sexta-feira, 29 de junho de 2012

Violência naturalizada...




















Chapecó pertence ao mundo. Foi essa a resposta que obtive quando comentei algo no facebook sobre o aumento estrondoso dos homicídios por aqui. Alguém ao lado da atual administração quis me dizer que a violência não é exclusividade nossa. E eu concordo. Porém, não vejo isso com tanta passividade assim. Se fosse só isso, nem comentaria. É fato que a violência se distribui pelo globo, mas pensar assim, tão pequeno e simplificado, acaba naturalizando esta (in)‘verdade’. Como se não fosse possível tratar dessa situação, pelo menos a amenizando. Mas como? Não tenho respostas, mas sim, algumas questões que podem provocar ações frente a isso. Questões de não naturalizar, não divinizar a violência, tipo: ‘Deus é quem sabe!’. Bem, vamos a elas: Onde estão os programas e projetos sócio-culturais, educativos, interativos para, pelo menos, amenizar essa situação? Sendo que, parte dos crimes está vinculado a menores de idade e suas faltas de perspectiva, de consciência política, social e cultural? Numa sociedade segmentada, competitiva, exibicionista, exagerada, consumista, individualista, repleta de mediocridades, esse é o resultado. A cidade de Xapecó, como tantas, cresce em seus altos prédios, ditas câmeras de monitoramento (ou de vigia?), mas não cresce em seus espaços de convivência, seus espaços culturais, artísticos, de pensamentos e possibilidades. Nem todos vivem de discurso e 'pão e circo', nem tampouco de submissão ou medo da repressão. A repressão nunca adiantou e nem vai adiantar – NADA!. Com mais investimentos públicos em áreas HUMANAS, quem sabe, cresceremos realmente - para além do concreto. Caso contrário, a 'batalha' nas ruas que ‘só faz vítimas’ continuará. Um modelo de sociedade como a nossa, como diz um velho pensamento anarquista, “cria suas vítimas para depois penalizá-las”. Em Xapecó, o assassinato de um policial militar nos últimos dias gerou certa polêmica. De uma forma ou de outra, esse 'cidadão' (pois além da farda está o homem), perdeu sua vida defendendo o que? Pra quem? E os agentes do crime, fizeram o que fizeram em nome de que? Pra que? Vejam, nada disso seria pessoal, mas se torna com o discurso ideológico em torno do fato. Um discurso que tira o 'foco' do problema, que é sócio-cultural, tornando-o menor, particularizando-o, sendo que ele está além do ‘ato-fato' e das pessoalidades. E a ordem social, assim como o Estado que a legitima, saem ilesos dessa ‘farra’. Mas não morreu um símbolo, uma farda, nem um policial, pois haverá outro para substituí-lo. Morreu um homem, um pai, irmão ou amigo de alguém - esse, insubstituível. E não serão punidos os 'vulgarmente' chamados marginais, serão punidos os filhos, os frutos dessa mesma sociedade. Ambos saem perdendo, para a ‘saúde doente’ dessa ordem. Uma pergunta: Porque um policial 'precisa' trabalhar em horários de folga como 'segurança'? E a valorização do trabalhador? (isso não acontece só na área da dita 'segurança pública'). E o Estado, não deveria ser responsabilizado por isso? 


* Publicada em 29/06 no jornal Folha do Bairro.



terça-feira, 26 de junho de 2012

Um pouco da história cultural da região...




I FESTIVAL DE INVERNO DA UFFS

Campus Chapecó – Centro



Oficina-diálogo:



“O rock autoral-independente a partir da produção local:

história e aspectos em torno dessa manifestação cultural”



Com o professor Herman G. Silvani

 





Áreas temáticas: Juventude, Comportamento, Indústria Cultural, Produção.



Local: Auditório Bom Pastor

Dia: 28/06 (Quinta-Feira), 19h.


Mais informações:

http://www.uffs.edu.br/index.php?site=chapeco&option=com_content&view=article&id=2651%3Aoficinas-do-festival-de-inverno-iniciam-nesta-segunda-na-uffs-campus-chapeco-&catid=285%3Anoticias&Itemid=842


* Agradeço aos alunos, professores e a UFFS (Universidade Federal da Fronteira Sul) pelo
 convite. Certamente será um bom momento de estudo, diálogo, discussão/debate e
diversão.



Sobre heranças, aparelhos repressivos & reprodução


A manutenção da ordem em ‘Vigiar e Punir’ – pela reprodução e seus agentes

Anos atrás li o livro do filósofo e/ou historiador, que tem dedos na sociologia, antropologia e psicanálise, Michel Foucault, e que leva o título de ‘Vigiar e Punir’. Nele, de um modo geral, Foucault faz um estudo das formas de vigia e punição dos ditos ‘criminosos’ pelas instituições. Aqueles que, por algum motivo, são considerados e tratados como ‘criminosos’, passando assim, viverem submetidos pela força da lei. Um livro que dialoga com um ‘clássico’ da literatura mundial, outra obra que li anos atrás - trata-se de ‘1984’ de Georg Orwell, que virou um bom filme nas mãos de Michael Radford (também diretor de ‘O carteiro e o poeta’). Em ‘Vigiar e Punir’, Foucault trata de um modelo disciplinar de ordem e conduta que veio sendo desenvolvido ao longo da história humana, um “modelo disciplina”, no qual, é representado pela figura arquitetural da disciplina por excelência: o Panóptico. O Panóptico é uma “máquina” criada para manter em vigilância as pessoas que por algum motivo infringiram leis ou possuem alguma patologia. Escolas, prisões e hospitais, são exemplos de instituições que se utilizam da idéia do Panóptico, nas suas arquiteturas e modos de funcionamento. Nesses modelos cada vigiado ou punido tem seu lugar, sua jaula, e deve estar sempre visível, policiado por aqueles que são os olhos do ‘Grande Irmão’ (Big Brother - leia-se ‘1984’). Observando certas publicações na rede social mais famosa do mundo, se percebe a reprodução dessa “máquina”, dessa forma de coerção e tentativa de imposição de força e/ou poder, e de intimidação. E essa forma de pensar, atuar, se posicionar no mundo, também está cravada nas concepções e heranças intelectuais, de valores e morais, dadas pela crença, pela submissão e/ou concordância das ordens sociais, através das instituições e da família e seus agentes. Essa forma de violência, que não é só física, é também moral, torna-se prato cheio para outra reprodução, a do ‘espetáculo’ (leia-se ‘Sociedade do Espetáculo de Guy Debord), alimento diário dessa mesma ordem socio-cultural. Nesse caso, a violência é um ‘mercado’, servindo de ‘espetáculo’ sensacionalista oferecido pelos meios de comunicação de massa, distribuída como ‘pão e circo’ para a população que acaba gostando da ‘farra’, onde a ‘criminalidade’ alimenta todo um sistema burocrata que anda em círculos (judiciário, executivo, legislativo) com burocracias e formas legais de violência. É a violência dizendo combater a ela própria, e este combate sendo seu próprio alimento – e ela crescendo e engordando.

















