terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Evangelicalização da cultura e política brasileiras

Cultura e política brasileiras convertidas e doutrinadas. No Estado brasileiro dito ‘laico’, deputados-pastores, alguns deles investigados por corrupção (leia-se Eduardo Cunha, presidente do Congresso Nacional e principal nome na tentativa de processo de Impeachment da presidenta Dilma, processado por não declarar seus milhões ilícitos depositados na Suíça), promovem cultos antes das sessões da câmara. Em Chapecó, uma imagem opulenta de Jesus no pano de fundo da câmara dos vereadores onde discussões e aprovações ou não de projetos acontecem sob o olhar ‘justiçador’ do Cristo. Ídolos midiáticos como jogadores de futebol, lutadores de MMA, apresentadores de telejornais e programas de auditório, duplas de sertanejo universitário, entre outros atletas e ‘artistas’, todos convertidos, motivados e justificados nas suas carreiras ‘profissionais’ privadas pela religião. Ícones da nossa cultura midiática sempre que iniciam um jogo de futebol ou uma luta de MMA, ou quando fazem um gol ou ganham alguma luta, apontam o dedo indicador para o céu num gesto típico dos convertidos, algo muito comum de se ver atualmente por aí. O ‘drama’ (ou ‘trama’) da separação Joelma e Chimbinha (banda Calipso), caso regado de acusações, espetáculos e violências. Antes desta ‘novela’, reportagens sobre a vida idealizada, cercada de riquezas e uma forjada ‘simplicidade’ e cumplicidade amorosa entre o casal que, declaravam-se em bom e alto tom serem evangélicos. Até suas intimidades com o pastor da sua igreja e sua família protagonizaram cenas deste espetáculo regado a discursos emotivos midiáticos e fé, muita fé (ou uma encenação religiosa dela). Todos justificam seus ganhos ou sucessos pessoais atribuindo estes à deus. “Não tomarás o nome do senhor teu Deus em vão; porque o senhor não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão.” (Êxodo 20:7). É o que diz o texto bíblico. Não que eu ache que tudo o que vem da religião seja ruim, não é isso (ou pelo menos, simplesmente assim), mas a questão é que, esta ‘evangelicalização’ da cultura e política brasileiras acaba submetendo a própria cultura e política ao discurso e aos trâmites da religião, em que, seus preceitos antigos (historicamente, em grande parte, desatualizados ou arcaicos) e subjetivos, usados de forma ideológica por muitos ‘líderes religiosos’ e políticos, servem à interesses privados. Isso não é um ‘achismo’ meu, mas uma constatação (leia-se o que acontece no nosso Congresso Nacional hoje com a dita bancada cristã votando em massa conforme seus interesses religiosos particulares). Esta ‘evangelicalização’ acaba criando uma cultura atrelada à determinada ‘crença’ (discurso), onde o limite é, justamente, o que é permitido, abençoado ou não pela religião, melhor, pelos interesses dos seus líderes. E neste caso, é a religião quem se converte em política ideológica. 


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó



sábado, 2 de janeiro de 2016

Rock e saudosismo: uma reflexão de hoje sobre o ontem e para o amanhã...

Quando comecei a ouvir rock, lá no final dos anos oitenta, tinha o mesmo sonho que muitos roqueiros novos hoje também têm. E eu era uma criança. Incrível como hoje isso ainda existe! Em menor grau, mas existe. Uma febre. Vendo aqueles rock-stars, com seus glamoures, guitarras e equipamentos caros, carrões e alguns que tinham até aviões, cercados de belas mulheres, roupas e posturas extravagantes, etc. Tudo resumido no discurso midiático do velho e reducionista clichê: ‘sexo, drogas e rock’and’roll’. Era tudo. Uma ‘rebeldia’ incontida e meio sem causa – ou bastante! (hoje vejo mais como uma ‘pseudo-rebeldia’, pois é algo bem individual e privado). Cresci assistindo filmes do Elvis e comecei no rock ouvindo rock’n’roll’50, depois jovem guarda, hard rock, algo de progressivo e psicodélico. Mas o tempo passou e eu cresci, não tanto em tamanho físico-corporal, mas mentalmente. Naquela época tive sorte ou sei lá o que, pois esta ilusão de status ‘rock-star’ em mim, durou muito pouco. Devido, talvez, a minha timidez, além da educação um tanto rígida que recebi do meu pai e por minhas leituras em literatura, poesia e filosofia. Ou seja, o ‘sonho’ ou ilusão de rock-star pra mim foi um flash. Logo comecei a produzir e compor. Montei minha primeira banda no início dos anos noventa, ainda muito jovem. Comecei com bandas punk. Alguns anos depois, voltei ao ‘rock clássico’, ao garage rock e ao psicodélico. Fui para o rock progressivo com nuances psicodélicas, até assumir de vez o garage rock e o psicodélico. Aos poucos estes títulos ou estilos passaram a se fundirem e geraram o som que faço hoje com meus companheiros/as de bandas. O ‘estilo’ já não é tão mais importante, mas a música e a sinceridade em fazê-la, é. Uma necessidade existencial e artística (de expressão), onde a ideia ou desejo de ‘sucesso’ e/ou ‘fama’ típico do ‘rock-star’ não faz a diferença.

