quinta-feira, 31 de maio de 2018

O vício e o poder das cúpulas que governam


Baixada um tanto da poeira, é hora de olhar para o ‘fenômeno’ com mais calma, o que gera maior consciência e amplia o olhar sobre. Me refiro a paralisação dos caminhoneiros dos últimos dias, que contou com a participação de ‘intervencionistas’ e donos de empresas de transportes (entre outros grandes empresários). Movimentos sociais, na maioria dos casos, foram impedidos e/ou não quiseram participar, por dois motivos. O primeiro, foi por causa da tendência ‘apartidária’ do movimento de paralisação que, discursando isso, quase não se esforçou para afastar os partidários da ‘ditadura militar’ e da elite (grande empresários). Ou seja, a ‘direita’ nacional fomentou e alimentou discursos dentro deste contexto. Oportunismo não faltou, até perderem o controle da situação, em em muitos casos, voltarem-se contra a paralisação. Mas, a sobra seguiu atuando, e com violência. Me refiro aos ‘intervencionistas’. O segundo motivo da não participação dos movimentos sociais, foi por causa dos próprios movimentos que, na maioria dos casos, comandados por ‘cúpulas partidárias’, não se coçaram para ir até os paralisados dialogar, a modo de tentar dar um rumo mais social, nacional trabalhista e fomentarem a ‘consciência de classe’ (leia-se Marx) para o movimento. Falo isso por conhecimento e experiência própria.

A maioria das instituições (assim como muitos movimentos sociais) são comandados por cúpulas, e na maioria dos casos, partidárias. Nada contra partidos políticos ou organização, mas sim, contra a ‘cultura de cúpula’ (ou elite). Nossa história enquanto democracia e movimento social, quase sempre teve este aspecto, o de concentração de poder em alguns nomes e siglas, onde que, quem não pertence a este grupo seleto ou não se submete as filiações partidárias, acaba, muitas vezes, ficando como ‘instrumento’ dessas cúpulas ou elites de esquerda. “Ah, olha só, o Herman endireitou!”. Não, não é nada disso. Apenas me permito fazer a análise ou crítica, a partir de, como já falei, certo conhecimento de causa. Quanto a direita, acho que nem é preciso eu dizer que, são os reis em concentrar poder e agir como casta. Mas a esquerda institucional, poderia mudar neste sentido. Ou seja, sair um pouco da redoma dos interesses partidários e ser mais democrática ou libertária. Mas, como já foi dito aqui, nossa cultura política foi constituída com este aspecto que é histórico. E isso acaba atrapalhando a própria esquerda em se mover com mais inteligência e rumo à uma real e potente transformação social, cultural e política. Mas, chego a pensar que as cúpulas não querem – ou é a própria esquerda e suas entidades que não conseguem? Por quais motivos? Lhes faltam novas perspectivas? Outras referências? Sim, penso que seja isso (além do vício no ‘modo de vida burguês’).

O ‘velho modo’ já não cabe mais. Grande parte dos movimentos sociais e instituições da esquerda, se afastaram, em algum sentido, da sua base, por não mais estarem no mesmo plano, na mesma realidade, na mesma condição ou status. A baixa adesão de trabalhadores em Greves organizadas ou chamadas pela esquerda, é uma prova disso. Muitos trabalhadores não se sentem representados. Por isso, é preciso reler, repensar, e partir para práticas diferentes de atuação e de viver o cotidiano. Não há mais fundamento em ser apenas teórico (aliás, nunca teve) e agir só dentro das instituições do Estado. É preciso desconstruir as cúpulas, as elites, as castas, esta hierarquia ideológica que sobrepõe a necessidade e a coerência das ações.

Enfim. A esquerda, o trabalhador, perdeu mais essa. Ou alguém acha que a direita, a elite econômica foi quem perdeu? Deixamos, mais uma vez de fazer nosso dever de casa, e agora vamos amargar mais alguns retrocessos.