Tendo certa sensibilidade para perceber isso, fica claro o quanto essa ‘ótica’ - a do ‘bem’ contra o ‘mal’ (ou do ‘certo’ contra o ‘errado’), a do ‘normal’ contra o ‘anormal’, do ‘saudável’ contra o ‘doente’, do ‘sagrado’ contra o ‘profano’, vigora em nossa sociedade. Uma via de duas mãos (ou de mão única). Pior é que a maioria dos que reproduzem essa ‘visão’, utilizam-se de um discurso nada fundamentado, apenas, um discurso, muitas vezes, de caráter fascista, pró o ‘eixo do bem’ contra o ‘eixo do mal’. Um ‘neofascismo’ nasce desse tipo de pensamento, que não é bem um pensamento, mas uma reprodução de valores, sentimentos e alguma mágoa ou frustração histórica, pessoal e de vida. A família é a instituição que mais vigia e controla o ser humano, mesmo por estar mais próxima dele e guiar seus primeiros passos, interferir e influenciar nas suas primeiras vontades e crenças. Desde o momento em que a criança nasce ela está sendo vigiada pelos pais, e ao crescer e se tornar jovem e depois adulto, as cobranças continuam, agora também, por parte da própria moral inculcada ‘a’ e ‘em’ si - ao ‘sujeito’.

















Muitas pessoas que se expõem nas redes sociais, muitas delas vindas, geralmente, de uma ‘tradição’ familiar religiosa, militar, conservadora e/ou moralista, fazem uso, mesmo sem saber, dessa “máquina”. Isso explica um pouco a predominância da reprodução (‘normalidade-legitimada’) sobre a criação (‘anomalia-criminosa’). Tenho parentes e conhecidos próximos (mas não tão próximos) que trabalham na ‘área repressiva’ do Estado - de agente carcerário à policial federal de alto escalão - e nem todos absorvem e comungam desses pensamentos ou reproduzem essa prática (a de vigia, repressão e punição), só o fazem porque faz parte das suas ‘obrigações’ (mas também, isso pode ser pensado como uma escolha, não somente obrigação). Porém, vejo pessoas que fazem questão de evidenciar seu cargo, sua função como sendo algo ‘superior’ ou ‘autorizado’ pela lei, utilizando isso como uma ‘vantagem’ dentro da estrutura hierárquica social. Aí vem o exibicionismo público e a tentativa de intimidação contra os que pensam e atuam para além dessa reprodução.  Enquanto isso, pensadores como Jiddu Krishnamurti, Antonin Artaud, Friedrich Nietzsche e o próprio Foucault, assim como outras pessoas no seu cotidiano, em suas análises, seus estudos, através das suas problematizações, linguagens e práticas diárias, se armam contra essa via determinista-reducionista, onde o ‘obediente’ se sobressai ao ‘rebelde’ (a luta do ‘bem’ contra o ‘mal’ – sendo o ‘bem’, ideologicamente o exemplo moral a ser seguido, e o ‘mal’, o que contraria, subverte, contesta, desconstrói).



Exemplo de reprodução de caráter neofascista presente nas redes sociais:


















Percebam o uso dos termos e pré-conceitos na forma escrita: onde a afirmação ‘não me misturo’ com os termos ‘viciado’* e ‘vagabundo’*, são formas descontextualizadas de constatação (ou carecem de fundamentação para saírem do âmbito do discurso ideológico e passarem para o da problematização dialógica), somadas a interrogativa abaixo, direcionada ao receptor, e por fim, a imagem ‘armada’ que se reporta a um personagem danoso e repressor de um filme (leia-se ‘Tropa de Elite), como se ele estivesse ‘correto’, do lado do ‘bem’, contra o ‘mal’, conclamando aos demais ‘corretos’ a compartilhar a postagem.

* Viciado: diz-se daquele que tem um vício; dependente químico (no sentido da postagem); no caso, no Brasil, concebido e/ou tratado como doente (em estado ‘anormal’), por tanto, passível de tratamento médico e que não responde totalmente aos seus atos;
* Vagabundo: do Latim VAGABUNDUS, “pessoa que anda sem destino”, de VAGARE, “errar, andar ao léu”, mais o sufixo -BUNDUS, “propenso a, cheio de”. Também, ‘Vaga-mundo’ (aquele que vagueia pelo mundo; livre).



























Da minha parte, como professor de humanas e sociais e da área das linguagens, como produtor artístico-cultural e comunicador, trabalho a ruptura desse ‘dualismo’ em muitos dos meus textos que publico, minhas composições musicais e produções, e em sala de aula com meus alunos, através da ‘desconstrução’ (des+construir: desfazer a construção de; em última instância, destruir). Utilizo-me de pensamentos e conceitos, assim como frases, textos e imagens como instrumentos desta ‘ação’. Tem uma frase que volta e meia vem me bater na cachola, desde o tempo em que produzia fanzines, tocava em bandas punk e atuava junto a movimentos anarquistas, que diz: “A sociedade cria suas vítimas para depois penalizá-las”. Artaud, por sua vez, vem nos dizer: “A sociedade não tolera a loucura, pois ela enuncia verdades insuportáveis”. Volta e meia, pensando em concepções como essas, escrevo em letras grandes no quadro, uma frase simples, porém contemplativa, que formulei neste sentido, e para uma compreensão mais, digamos, ‘didática’, ‘dialógica’ e ‘dialética’, problematizando a questão com os alunos: “Ninguém é mocinho ou bandido o tempo todo”. Considerando sempre que nossa ordem social foi cunhada acima de estruturas morais religiosas (sob tudo judaico-cristãs), pensamentos idealistas (platonismo), racionalismo científico-tecnicista (cartesianismo), e conduta militar. A partir de obras artísticas e filosóficas, de criadores-pensadores como Nietzsche, por exemplo, entre outros (onde muito do seu pensamento vai dar suporte para essa ‘desconstrução’, partindo do seu ‘para além do bem e do mal’), se criam possibilidades que contrariam a forma determinista do ‘pensar’ e ‘agir’, presentes na reprodução e estagnação de certos valores e ‘verdades’.

“Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente” (Krishnamurti)


hgs.


sexta-feira, 22 de junho de 2012

O que muitos não querem entender...













O MMA é uma luta? Uma arte marcial? Um espetáculo? Os três, eu diria. Ser uma luta e/ou uma arte marcial, até aí, tudo bem. O problema é o espetáculo. Até não seria problema se não fosse feito da maneira medíocre e massiva que é. O MMA na televisão é a versão masculina para aqueles reality-shows femininos de top models, onde o culto ao corpo e o reforço ao gênero ou sexo humanos como um determinante, um reducionismo, constitui uma ‘verdade’ - tipo: ‘é simples, é isso!’. Não, não é tão simples assim. Mas não vou fazer aqui o papel de sabichão determinista ou reducionista como faz a ideologia que está por detrás de todo este espetáculo – ou vocês acham que tudo é apenas entretenimento, lazer? – ao invés de responder, já que não estou pra isso, vou provocar questões ou problematizações - então pergunto: ‘O que é ser homem?’ e ‘o que é ser mulher?’. O que caracteriza cada qual além do sexo (do biológico)? No programa da rede globo ‘UFC: Ultimate Fighter Brasil’, um Big Brother de lutadores de MMA, a reprodução de valores ‘masculinos’, como o machismo (a exaltação do papel do masculino como superior sobre o feminino - ou o enrustido disso tudo), é descarada, claro, para os que a percebem. Como já havia dito e não me canso de repetir, apesar de alguns não quererem entender e continuarem me enchendo o saco por isso, não tenho nada contra (mas nem a favor) ao dito MMA. A questão é outra. E isso já deveria estar mais do que claro. Além da massificação e dos espaços midiáticos, que, diga-se de passagem, funcionam com concessão do Estado, ou seja, permissão a partir de um acordo com fins de ‘diversidade’ cultural e educativa na televisão, contando que esse ‘instrumento’ é um forte ‘educador’, ‘formador’ de opinião e reprodutor de concepções, além de poder também ser, um instrumento de acesso cultural-intelectual, essa massificação diz sim respeito a todos. E nisso, todos os que estão em dia com suas consciências ou acordados para isso, são no mínimo cúmplices dessa realidade. Esperar que algo divino aconteça e mude isso, ou se posicionar de modo que faça parecer que estar fora ou longe disso é uma resistência, não passa de pretexto. Quem sabe uma covardia ou, em últimos casos, comodidade, pois quem foge aos posicionamentos já está tomando uma posição e, como todos os outros, está na ‘dança’. Em se tratando de ‘disputa’, até seria algo interessante e fundamental para o ‘crescimento’ humano. Mas, disputa enquanto potência (vontade de potência), ou seja, superação de si mesmo e não concorrência individualista almejando uma suposta superioridade humana e os ouros das ‘vitórias’. Do modo que é concebido esse ‘espetáculo’, não faz mais do que reproduzir e somar na manutenção de um sistema, onde a diversão toma caráter ideológico de status social e serve de alimento a valores medíocres.

Herman G. Silvani

                                                             Jornal Folha do Bairro - Edição: 22/06/2012



segunda-feira, 18 de junho de 2012

Falácias LTDA.





















Numa noite, dialogava com um amigo psicólogo e professor universitário (também bom contrabaixista) aqui de Xapecó sobre publicações. Publicações dessas que banalizam a comunicação e o pensamento, sem fundamento, muito comuns, principalmente em redes sociais e blogs. Não falo do fundamento teórico-científico (mas também dele), mas o fundamento de simplesmente dizer. Ta bom, eu tento explicar. Pessoas escrevem com certas finalidades ou intenções, embora alguns digam que não, que o fazem por simplesmente ‘precisarem’ e/ou escrevem pra si mesmos. Escrever pra si mesmo até se entende, num diário ou algo parecido, mas publicar, nunca é ‘só pra si mesmo’. No ato da publicação existe um interesse básico que é o de os ‘outros’ lerem. A falta de informação e conhecimento faz com que certas dessas publicações engordem a mediocridade e banalidade da ‘sociedade do espetáculo’ (leia-se Debord) - uma poluição. ‘Achismos’ vomitados em forma de textos enchendo a rede, o mundo virtual. Não ter conhecimento da prática do ‘outro’ e assim mesmo achar que se tem condição de falar sobre ela (a prática) é, por baixo, estupidez e mesquinharia do tipo telenovela, e em alguns casos, o ‘problema’ do Espelho na psicologia. E isso fica claro em determinados textos publicados. Já li a publicação de uma pessoa, no mínimo desinformada e nada sábia (pois subestimar o ‘outro’ assim como sua prática e/o trabalho não é coisa de gente inteligente): “Trabalhar em escola particular é moleza!”; ou que “TODOS (num tom generalizante e determinista) os professores das particulares são ‘acomodados e obedientes ao patrão’ - ganham bem – e são ‘obrigados’ a passar os alunos de ano” (e os imbecis ainda pensam nesse sentido - o de ‘punição’ – reprovar ou passar como castigo/punição ou vitória e senso moral de justiça – reproduzem um sistema equivocado e há muito ultrapassado) é no mínimo falta de conhecimento e informação, ou seja, estupidez. Também já ouvi/li algo do tipo: “A maioria dos alunos das particulares são idiotas” – ou algo nesse tom/sentido, pior, da boca (ou da dor) de um professor de filosofia da rede pública (só por esse tipo medíocre de comentário público, esse ‘tipo’ de professor deveria ser impedido de trabalhar com educação – e saber que o mundo é cheio desses deterministas que, por não terem postura/posição, nem leitura, acabam reforçando a cultura da reprodução, dentro e fora das escolas). Tamanha mediocridade não tem fundamento além do pré-conceito, aliás, o generalizante e determinista age por impulso e com falta de bom senso e criatividade, por mais que elabore e construa um texto, digamos, técnico, acaba caindo em ‘senso comum’ e reprodução, se justificando mais do que discutindo um tema - nisso, não passa de um falastrão que remói pré-conceitos e usa a linguagem de forma a reproduzir mais do que causar alguma movimentação ao meio. Os mesmos sabichões abrem a boca para, além da acessibilidade das moscas, falarem daquilo que, por falta de análise e conhecimento, não compreendem. Para melhor fluir o ‘diálogo’, vou me utilizar de um ‘personagem’, a que chamarei de ‘falastrão’.


