quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Educação: por uma 'cultura proativa' de resistência à violência sexual

A violência sexual contra crianças no Brasil tem números alarmantes, sendo que grande parte dos casos não são identificados ou denunciados. Dada esta triste realidade, muitas pessoas se manifestam com revolta contra os agressores nas redes sociais. Revolta compreensível, é claro. Mas, vos convido para irmos além no assunto. 

Dentro desta realidade, o que pouco se vê falar é que, além do agressor direto, existem o que chamo de os 'agentes motivadores', o que considero tão culpados quando o violentador, pois também violentam, mesmo que indiretamente, e geralmente, sem serem notados. 

Vivemos numa sociedade e/ou cultura 'sexualizada', onde se fetichiza a sexualidade como status de poder. A partir da provocação e do apelo sexual promovidos pela publicidade através das grandes mídias (programas e comerciais de TV, redes sociais, internet, outdoors, etc.), vendem-se produtos e ideologias (é óbvio que isso não justifica a atitude do agressor, nunca! Mas, pode incentivá-lo). Ou seja, sexualidade ou sexo (assim como a violência) vendem e aquecem o consumo. Isso é um fator 'cultural' que se constituiu durante anos de motivações públicas. Em suma, produtos relacionados com a sexualidade vendem, somados a certa cultura masculinizada ou machista, e estes instrumentos acabam gerando um campo fértil para a violência sexual acontecer. Nisso, além do agente direto, o violentador, devemos perceber, localizar e falar dos agentes indiretos, os 'agentes motivadores'. Por isso, além da detenção daqueles que cometem diretamente o crime, é necessário mudar a 'cultura', os valores da sociedade a partir dos meios de divulgação destes valores, priorizando não o consumismo, os estereótipos, aparências, a sexualidade como produto, assim como, as violências que são parte desta cultura, destes valores, mas sim, valores que tornem o respeito ao espaço, necessidade e realidade do outro, prioridades. A vida e a integridade física e psicológica devem ser estas prioridades, pois seres vivos não são objetos, coisas ou utilitários. Esta questão toda está ligada as relações de poder, e é disso que também precisamos falar e mudar. 

Nisso, existem espaços e instrumentos fundamentais para tal mudança de comportamento e cultural, e o principal destes instrumentos talvez seja a educação. Por isso, as instituições de ensino devem (ou deveriam), além de oferecerem aulas qualificadas de 'educação sexual', proporcionarem também aulas de 'auto-defesa' feminina (a partir de certas concepções, conceitos e professores que trabalhem bem e com sensibilidade este conhecimento) para assim se desenvolver o que chamo de uma 'cultura proativa' (antecipatória, defensiva), que possibilite a criança e mulher se defender de abusos. Também deve haver debates dentro das instituições, sobre 'machismo estrutural', gênero, direitos da criança e da mulher, para que esta triste e secular realidade (e cultura) possa ser mudada. 

Menos moralismo religioso e pedagógico, menos formalidades curriculares, assim como, pensar menos em provas, vestibulares, no ser humano como utilidade, e mais na vida, no respeito e autonomia, sobre tudo, das crianças e meninas, que são as maiores vítimas destas violências, tristemente publicizadas nesta sociedade que explora a sexualidade e vende desejos e fetiches sem responsabilidade alguma sobre a criação de seus 'monstros', pois, caráter também se constrói pelo meio social e cultural.

 


segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Adeus vó Miri...

Minha vó fazia a melhor comida de panela do mundo. Sempre no fogão a lenha. Começava cedo. Era um ritual. Primeiro pela horta. Ia juntando os temperos, transformando as coisas, criando seu sabor. Numa relação muito íntima com a natureza, majestosamente ia desenvolvendo sua arte, passo à passo. A delicadeza com que tratava suas plantas jamais será vista novamente. Nem por mim, nem por ninguém. A leveza dos passos, da presença e da voz caracterizavam minha vó. Vó Miri flutuava. Silenciosa como só ela conseguia ser. Como pluma, como passarinho. Uma mestra na arte de ser o que se é, sem estereótipos. Queria eu ter a autenticidade e leveza da minha vó. Treino muito pra isso. Talvez um dia eu consiga. Tive uma grande mestra. 

Vó Miri era irmã das plantas, filha da terra, amiga do vento. Tudo o que plantava colhia. Sua imagem, sutil como sua voz e seus passos, nunca sairá da minha cabeça. Seu sorriso tímido, porém pleno, seguirá sendo uma imagem cheia de vida. Lembro do tempo em que me deixava tratar as galinhas e de quando eu a ajudava fazer bolacha e massa. A farinha, o manivelar da máquina, a bolacha de estrelinha, nossas conversas e risos. Ah, bons tempos de criança eternizados junto da minha vó! 

Mas hoje, a vó Miri se transformou, retornou, sem alardes, assim como sempre viveu. Penso que, se todos tivessem um pouco, só um pouco do que foi a pequena, sutil e grandiosa vó Miri, o mundo seria um tanto melhor. Não tenho palavras para descrever o amor que sinto pela minha vó que acaba de partir. Penso que foi encontrar meu vô, o Chico, outro mestre, com quem viveu até seus noventa e tantos invernos, e que lhe esperava desde o ano passado. Finalmente estarão novamente juntos, como sempre foi...

Adeus minha vó querida! Boa transformação, bom retorno! 

Continua conosco em energia e memória... 

Obrigado por tudo! Te amo! Te amamos!