Parabéns para nós brasileiros! Parabéns para vocês que, lá do alto, não enxergam o que está embaixo, por estarem, justamente, além do que muitas vezes discursam. Como ‘homem de fronteira’ (e taoista), vivo no meio (buscando certo equilíbrio e naturalidade), e assim consigo enxergar ambos – ‘equilibrista a prova de territorialidades’. Venham visitar nossa aldeia de vez enquanto, assim, talvez, possam realmente enxergar, e quem sabe, mudar seus olhares, suas posturas e atitudes, voltando-se para ‘o simples’, e assim, mudar a realidade para uma onde as cúpulas, elites, castas, onde a concentração de poder (seu status e vícios) não tenha nem mais sombra.




quinta-feira, 24 de maio de 2018

Combustível do Golpe


A paralisação passada dos caminhoneiros (ou dos empresários, donos das transportadoras?) foi um combustível do golpe. Nela, além da redução do preço do diesel e aumento no valor do frete, os trabalhadores pediam (muitas vezes em tom estúpido ou violento) a saída da ex-presidenta Dilma e do PT do governo, seguindo o discurso do seus patrões. Nisso, conseguiram duas vitórias significativas (não para os trabalhadores, mas para os patrões): uma, o impeachment de Dilma, outra, a liberação do peso da carga transportada nas rodovias. A primeira, todos já devem saber no  que resultou (não e?). A segunda, o aumento do perigo nas estradas (rodovias mais esburacadas pelo excesso de peso e menos controle na direção dos caminhões, trânsito mais pesado e menos fluente) e por isso, mais gastos públicos (do Estado) em pró do maior lucro particular (do empresário) pelo excesso de peso dos caminhões. Conste que na época, o combustível estava menos de R$ 3,00 o litro.  

Chegamos na ‘segunda paralisação’, desta vez, já sem Dilma e o PT (o que alguns caminhoneiros, acompanhando o coro ignóbil da massa reprodutora das ideologias e interesses da ‘classe dominante’, chamavam de ‘comunistas’). Nesta, novamente, tocados por um aspecto ‘individual’ da categoria, ou seja, os preços do combustível e do frete, agora com um agravante: o combustível está beirando os R$ 5,00. Mas as manifestações não são iguais. E eis a questão! Na paralisação atual, ainda não vi faixas e pedidos de ‘Fora Temer, PSDB, Golpistas, MDB’, etc. Menos ainda, vejo a tal ‘consciência de classe’. Vejo uma manifestação individualizada (no sentido dos ‘interesses’, que não me parecem nacionais) que, pelo que parece, não está querendo a presença de movimentos sociais (sindicatos de trabalhadores e outros) na mobilização, mas aceitam a participação dos empresários ou patrões (além de certo caráter ‘conservador’ em alguns discursos).

Em torno destes dois ‘sentidos’ ou aspectos que levando aqui, de minha parte, sou favorável ao aumento dos combustíveis. ‘Sim! Que aumentem para R$ 10,00 o litro!’ Talvez, assim, o Estado (com seus políticos), os empresários e trabalhadores, passem a mexer seus esforços para implantar transportes mais abrangentes, coletivos, democráticos, socialmente viáveis, ecologicamente e culturalmente necessários, e a sociedade deixe de depender, de ser escrava do caminhão. Trens (e ferrovias), transportes hídricos, bicicleta (e ciclovias), transportes realmente públicos e de qualidade, no lugar dos caminhões e carros particulares que são agentes de uma ‘ditadura’, a ‘ditadura dos poluentes’: do petróleo e do carro/transporte a motor por combustão. Esta ‘ditadura’ (‘cultura’), influencia na mentalidade e comportamento das pessoas (status e hábitos), além do trânsito. E, esta é a grande questão. Enfim.

Pós-problematização, deixo a pergunta: ‘Qual é o real objetivo e para quem serve esta paralisação?’