Para além dos ‘achismos’ e ‘determinismos’: é preciso sentir o sabor para saber

“Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo.”  (Paulo Freire)                                                                                     
Li um texto de um desses falastrões pretendentes a filósofo que criticava o Terrorismo Poético do escritor, historiador, filósofo e 'agente do Caos' Hakim Bey, como se fosse algo meramente idealista e ‘efêmero’ por acabar sem resultados. ‘Na mosca falastrão!’. Pode ser efêmero porque não permanece. Pode não ser objetivo pois não dá ‘um resultado’, já que não se trata mesmo de algo utilitário. Mas idealismo? Ai, ai, ai! Essa foi horrível! Quando a teoria deságua, e muito bem, em práticas que geram transformações, nisso há um movimento, uma ruptura, que só não acontece mesmo no mundo ideal, então, é justamente o oposto do idealismo. Idealismo é o mundo unicamente das idéias, onde existe discurso e determinismo e não movimento, muito menos movimento caótico. O idealismo daqueles que vêem na abstração uma saída, uma fuga, um pretexto para se auto-afirmarem para ‘além’ da história, por mais medíocre que ela possa ser. Geralmente esses procuram na divinização de suas ‘verdades’, na contemplação passiva da obra de arte, um mundo que os conforte, onde pensem que existe ‘o melhor’, talvez um lugar confortável, distante das gentes e do andamento da história, um paraíso para suas pseudo-seguranças e conhecimentos estarem harmonizados no seus próprios convencimentos.  Aí é só convencer o travesseiro e dormir. “No edifício do pensamento não encontrei nenhuma categoria na qual pousar a cabeça. Em contrapartida, que belo travesseiro é o Caos!” (Emil Cioran). Existe um ‘livrinho básico’ de Hakim Bey que leva o título de TAZ (Zona Autônoma Temporária), uma obra de 1980 que cunhou muito das ações de ‘levante’ (e não ‘revolução’, cara pálida!) contemporâneos – leia-se agitações sócio-culturais e expansão da ‘livre’ informação-comunicação pelo mundo (você enxerga, sabichão?), considerando nada a mais, nada a menos, que a Teoria do Caos (leia-se física), e tendo como exemplo prático e real (e não idealista) os Piratas Bey e o Wikileaks. E o mesmo falastrão insiste em falar de ‘revolução’, sendo que Bey trata de ‘levante’ e não de revolução, e o TP está nas ‘entrelinhas’, na linguagem, na ação não revelada e não no ato visível e em si, nem no que está na ordem do dia das manifestações urbanas ‘policiadas’ e/ou ‘territorializadas’.


Metaforicamente há um clube...




















Realmente há uma luta...

Outro tiro pela culatra do falastrão é sua ínfima compreensão a respeito das linguagens que existem por trás das ‘obras’, personagens e/ou produções que a compõem. Podemos usar como exemplo O Clube da Luta (obra ‘literária’ – e não revolucionária – de Chuck Palahniuk, que acabou virando um belo filme nas mãos de David Fincher). Nesse caso, o falastrão afirma que o filme não é ‘uma possibilidade de revolução’ – meio óbvio, não é?  - sendo que esta obra é uma ‘metáfora’ daquilo que podemos chamar de ‘movimento caótico’, uma deixa, uma ‘leitura’, como são outros livros, quadrinhos e personagens – exemplos disso: ‘O coringa’ que foi magnificamente para o cinema numa das maiores interpretações de ‘anti-herói’ da história, e o quadrinho (que também virou filme) ‘V de Vingança’ (aí se comprova que a falta de estudo e conhecimento conceitual, assim como de contexto nas abordagens é mesmo um pé na lama). Bem, pelo mal uso dos conceitos, leituras e entendimento disso tudo, por si só, o falastrão se quebra. Cai na própria armadilha. Antes de tecer considerações sobre isso, é preciso atentar e conhecer um pouco (ou muito) da Teoria do Caos. E saber disso é se posicionar contra os determinismos filosóficos e ‘achismos’, inevitavelmente, assim, como as crenças nos resultados e finais. Aí entra um tempo que se trabalha muito na história e que muitos filósofos (os mais astutos) consideram. Falo do tempo espiral (caótico) da história, e não do tempo cíclico (determinista) nem do tempo linear (idealista) – e Marx se aproxima do movimento caótico (espiral) com sua dialética, porém, não é o mesmo (outra confusão comum entre os falastrões), pois sua teoria, no que pese a ação política, está na concepção de tempo linear-progressista (e não progressivo, como no ‘estilo’ erudito de rock). Não caro falastrão, Hakim Bey e seu pensamento não é-são idealista(s). Muito pelo contrário. Mas quem não tem a prática e confunde TP (Terrorismo Poético) com ações ‘didáticas revolucionárias’ e discursos  - ou pseudo isso tudo (?), realmente cai nesses ‘achismos’ discursivos. Portanto caro(s) falastrões, guardem-se de vomitar no ventilador – ao menos que gostem de se alimentarem com o próprio líquido azedo que volta dos seus estômagos - suas ignorâncias. Mantenham-se naquilo que se garantem (se é que isso existe para/em vocês), pois como diria Nietzsche: ‘só se fala daquilo que se superou’ – e é preciso, antes de tudo, assumir-se e superar-se – ‘quem sabe depois a gente possa conversar num nível, pelo menos, aproximado – ou menos desigual’. Volto a constatar que, subestimar o outro ou o conhecimento alheio com falácias e divagações textuais (ou vômitos em forma de textos?), é uma arma apontada para o próprio nariz – e tem gente tornando-se perita nisso. Alguns seguidores e/ou representantes desse tipo de ‘tendência’ (a dos falastrões), formam um ‘grupo’ (mesmo que assim não se percebam) e acabam fazendo papel de reprodutores das mediocridades e falta de criatividade – e inteligência (não pode ser outra coisa!) do ‘falastrão mestre’ - perdoem-me ‘mestres’ pela analogia. Enfim. Encerro por aqui, pois agora vou preparar o material para mais um dia de movimento (não confundir aqui ‘movimento’ com manifestação ou protesto de rua – putaqueopariu, tem que explicar tudo para que os falastrões não transformem o simples em burocracia e mesquinharia dos seus devaneios). Meus alunos, independente do espaço que estivem ocupando (seja ele um espaço público ou privado) – ‘para além do bem e do mal’ - terão momentos de ‘desconstrução’ e não da simples reprodução a que muitos são adeptos. 