Os anos se passaram e tive boas oportunidades e bons contatos que me trouxeram muito conhecimento musical. Tive acesso e aproveitei. Tanto que tenho uma ‘coleção’ de sons considerável (em rock e muitos outros estilos musicais, além de conhecer outros tantos). Nisso, confesso que também tive minha ‘febre’ saudosista. E ainda bem que para mim foi apenas mais uma ‘febre’, mais um flash. É fato que os anos de 60 e 70 produziram muito do que é significativo, historicamente falando, em rock. Porém, isso também é relativo, pois tivemos muita coisa boa nos anos 50, 80, 90, como temos agora nos 2000. Talvez, a maioria do que ouço em rock data dos anos 60, 70 e 2000. Em menor escala dos anos 90. Por fim, 80 e 50 (não necessariamente nesta ordem). Mas, também é fato (não reconhecido ou concebido por muitos, principalmente pelos chamados ‘saudosistas’) que hoje, em 2016, encontramos bandas e discos tão bons quanto foi nos anos 60 e 70. Só não aceita isso quem é mesmo ‘saudosista’ ou não pesquisa o suficiente, ou ainda, não abre a cabeça (e os ouvidos) para o que de bom (muito bom!) está sendo composto, produzido e lançado em disco por aí. Saudosistas são viciados. Viciados no tempo que passou. Olham para trás toda vez que precisam encarar o tempo atual (presente), buscando recuperar aquilo que não volta mais – o tempo. Não que o tempo, o mundo ou a vida, sejam algo linear como quiseram algumas (e predominantes – infelizmente) teorias filosóficas modernas relacionadas ao tempo, mas, o tempo não para e não volta em existência. Ainda bem que os registros do passado existem e continuam ecoando, inspirando e servindo de referências para o novo. Mais que isso, falamos em cópia ou plágio. Algo nada autêntico ou sincero. Nisso, o tempo de atuar, compor, produzir é hoje. É agora! Mas no saudosismo idealista dos saudosistas, geralmente esta realidade não é aceita. 

Para compor e fazer ecoar algo sincero e autêntico hoje, não é nada fácil. O que mais existe por aí é reprodução e caricatura do que já foi. Ter aquilo que A. Alvarez em seu livro ‘A voz do escritor’ chama de ‘voz própria’, seja em literatura quanto em música (ou outras linguagens artísticas), não é nada fácil nem para todo mundo. Mas, também não é impossível. Para os saudosistas, desistentes da autenticidade e da busca pela ‘voz própria’, sim, ser ‘autêntico’ atualmente é impossível, já que vivem dos ‘sonhos’ (ilusões) e ‘louros’ de um passado já morto. A história continua, pois ao contrário do que pensa o ‘senso comum’, ela não é só passado. Vivemos sempre o presente, e é nele também que a história é escrita e, portanto, vivida. Ou seja, sim, a história continua, e junto dela, continuam as criações e os seres criativos que se atualizam sem precisar desprezar o passado (também tendo-o como referência), mas vivendo o hoje com toda sua intensidade e suas condições. A prova disso está na força das obras artísticas e musicais que hoje, em pleno 2016, mantém vivo um cenário artístico e musical real, ativo, vivo, presente, atual! Aos saudosistas que acreditam religiosamente numa ‘verdade’ sonhada por eles próprios e discursada pelos meios de comunicação de massa que quer manter certo status acima dos nomes mortos (mas que ecoam através de seus belíssimos e importantes trabalhos) que ainda lhes rende muita notícia (e lucros), posso dizer que a história ainda é escrita, registrada, gravada, vivida, e que, belíssimas obras estão por aí, algumas mais conhecidas que outras, porém, ambas expressivas e com intensidade, e que serão boas e contundentes referências para futuros artistas, músicos, compositores e suas bandas, seus discos, suas obras.


Enfim... Não há fim!