Paralisação passada
















Hoje


Amanhã? ...




domingo, 8 de abril de 2018

Certa realidade que muitos não querem ver, para além das ideologias (no contexto do Brasil atual, em torno da prisão de Lula)

Não sou PeTista. Aliás, não sou filiado a partido algum. Se bem que, volta e meia, aparece um rotulador ignorante 'me filiando'. Tenho minhas críticas ao PT e seus governos. Quem acompanha meus textos e postagens sabe disso. Sou taoista (filosoficamente falando), e no ocidente me relaciono filosoficamente com Nietzsche, Hakim Bey e mais recentemente com Agamben (entre outros do timbre). Estive na fala de posse do Lula na sua primeira eleição como vitorioso, no FSM (Fórum Social Mundial) em Porto Alegre/RS, no meio de uma multidão, no período, de em torno de 200 mil pessoas. Já estudava e vivia 'política e filosofia, sociologia e história' (além das artes) na época. Assim como já participava de movimentações culturais-artísticas e sociais-políticas. E por isso tenho certa propriedade e consciência do que falo.



foto que fiz no FSM, na beira do Guaíba, POA/RS, Brasil, 2003, discurso de Lula (posse), onde palestinos e israelenses, juntos, levantavam suas bandeias.
Do final dos anos 80 até hoje, foi nos anos do governo da 'esquerda' (com todos seus erros, falhas e integração com o jogo liberal-capitalista-burguês) que tive, como estudante, profissional (professor) e cidadão, meus melhores momentos sociais e econômicos, minhas maiores oportunidades de acesso ao que necessito para viver. E assim foi com todo o país praticamente. Pobres puderam avançar para certa condição de vida melhorada, tendo mais acessos. A miséria foi quase totalmente abatida (ou totalmente). A dita 'classe média' ascendeu como nunca, e os ricos, estes também puderam ficar ainda mais ricos. Tudo isso num tempo de mais ou menos 15 anos. Os 15 anos mais 'equilibrados', 'competentes' e 'justos' da história deste país (falando de uma forma 'geral'). Ou seja, com todos os erros e perdições no jogo político-ideológico que a 'esquerda' teve neste tempo, Lula e Dilma estiveram na cabeça do melhor período social, econômico e cultural da história do Brasil, independente do meu gosto, crença ou posição política. Sim, como eu já disse, tiveram muitos erros, se deixaram contaminar em alguns sentidos, mas, o que nos afeta realmente, é a condição existencial, econômica, social, o 'básico' para se estar vivo com certa dignidade. E isso, o 'governo de esquerda' propiciou. Não foi o 'ideal', o 'totalmente justo' e 'equilibrado', mas foi a 'melhor realidade social' que tivemos na história até então. E é isso que é 'realidade', para além dos ideais ou dos discursos ideológicos. O mais, vem depois. Sem o básico, não existe o aprimorado. Sem a condição mínima, não se pode chegar numa dignidade humana de ser-estar, ao 'equilíbrio' social, econômico, cultural e político-ideológico. E é disso que se tratam minhas reflexões e posições. Simples! (para alguns, acho que não). E hoje, tristemente, vejo Lula (o maior presidente que o Brasil já teve neste sentido e contexto, com todos seus acertos e erros), ser preso por uma elite monopolista que nunca lutou (nem se quer viveu com consciência) por esta 'realidade' ou 'condição' mínima e básica de que me refiro. A mesma elite que não gosta de pobre, preto, puta, operário, que tem preconceito contra semi-analfabetos, diferentes, livres, pessoas de verdade e que lutam para sobreviver com todas as desigualdades e injustiças ao seu redor. E Lula, representa um pouco esta gente. E eu, pertenço a esta realidade, pertenço a esta gente. Lula, independente do que eu ache, do que você ache ou pense, é povo, coisa que Eles (elite), não são.