“Devemos estar preparados para navegar, nomadizar, escorregar de todas as redes, nunca estabilizar, viver através de várias artes, fazer nossas vidas melhores que nossa arte, fazer da arte nosso grito no lugar de nossa desculpa”. (Hakim Bey)

hgs.



sexta-feira, 15 de junho de 2012

O buraco



Daqui do buraco de onde eu escrevo o mundo parece menor ainda. Saí do interior e vim para a capital, um lugar grande. Grande como meu pensamento. A cidade de onde eu vim era pequena demais pra mim e pro meu pensamento. Pelo menos era essa a minha impressão. Meus poucos amigos e minha namorada também achavam isso. Depois de uma semana morando aqui descobri que a minha namorada havia ficado com um dos meus poucos e melhores amigos. Ao invés da ira, incrivelmente fiquei alegre. Finalmente algo diferente havia acontecido na minha vida. Chorei um pouco, e aos risos acabei enchendo a cara no boteco da esquina. Divido meu buraco com um rato que volta e meia cruza por debaixo da minha cama e uma dezena de baratas que, enquanto eu tento dormir, fazem a festa na cozinha. São bons companheiros. Não preciso entrar em conflito com eles, nem tampouco tentar convencê-los de que eu seja um grande pensador, um filósofo nato. Adquiri meu diploma numa faculdade paga com meia dúzia de leituras. Ta certo que não entendi tudo do pouco que li, mas acabei com o diploma na mão assim mesmo - minha autorização.  Bastou um artigo que nem os professores da banca entenderam direito, e eu estava apto a reproduzir. Acho que enganei bem. A linguagem filosófica às vezes convence. Agora dou aulas numa escola pública que parece mais um presídio. Os alunos não querem saber de filosofia, muito menos da minha. Então eu os encho de tarefas burocráticas e baboseiras de Platão e Aristóteles e assim passo os dias. Todo final de mês cai um troco razoável na minha conta. O banco fica com uma parcela, o aluguel com a outra e o mercadinho da Zuleide com o resto. Fico sempre devendo pra Zuleide, assim acaba me sobrando um troco pro cigarro e pro cine sex. Vim pra essa metrópole na intenção de me encontrar e expandir minhas fronteiras. Um lugar onde meu pensamento ecoasse. Mas não me encontrei, minhas fronteiras continuam ínfimas e meu pensamento não vai além da esquina. Achei que a cidade grande me faria crescer, mas me sinto cada vez menor aqui. ‘As oportunidades!’, diziam meus amigos, aqueles putos! Escrevo dessa clausura esperando que algo mude. Saio pra fora e vejo um monte de gente se embatendo na rua. E eu aqui, um filósofo sem filosofia alguma. Tirei o espelho do banheiro para não ter que me dar bom dia todo dia antes de ir ao trabalho. Meu mundo é um gueto e acredito que seja por isso que minhas idéias não caibam nele. Segundo o que entendo de Platão, elas estão além da realidade, o que me conforta. Um inimigo meu diz que sou um puto idealista. Mas eu não me vejo assim. Aliás, não me vejo de forma alguma. Estou num buraco e o mundo é pequeno. Saio pra fora e o mundo é menor ainda. Deixando o interior rumo à metrópole eu encontraria um mundo que abraçasse meu pensamento - ou onde alguém pelo menos o levaria a sério. Mas do buraco de onde eu escrevo o mundo parece menor ainda...



sexta-feira, 8 de junho de 2012

Transporte ou status? A corrida pro além...

















O governo federal optou pela facilitação na compra de automóveis. Muita gente sem casa para morar com um carro zero na garagem. E o transporte público? Culto a cultura individualista de caráter liberal-burguês. Consumismo. Submissão ao tempo da fábrica. Muitas cidades já estão intransitáveis, o petróleo poluindo o mundo, guerras alimentadas pela disputa de poder em torno dessa economia/energia. Enquanto isso, amarguramos um péssimo transporte público no Brasil. E não vamos longe, é só pensar na nossa própria cidade e nos ônibus que circulam por ela. E os trens? E as bicicletas? E a relação humana com as caronas? É a contradição do sistema. E o Estado acaba de facilitar a aquisição do carro a motor, fortalecendo o status existente em torno dele. O motor da máquina potencializando a fraqueza humana, sob tudo a masculina. E a disputa por vaga e espaço nas ruas aumenta. E a concorrência do ‘chegar primeiro’ também. Sem contar os acidentes de transito e os pobres cães atropelados. Tudo em alta velocidade, acompanhando a ganância, o ‘quem pode mais chora menos’ do mundo moderno-contemporâneo. E eu remando contra a maré, nessa minha lentidão frente a maquinaria cotidiana. Sou neto de caboclo e herdei um pouco da natureza de meu avô. Não quero saber de correr. Pra quê? Correr muito cansa, faz mal para a saúde – e a minha não é das melhores. Produzir rapidamente em larga escala para participar e sustentar um modo de vida que beira a decadência? Não, pra mim não, obrigado! Não busco status ou poder. Apenas caminho. Passo a passo. Por mais que eu seja pressionado, cobrado, às vezes criticado por isso, é assim que vou. Sentindo cada passo dado e o chão sob meus pés. Não quero chegar antes, pois sei que ao cruzar a linha de chegada, tudo se encerra, e lá no fim, está o futuro de todos os seres que estão dentro do tempo, dentro da história: a morte! Existe um filme, dos mais belos já produzidos no Brasil e no mundo que se chama: ‘Nós que aqui estamos, por vós esperamos’. Esta belíssima película narra em imagens e música, a história da humanidade do breve século XX. Obra do cineasta brasileiro Marcelo Masagão, com orientação do historiador Nicolau Sevcenko e com referências do historiador inglês (o mais velho ainda vivo – e um dos maiores intelectuais da história) Eric Hobsbawm. Nela podemos sentir mais de perto e perceber a nossa busca, e onde, no final das contas, TODOS vamos chegar. Indico. Enfim... E você, ainda tem pressa?

Herman G. Silvani

                                                                                   Jornal Folha do Bairro, 08/06/2012



Sobre fragmentação & práticas...

