nisso, estive pensando sobre a prevalência do grupo 1 sobre o grupo 2. Ou seja, existe muito mais viciado do que virtuoso nesta sociedade, cultura ou mundo. E isso explica boa parte da atitude das pessoas que, na primeira motivação governamental-empresarial, em plena crise viral onde o risco de contaminação é iminente, retornam correndo para seus trabalhos. Essas pessoas são doentes, pois são viciadas. Sim, drogadas, fissuradas, adestradas, viciadas ao servilismo. Aprenderam assim e se veem loucas quando necessitam parar por alguns dias. Outro fator agravante para tal atitude irracional é a ansiedade, característica típica do nosso modo de vida que concorre e disputa mais do relaxa e descansa, motivada pelo comércio e sua publicidade excessiva. Isso, somado, é claro, a ambição ou ganância. O medo também é outro fator. Porém, medo, eu também sinto, todos sentem. Então talvez seja o menor dos fatores.

Mas, o fator principal aliado ao vício, é que boa parte destes pais e mães de família não suportam a própria vida que levam. Ou seja, não aguentam suas condições existenciais e recorrem para as ilusões, alienações, ocupações servis. O sistema é seu grande deus, que os abraça, e como Zeus no Olimpo, joga com suas vidas. E eles aceitam o risco, pois suas realidades cotidianas são tão insuportáveis como casal, pais, consumidores, cidadãos, homos sapiens que não necessariamente sabem que sabem, que acabam optando pelo risco da doença e até da morte do que pela calmaria e pela vida familiar. Ter que passar o dia e noite toda junto da esposa e dos filhos, bichos de estimação, paredes do apartamento, é uma tortura para tais e quais (isso também serve para muitas esposas referente aos seus maridos). Por isso é que a família em grande parte dos casos é uma fachada, um discurso, uma mentira. O ‘estereótipo da família feliz - e pequeno burguesa’, a também chamada ‘família de bem’. E estas pessoas tem o poder de se auto-enganar, de se auto-mentir. Este tipo de viciado é irracional e age por ondas de emoção suscitadas por alguém ou algo que os quer dominar ou domina, e pela publicidade e/ou ideologias de controle.

E agora estamos todos nós presos a este risco, devido a hipocrisia e a estes viciados que sempre fugiram dos tratamentos (sim, existem a Arte e outras filosofias ou modos de vida que curam). Continuar nas suas vidas medíocres de auto-engano e de aparências prepotentes ou vaidosas, escravos de certas crenças e práticas (sendo o trabalho da forma que é, uma delas), é o que, no fim, acaba botando em risco suas próprias vidas, e pior, a dos outros também. Se ficassem em casa (muitos do que estão saindo poderiam), e neste momento de ‘isolamento social’ buscassem mudar, melhorar, crescer internamente e mentalmente, desenvolvendo novas possibilidades e conhecimentos, novas percepções, ou seja, tratando seus vícios rumo a se tornar pessoas mais virtuosas, depois da crise epidêmica (que vai passar – infelizmente não para todos/as), poderiam ser agentes de uma nova cultura, de uma nova sociedade ou civilização, mais digna, sensível, equilibrada. Mas, falta-lhes coragem para isso (e talvez sanidade). Enfim... Aos viciados sobreviventes, que se tratem e se curem, aos virtuosos, minha admiração e respeito, seguimos juntos, mesmo distantes...



Resistir para existir em tempos de febre aftosa...

Bastou um pronunciamento presidencial tosco, e o governo estadual ceder a pressão do grande empresariado anunciando 'flexibilidades' que, em pavoroso, o povo sem equilíbrio toma as ruas. Alguns, reproduzindo o 'presidente' dizem: 'O vírus só derruba idosos'. Idosos estes que construíram o país e sua economia (esta mesma que desfrutamos até hoje), que nos criaram, deram carinho, vida. E agora, é assim que retribuímos? Gado! O gado corre pra outro confinamento, o de antes. Logo, logo, muitos vão pro abatedouro. Mas é que são gado, e gado só segue, obedece, sem sentir ou pensar. Mais uma vez o discurso retórico (e tosco) da 'salvação da economia' puxa pela canga o gado que, prepotente sai pra rua botar em risco a vida, e não só a sua (o gado também é egoísta). Economia! Qual economia? Pra quem? A elite minoritária se esforça para salvar sua economia, seu sistema monopolista e exploratório, seu modo de vida que não se sustenta e vive sobre corpos, mentes e almas, usando mais uma vez o gado (e a vida) para seus fins privativos - este seria o momento oportuno para uma transformação social, uma revolução que alterasse para melhor o modo de vida e a sociedade (se não houvesse tanto gado, é claro!). A intensificação das infecções e mortes vai pra conta, pro currículo, pro histórico do 'presidente', do governador, do grande empresariado que força esta situação, da 'justiça', do Congresso (e do gado). Torço, sinceramente, para que o pior não aconteça - e ajo: ficarei em casa até quando puder, na desobediência, na rebeldia e resistência, pelos meus, pelos pais, avós e crianças, pois não sou gado!