Julgar é fácil quando se está em situação privilegiada. Mas, longe dos ternos e gravatas, das togas, da frieza das leis, da proteção das mansões e carrões e seguranças privados, da vida privada e 'blindada' elitista, do poder que isso tudo 'garante' (até a morte ou o acidente ou o Caos chegar para um abraço), nas quebradas escuras das ruas, onde vivem as gentes, estas pessoas (elites privilegiadas) são frágeis criaturas sem poder algum. Mais frágeis do que eu - e você. Portanto senhores e senhoras, aconteça o que acontecer, estes 'dominantes enfeitados' e sua 'justiça afetada', não passam de uma grande 'mentira'. Pois, ao cair na rua, nos dias e realidades dos 'comuns', eles tornam-se presas fáceis de um sistema que eles mesmos tem culpa de ser. Enfim. Eles terão suas 'recompensas', assim como seus ignóbeis reprodutores...

domingo, 25 de março de 2018

Lula de passagem - abaixo de chuva líquida e sólida...

Debaixo de muita chuva, a passagem de Lula por Xapecó com sua caravana nacional, foi motivo de uma grande reunião popular na praça central, mas também de muita confusão e violência gerada por ‘opositores’ que gritavam palavras de ódio, exibiam faixas pró-ditadura militar e Bolsonaro. No momento do comício, além de água, choveu ovo, lata, garrafa, pedra e fogos de artifício em cima da cabeça da população, entre crianças e idosos, que foram assistir e ouvir Lula e outras lideranças políticas e sociais falarem.

Passei a tarde de sábado ministrando um curso de Linguagens Poéticas junto a escritores locais, do Estado e do sul, também com alunos e colegas de trabalho e de arte. Depois disso, mesmo resfriado e com a garganta dolorida, peguei minha câmera fotográfica e fui pra praça, debaixo de chuva, a modo de registrar aspectos do evento. Chegando lá me deparei com gritos de ódio, frases racistas proferidos por uma ‘minoria’ de pessoas (‘de bem’) que se pronunciavam a favor da ditadura militar e de Bolsonaro do outro lado da avenida Getúlio Vargas. Certo momento ouvi cantarem: ‘Amamos a polícia militar’. E, por detrás da barreira humana que a PM montou, eram arremessados os objetos que, acabaram atingindo pessoas que estavam em frente a igreja matriz. Uma delas fui eu (levemente, mas doeu, inchou e arrochou meu dedo). Mas outros, não tiveram a mesma sorte. Vi pessoas sangrando passar.

Enquanto objetos voavam sobre as cabeças dos que, pacificamente estavam ouvindo as falas, a PM imóvel, sendo que, os arremessos saiam de perto, por detrás dos policiais. Precisou alguma revidação e alguém falar no microfone em bom e alto tom, cobrando alguma atitude da PM para que tomassem alguma atitude. Pelo menos foi isso que vi acontecer. E foi tomada, principalmente quando o Lula foi anunciado no palco, pois foi quando alguns enfurecidos tentaram passar para o lado da praça. Olhando tudo atentamente, vish!, vi que, a meia dúzia de ‘corajosos’ iria levar um pau. Alguns até entraram, mas foram empurrados pra fora do cerco montado para garantir integridade dos que estavam ali para ouvir.

Me perguntei, da onde tanto ódio? Porque a PM demorou tanto para agir contra os agressores? Ali, como já falei, haviam muitas crianças, idosos, professores, jovens. Só não deu merda maior, porque o número de opositores era pequeno, e do outro lado, a grande maioria era população, não militante, e a maioria da militância era ‘pacífica’ (talvez tenha sido também orientada para não reagir a nível). Frente a isso, João Pedro Sdédile, líder nacional do MST, deu seu recado. Fernando Haddad também. Lula, acabou silenciando os enfurecidos da oposição, fazendo com que, até eles o ouvissem. Sem paixão alguma (não sou entusiasta nem filiado ao PT, apenas tenho noção política e histórica), vi, mais uma vez, o poder de oratória e retórica do Lula, um dos elementos que o fez ser tão ‘popular’. Havia já visto uma fala sua em 2002 ou 2003, numa das edições do FSM (Fórum Social Mundial). Fala da sua posse como ‘primeiro presidente popular da história do Brasil’, gostem(os) ou não dele. Na época, já percebi um dos motivos por assim ele ser considerado. E neste sábado, onde o ódio transparecia nos gritos de uma ‘oposição’ violenta, arremessados em objetos e palavras, novamente esta percepção (e lembrança) me veio à tona.