 

 

Este é o título de uma série de livros que eu conheci com as crianças. Algumas das minhas alunas (as de 10 a 12 anos de idade), na verdade. Um livro de literatura e ilustração infanto-juvenil (mas que também serve para adultos – muito mais literário e criativo do que muito romance por aí), do escritor e ilustrador estadunidense Jim Benton (mas poderia ser Tim Burton). Nessa série, a personagem central é Jamie Kelly, uma menina que mora com sua mãe, uma péssima cozinheira, seu pai e seu cachorro Fedido. A trama contém vários outros personagens. Nela se abordam temas ‘corriqueiros’ do dia a dia, como numa novela, onde, muitas vezes a mesquinharia ou a mediocridade, as intrigas pessoais, são o mote das ‘estórias’, mas de uma forma criativa, bem humorada, recheadas de ironia e/ou sarcasmo, diferente muitas vezes da ‘vida real’. A diferença toda quem faz, neste caso, é a abordagem e a forma e uso da linguagem. O autor cria suas ‘estórias’ inteligentemente, onde, no fim, existe certa crítica ao cotidiano familiar, escolar e social. Questão cultural e de posicionamento. Da mesma forma que esses livros parecem uma reprodução de valores individuais de uma sociedade industrial, utilitarista, reducionista, determinista, onde seus agentes, quando não pregam, pensam de forma fragmentada e praticam a ‘politicagem’ (seja ela ideológica ou filosófica), eles também, através da sátira, questionam e/ou criticam essa mesma ‘norma’ social, ou seja, este andamento cultural cotidiano que prevalece na sociedade contemporânea. Valores daquilo que alguns marxistas e afins, convencionaram chamar de ‘individualismo pequeno burguês’, coisa típica da dita ‘classe média’, que se vê refletida no modelo de vida ‘burguês’, rico ou da ‘classe alta’, como preferirem, passando a reproduzi-los e legitimá-los, em concepções e práticas. Mas as crianças, um pouco ‘selvagens’ ainda (leia-se as ‘Crianças Selvagens’ de Hakim Bey), ainda não ‘viciadas’ nessa ‘reprodução’, não obedientes totalmente a essa prática cultural, conseguem resistir frente a isso - enquanto o mundo adulto - e seus adultos, com suas pretensões intelectuais e/ou de ordem moral, caem direitinho na armadilha e tornam-se, muitas vezes, criaturas mesquinhas, alimentando a mediocridade que envolve a sociedade. Referente a este assunto, não precisamos ir muito longe. Hoje, a ‘globalização’ também se faz na comunicação, ou na troca (ou imposição) de informações, sob tudo pela internet, principalmente pelas redes sociais (leia-se facebook), e as distâncias se encurtam. O uso dessa ‘ferramenta’ (internet/rede social), pode gerar possibilidades, ampliar o pensamento e conhecimento sobe as coisas, sobre o mundo, pode socializar e/ou democratizar a informação, tornando-a livre, como acontece em alguns aspectos, mas também pode fragmentar ainda mais as informações, o pensamento, as ações. Salvo as crianças e algum idoso que, por acaso participe da rede, os demais (incluí-se aqui, jovens e adultos), precisam praticar o bom senso e certa prudência quanto ao uso deste ‘instrumento’ ou ferramenta. Mas acontece de algumas criaturas sem muita noção do medíocre, da vulgaridade ou banalidade no uso da informação-comunicação, saem pelo mundo virtual distribuindo suas mágoas, dores, frustrações, como se estivessem deitados num divã. Geralmente esbarram em questões em que mal conseguem pensar sobre elas, porém, movidos por uma petulância na falta de bom senso, acabam por tornarem-se agressivos (pior, numa agressividade sem inteligência, pois com ‘inteligência’, muito do que é agressivo em seu interior, torna-se, potencial ‘crítico’ e desconstrução). Para que isso aconteça, deve-se contar com o bom uso da linguagem - e a linguagem é uma via perigosa. Portanto, quem faz uso de certas armas deve ter o cuidado (a prudência) de saber para que lado faz alvo e no que atira. É muito comum o tiro sair pela culatra. Nisso, não canso de me deparar com sujeitos que entram em algum assunto exteriorizando suas mediocridades, suas frustrações, sua ignorância. Estúpidos! Acabam por somar na fragmentação das idéias, da informação e da comunicação. Acabam por se tornarem reprodutores da banalidade. E antes que me interpretem mal ou desvirtuem o que está sendo dito, não estou dizendo aqui que todos tenham que ser teóricos ou intelectuais na hora de adentrar em algum debate ou escrever e publicar certas coisas na net, mas, no mínimo, ter certa cautela, bom senso, certa prudência e conhecimento do que se está abordando, defendendo ou atacando, além de estar um pouco ligado na forma, modo e conceitos que utiliza, para não cair em armadilhas da linguagem. Quem vai com muita sede ao pote pode acabar se afogando. Por isso, como diria Nietzsche: ‘E quem hoje ri melhor, também ri por último’.



As palavras ecoam
A teoria do Caos não escolhe vítimas – são elas que escolhem a si próprias
Levemos em consideração a teoria do Caos, onde ‘as palavras ecoam’. Quem consegue perceber isso e passa a considerar essa percepção, esse conhecimento, também passa a agir com certa consciência de si, do espaço e do outro, e isso é um tipo de inteligência que devemos praticar – ou incluir nas nossas práticas cotidianas, em outras palavras, a ‘coerência’. Muito da prática filosófica se tornou segmentarismo e determinismo devido a fragmentação do pensamento. O idealismo platônico nos diz: ‘Quanto mais o conhecimento é abstrato, maior ele é’, e a influência deste pensamento marca a produção de conhecimento na história da humanidade (a partir dele). Segundo a filósofa Viviane Mosé, o idealismo platônico afirma que ‘quanto mais o conhecimento é abstrato, distante do movimento da vida, quanto mais ele é distante dos corpos, dos processos, maior ele é’, e isso deságua na valorização da idéia e não da vida – caracterizando a abstração do pensamento: Eis o idealismo! Esse processo de abstração do pensamento na sociedade (assim como em determinados espaços de leitura e afins) que privilegia a palavra, acaba ‘mediocrizando’ o pensamento em si, ou seja, a própria filosofia. É preciso perceber o todo para evitar cair em discursos medíocres – e esse é um ato de prudência e de inteligência. A reprodução de valores e ‘verdades’ ideológicas se dá nos discursos, geralmente em formas de texto e idéias vulgarizadas pela sujeição do ‘todo’ ao ‘particular’, reproduzidas em diferentes espaços: televisão, rádios, revistas, jornais, redes sociais, blogs e afins.