Por fim, fiz alguns poucos e encharcados registros. Mas não tive condições de ficar até o final, pois além do cansaço de um dia magnífico de literatura, no meio de bons espíritos, somado à garganta e ao resfriado, que somaram-se por sua vez com a dor latejante do meu dedo atingido por algum objeto lançado por um ignóbil que age sem pensar, peguei o rumo de casa. Mas, no caminho, mais um fato estúpido. Fomos levar um casal de amigos (a professora que ministra comigo o curso de Linguagens Poéticas) de carro até seu veículo que ficara estacionado atrás do hotel Bertaso, para que eles não corressem riscos de serem violentados por aquele povo que tinha ‘sangue nos olhos’. Mas acontece que, sem imaginar tamanha estupidez (violência), estes amigos deixaram o carro estacionado bem pro lado onde se concentraram os furiosos opositores. Chegando lá, muita polícia fortemente armada, com cães, em meio a garoa, e marmanjos sendo revistados. Além das lixeiras derrubadas, detritos e coisas quebradas, o para-brisa do carro dos amigos atingido. Resultado do descontrole emocional-intelectual que o ‘ódio’ criado neste país por certos discursos e ideologias promove.

Depois fiquei sabendo que foi feito um cordão humano pelo povo ali presente, que cercou Lula e o conduziu a pé até o hotel, protegendo assim sua integridade física. Nisso tudo, alguns que gritavam por ditadura militar, tiveram o seu momento com a ação tardia, mas de fato, da PM. Provavelmente não gostaram, mas, quem pede, às vezes recebe, não é? Agora, minha vida segue, entre poesia, fotografia e alguma pancada que vem de não sei aonde. A resistência a toda esta violência e falta de equilíbrio está naquilo que é a prática da sensibilidade, da serenidade, do olhar para a vida e para o outro, e não para o ódio.























Cordão da PM enquanto objetos e fogos eram lançados contra a população




                    Meu dedo roxo-inchado, lesionado pelo ódio alheio que nem me conhece


e segue o baile...



segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Merlí... para além do entretenimento e da superprodução: uma série filosoficamente humana e historicamente possível

‘Merlí y los peripateticos’ (na Espanha) é uma série feita para a TV catalã que foi rodada em horário nobre (horário em que no Brasil passam os ‘novelões’ e suas tramas exagerados, cheios de clichês e idealismos), e diferente das chamadas ‘grandes séries’ que envolvem altos investimentos, não aposta tanto no quesito técnico nem em personagens ‘idealizados’ (heróis e afins), ideologizados por imagens e atos fantasiosos. Merlí, esteticamente, é bem mais simples que isso. Disponível na Netflix, é dividido em três temporadas. O que diferencia o seriado dos outros, além da questão já dita aqui, são as temáticas levantadas em cada capítulo. Personagens fortes e grandes atuações, o seriado é rico em simbologias, relações humanas, críticas sociais e culturais. O centro da história é a filosofia. Ou seja, cada capítulo traz um filósofo ou filósofa e alguns elementos que caracterizam seu personagem, o que vai permear aquele capítulo e envolver os personagens e seus cotidianos na trama. Coisas da vida que realmente acontecem, e que, muitas vezes não notamos por estarmos dentro da situação. Quem escreveu o seriado foi muito feliz nisso.

Não há muito o que dizer de Merlí, pois o muito pode ser pouco, ou nada. Final surpreendente (aliás, a surpresa é elemento comum durante todo o seriado, pois como a vida, muita coisa muda sem aviso prévio). Um professor (que pode fazer toda a diferença na vida de seus alunos), uma área do conhecimento (que envolve outras), os alunos e a escola, estes são os elementos centrais da ‘estória’. Por isso, indico a série para professores e estudantes – e para todos/as os/as que se interessam pelo pensamento, pelas relações humanas e sociais, pela vida tal como ela é ou pode ser. Para assistir Merlí com um olhar mais profundo, é preciso livrar-se do adestramento, do vício que se transforma em pré-conceito, que as superproduções inculcam ao olhar.

Merlí é mais que um seriado, é uma aula de filosofia, sociologia, psicologia, de como ver a vida de forma diversa, abrangente, cheia de conflitos, movimentos e mutações, além da moral (ou moralismo), do politicamente correto, do bem e do mal e dos idealismos. A vida tal como ela é – ou pode ser.  Um misto de alegria e tristeza sinto em terminar o seriado que, tem na tragédia (ou dificuldade), como diria Nietzsche, um motor para a superação do próprio eu. O seriado é uma desconstrução do olhar viciado em certo idealismo, e seu final uma celebração à memória e à vida.




sábado, 27 de janeiro de 2018

O Brasil dos golpes e dos retalhos políticos - reflexo de nosso 'espírito'

O Brasil já havia sido golpeado em contexto diferente outras vezes. Todos que tem olhos para a história sabem. Na década de 1960, projetos de João Goulart (Jango), então eleito presidente da República, iam contra os interesses das elites nacional e internacional. Com Lula, em seus dois mandados, seu projeto de governo não atingiu a estrutura econômica e de poder da elite nacional como deveria, mas interferiu na relação política e econômica do país com a elite internacional, e atingiu o ‘ego’, a vaidade da elite nacional que historicamente é escravocrata e monopolista, além de arrogante e ignorante, chegando assim também na classe média - e até em parte da baixa (classes trabalhadoras), que são potenciais reprodutoras dos modos, desejos e discursos da elite. Isso, somado a fragmentação de uma esquerda historicamente fraca e habitualmente também reprodutora de algumas práticas ‘burguesas’, deu condições para mais este golpe.

Nossa falta de identidade sociocultural (nossas práticas sociais e culturais) reflete na política, suas concepções, crenças e ações. Tentou-se, a partir do governo Lula, de certo modo, buscar esta ‘identidade’ nacional, mas não fomos capazes. Erramos em algumas ações, escolhas e decisões fundamentais? Ou é (ou foi) nosso limite enquanto povo e agentes políticos e socioculturais? Onde nós (e o governo que deve(ria) ser nosso reflexo) falhamos?

“Também somos o que cultivamos, praticamos e consumimos”. Edgar Morin, grande pensador, bem anotou que “o que não se regenera, se degenera”. Nisso, penso que é necessário nos recompormos, e além de reforçar a resistência política, precisamos olhar e buscar um modo mais simples de vida. Ou seja, ‘voltarmos ao simples’, pois, a prática de uma vida que se proponha ou se defenda como digna e justa para todos (com identidade, cultura e uma política coerente equilibradas) deve começar por si próprio, expandindo-se pelo grupo social a que pertença. Caso contrário, o que temos é apenas o ideal e o discurso.


Nisso, muitas vezes, a ‘esquerda’ parece esquecer que o Estado, sua estrutura e seus tentáculos (poderes institucionais), são burgueses, liberal e/ou capitalista (fruto de certas concepções elitistas herdadas da Revolução Francesa), e, no Brasil, este Estado (que poderia ser de ‘bem estar social’ pelo menos), é piorado por certo conservadorismo ignorante, monopolista e escravocrata. Então, ele, o Estado, do modo que é, constituído historicamente, tem um ‘limite’ quanto a sua ‘ocupação’ e suas ações, onde esbarra, justamente, no poder que o criou e controla, a ‘elite econômica’ (burgueses capitalistas). E é com isso que lidamos. Portanto, nossas ‘escolhas’ e práticas pessoais cotidianas (assim como públicas, culturais e políticas), precisam ser reflexo de nosso ‘espírito’, enquanto concepção e prática de vida seja ela individual ou coletiva.