O lugar da pseudo-filosofia – ou da fragmentação filosófica
















Os que habitam o mundo ideal não percebem a guerra que há aqui fora
Negar a aplicação do pensamento, das experiências nos espaços abertos e propícios a isso, tendo em vista a noção do todo, afastando o pensamento e a teoria ou o debate filosófico da realidade cotidiana, do dia a dia, é admitir a existência de uma ‘superioridade’ de pensamento, ou seja, uma divinização do lugar do pensar e do pensador, como bem entendia Platão. Uma das problemáticas a enfrentar no contemporâneo, é justamente a fragmentação do pensamento, das idéias. É preciso retomar o pensamento, o conhecimento, como algo ‘universal’ (mas não generalizante – há uma diferença nisso). Para isso, são imprescindíveis as referências ou a soma dos conhecimentos e leituras de mundo adquiridos no caminho e pelo tempo. O pensador contemporâneo Hakim Bey nos fala do uso dos conhecimentos passados e contemporâneos, como uma forma de política (ou como posição), ou seja, na eleição daquilo que é coerente com cada situação e a forma que isso pode ser usado na desconstrução dos determinismos e na destruição dos reducionismos que amesquinham a razão, a sensibilidade e a realidade. O corpo sócio-cultural deve ser visto como um todo e não como partes separadas. O pensamento fragmentado, particularizado é um pensamento fabril, ou seja, como se vivêssemos numa fábrica onde cada parte é dissociada da outra, sendo que, o mundo é um complexo de valores e diversidades. Portanto, cabe ao pensador, ao filósofo hoje, transcender a abstração da realidade. Cabe a ele(s), trazer, como assim fizeram alguns filósofos, o pensamento, as idéias, a filosofia, ao mundo físico-material-real, ao cotidiano, ao dia a dia. O idealismo platônico tem mais presença no pensamento do que a crítica a ele próprio, e, percebendo ou não, muitos reproduzem essa via, essa prática. Então, é uma questão ‘política’ a nível de pensamento e prática desconstruir essa ‘realidade’. É preciso, como querem alguns pensadores, retomar a filosofia, ou seja, o pensamento do todo, e superar essa fragmentação em partículas isoladas do saber. O saber não pode estar submetido a mesquinhez do particular, do privado. O saber só tem sentido quando objeto da alegria, da felicidade humana.  E como bem anotou Thoreau: ‘A felicidade só existe quando compartilhada’.



Subestimando o outro: prática comum de rebanho

Em 3 semanas, foram 4 pessoas do mesmo ciclo de ‘amizades’ ou interesses, que me vieram testar-desafiar-aporrinhar. Mas eu, como alguém calejado de estrada, já que não nasci ontem e desde novo ascendi para as possibilidades, andei todo esse tempo recolhendo inutilidades pelo caminho, incertezas, peças interessantes para minha própria construção – e ainda não estou acabado, tenho a consciência, muito pelo contrário, a cada passo dado um novo aprendizado, um novo conhecimento.  A questão é que, por eu ser alguém ‘disposto’ ao novo (e ao velho), às diferenças e transformações, por eu chegar ao ponto de poder optar e escolher algumas das minhas práticas sócio-culturais, e assim, devido as escolhas, naturalmente, ter certas posições, sendo um ser político e não territorializado (leia-se política além do conceito predominante, vulgar e institucional), assim me tornar um ‘homem de guerra’ (fazendo jus ao meu nome e sua constituição) e não um passivo espectador e/ou idealista da fragmentação do pensamento, muitos me vêem como um radical. Pois bem, admito, sou um. Mas radical, longe de ser sinônimo de intolerante ou fundamentalista. Portanto senhores, não confundam as coisas. Radical vem de raiz. E eu, como ‘um radical’, parto, muitas vezes, das raízes das coisas – ou no mínimo, as considero. De que serve a leitura (leia-se leitura aqui como uma prática ou experiência, uma visão, audição, olfato e paladar, além dos olhos percorrerem as linhas em publicações – ler-se a si e ao mundo) se não utilizada para o compartilhamento com o outro e o mundo? E é simplesmente isso que faço em meus textos, assim como, quando subo em algum palco para, com a banda tocar, comunicar, interagir com os demais, expressar – trabalhando e usando certa linguagem para isso. É o mesmo em sala de aula e, até mesmo, num bate papo despretensioso de bar. O pensamento individualista de superego, neste caso, não cabe e nem vem de mim, mas talvez da cabeça - e pela visão habituada - dos que antecipam o conhecimento sobre o que vêem e pensam que eu represento. Estou além da representação, tenham certeza. Aliás, todos estamos. Não se pode deixar-se guiar simplesmente pela ‘aparência’, ou pelo ‘eu acho’, muito menos pela influência de terceiros, principalmente daqueles que mal se conhecem - quem dirá conhecer os outros. Há muitos ‘faladores’ por aí, e ‘alguns’ comunicadores, inclusive na internet. Alguns, hoje amigos e/ou conhecidos, também, antes mesmo de me conhecerem, devido as minhas posições-exposições públicas, ou devido a rumores de terceiros, achavam que eu era ‘assim-assado’. Mas, bastou uma conversa, uma troca de palavras e idéias, para que a ‘percepção’ mudasse. Hoje conto com muito desses no meu ciclo de amizades e afins – as afinidades juntam as pessoas para algumas práticas sócio-culturais que acabam em bons resultados. Mas outros vieram, e antes mesmo de realmente saberem, já caíram em ‘achismos’ e reproduções, subestimando este escriba que voz fala. E eu não suporto muito os que subestimam. Para estes, sempre tenho palavras a dar – ou um silêncio mais perturbador do que qualquer termo que se use-aplique. E foi isso que aconteceu. Adquiri o respeito dos mais prudentes ou coerentes e uma maior dificuldade de relacionamento por parte dos mais egocêntricos que não baixam a guarda pra nada, talvez por medo de serem reconhecidas as suas fraquezas. Isso não seria um problema. Mas algumas pessoas preferem a vida nas sombras, sempre se esquivando da realidade, dos outros e de si mesmas. Pedem conforto e proteção, e o medo as assola os dias. Pobres criaturas! Mas não é com pena que se resolvem essas situações. Talvez com algum tratamento psicológico ou com o tempo mesmo. Uma superdose de estrada sempre ajuda nessas chancelas. Algumas abordagens foram muito interrogativas. Perguntas e mais perguntas. Sobre a minha pessoa, minha relação com o meio e com as coisas, com as pessoas, com o mundo. Meu pensamento (e isso me deixou ainda mais certificado – eu penso! Hehe!). Outras, com um tom de ameaça. Dessas eu acabei rindo, pois o medo não estava em mim e sim no tom do outro. No fim, acabei tirando tudo de letra, não levando tão a sério esse tipo de teste. Isso representa o quão nossa organização social carece de fundamento, e o quanto o idealismo platônico gerencia a cabeça de certas pessoas. Muitos são habituados a seguir, ou seja, escolhem um líder e um ou mais inimigos ou alvos. Passam a ser porta-vozes e/ou representantes desse líder numa guerra imaginária entre dois lados, sendo que a guerra acontece em outro âmbito, bem maior, que, diga-se de passagem, está muito além do individual-pessoal. O problema é perceberem isso. E essa diferença transparece geralmente nas produções. Textos e suas fundamentações, argumentos, coerências ou não, mostram esse embate, essa diferença toda em ‘pensar o mundo’ e a ‘si próprio’. Veremos adiante, brevemente – e didaticamente, um pouco do que me refiro.


O Espelho – ou, o inferno são os outros


"A maioria dos homens vive uma existência de tranquilo desespero." H. D. Thoreau

‘O Espelho’ é um belo filme, poético-literário, psicológico e com um magnífico trabalho fotográfico, de um dos grandes diretores do cinema-arte, o russo Andrei Tarkovsky. O espelho a que me refiro tem haver com o filme, mas não é dele que vamos tratar agora. Não será preciso citar Freud, nem seu discípulo Lacan, ou qualquer outro psicanalista para adentrar no tema pelo menos. Sejamos diretos e enxutos na linguagem e tratamento do assunto – mas não incoerentes ou imprudentes.  Pensando a questão e forma mais ‘analítica’ e ligando o tema ao texto anterior, chegamos ao individualismo (do tipo ‘pequeno burguês’ como o querem os marxistas) como prática sócio-cultural, assim como, a tomada de partido pessoal, ou a ação ‘pessoalista’ de caráter reducionista-determinista, referente a debates que deveriam partir do local para o todo ou vice-verso – prática típica da sociedade utilitarista fabril e o pensamento que a segue (‘filosofia’ fragmentária). Em psicologia se usa o termo ‘projeção’, que neste caso significa atribuir ao outro aquilo que queremos que ele tenha, tanto em qualidades que não possuímos, como os defeitos que temos e não sabemos lidar ou não podemos suportar. Sem perceber, ou devido a algum trauma ou frustração, muitas pessoas tornam a projetar seus sonhos e pesadelos nas costas dos outros: são os pais que desejam os filhos como eles; o sujeito que vê no outro o que gostaria de ser, ou deseja a vida do outro pra si, etc. Fazer com que o outro seja o nosso espelho é viver parcialmente. Em função de um sentimento de inveja, ou devido a transferências de suas frustrações ao outro, muitas pessoas comentem verdadeiros equívocos, quando não passam a pensar e atuar de forma mesquinha e com uma ira profunda contra o outro, si mesmo e o mundo – o que muitos chamam ‘rebeldia sem causa’, onde se perde o foco, a abrangência do olhar e do pensamento, transformando-se em algo fragmentário, direcionado e pessoal. Uma possível ‘solução’ para este problema de ordem psicológica, social e cultural, ma também ‘conceitual-teórica’, seria "virar o espelho" para a própria direção e perguntar se a crítica feita de forma leviana não se encaixa a si próprio: Será que aquilo que não nos agrada no outro ou suas práticas, não seria algo que gostaríamos de ter/fazer e não temos/fazemos? Não adianta simplesmente "quebrar o espelho" que reflete nossos defeitos ou fraquezas. É necessário aqui um ajuste de auto-estima, e o primeiro e primordial passo para a superação de si, neste caso, é assumir-se, e não direcionar ou transferir ao outro suas próprias faltas – no caso, largar as muletas. Nisso também reside uma questão de ética. Mas não aquela ética comumente pensada, onde se age simplesmente movido por uma regra de conduta ou moral. Mas a ética dentro da coerência: conhecimento/saber-pensamento-ato. Nisso, faço das palavras da filósofa Viviane Mosé, as minhas: ‘Ético, é o ser humano que entende, que cada gesto dele tem um desdobramento infinito’ (leia-se teoria do Caos), ‘e que esse desdobramento vai, em algum momento, recair sobre ele’.  ‘Ético, portanto, é o ser humano que entende que não há nada isolado, e que por isso, presta atenção nas pequenas coisas’ – complemento: ‘e passa assim, a não mais subestimar o outro’.

hgs.




domingo, 3 de junho de 2012

Um abraço nas possibilidades

Essas contradições! Elas nos pegam de surpresa. Mas, uma contradiçãozinha de vez em quando, pode servir como geradora de possibilidades - quando essa é proposital, é claro! E o mundo virtual da internet, do (al)face book está cheio delas. Pior que uma contradição mal dada, só uma incoerência. Falta de cautela nas publicações e/ou postagens? Ou falta de conhecimento mesmo? Fato: falta de fundamentação, argumentação e reflexão sobre as temáticas tratadas, publicadas ou postadas. O excesso de informações e o modo medíocre com elas se propagam, acabam gerando um problema de comunicação. Algumas ‘verdades’ assim são exteriorizadas, baseadas em velhos, redundantes e passados conceitos. Projetam-se mundos e ‘verdades’ ideais, que são compartilhados devido às velhas crenças, aos velhos ‘conhecimentos’ (ou a falta deles!). Muito discurso, muita reprodução. Valores estacionados no tempo que predominam sobre a desconstrução deles, dos conceitos, das formas e modos de (des)construir o pensamento. A história é feita de versões dos fatos e não de ‘verdades’. Se se busca ‘verdade’, isso não significa que, necessariamente, elas existam. E o historiador, tanto como o filósofo, deve saber disso, e a partir disso, buscar seus caminhos enquanto ‘pesquisador’ e ‘pensador’. O cidadão ou indivíduo, independente do que seja ou de sua função na sociedade, também tem seu conhecimento. Todos tem. Porém, também, todos precisam atentar para ele – o conhecimento – para que ele não se torne ‘verdade’, ou, em outras palavras, ‘determinismo’. A verdade pode ser tão subjetiva quanto à existência do diabo, e o determinismo acaba em imposição de valores, culturas, pensamentos, uns sobre os outros, o que, por sua vez, acaba dando a ‘direção’ da sociedade e seus ‘saberes’. Por isso é que, às vezes, acabamos por reproduzir vulgarmente idéias, conceitos e ideais que acabam refletindo em práticas. Sofremos no contemporâneo, a fragmentação do conhecimento e, conseqüentemente, a fragmentação do pensamento.  É preciso voltar a olhar o mundo de forma abrangente, com grandiosidade e não reducionismos. Um bom observador, um bom pensador que analisa e percebe o mundo a sua volta, com todas as suas diversidades, é um ser sensível, que munido de referências variadas, acaba por relacioná-las entre si e com o meio, e a partir disso, passa a viver mais intensamente os momentos. Isso é ter consciência histórica e de si e certo conhecimento do seu meio, além de ter uma boa relação com o outro.  Na atualidade lidamos com algo nunca experimentado antes, ou seja, a variedade e ‘democratização’ das informações através da internet. Então, façamos um uso, no mínimo, interessante disso. As possibilidades estão aí, basta que as abracemos com vontade.