Introdução
Lendo um
filósofo de ‘pouco nome’ - destes ‘malditos’, outrora chamados de ‘cães
filósofos’ (a modo de alguns pré-socráticos) - que são extirpados pelo status quo e geralmente malquistos nas
universidades badaladas - mundo afora, Brasil adentro - cheguei onde ele falava
do sistema de castas, e relacionando, ao veredicto torpe (e foi-se minha última
garrafa de Malbec contrabandeado) de que, aqui no Brasil também possuímos
nosso(s) sistema(s) de castas. Mas o nosso é diferente do que o da Índia, por
exemplo (neste momento, um amigo marxista-religioso e sabe-tudo, pelas costas me
grita: ‘Ah sim, são as classes sociais, a burguesia e o proletariado!’. Internamente
respondo: ‘Não, não é diretamente a isso que me refiro. Mas, se assemelha muito’.
Falo das castas (ou classes) dentro de uma mesma profissão, neste caso
específico, a dos professores. Sim, elas existem, as castas! De um modo geral,
professores são divididos entre universitários e colegiais - para além da
nomenclatura ou localização espacial - o que é pior: divididos por um status
dito intelectual e que também acaba sendo social e cultural. Uma divisão que
vem de cima para baixo, hierarquicamente, a partir da titulação (ou das graduações).
Um status que confere a professores universitários certo poder, um poder
hierárquico de tipo classista, independentes dos seus gostos ou convicções (mas
muitos gostam, e como!), a partir dos diplomas (e sua indústria). Diplomas estes
que os ‘autorizam’, ou seja, lhes dão ‘autoridade’ sobre determinados assuntos
(o que seria um tanto justo, não fosse certa realidade na educação, tanto
colegial quanto universitária, e nas relações de poder) mas, mais que isso, uma
autoridade em decisões grupais dentro da própria categoria que, assim, já não é
mais uma única e unida classe que, em tese, por estudar, possui sua
‘consciência de classe’ (como lindamente sonhou Marx), mas uma categoria
dividida em duas classes ou castas distintas, onde uma sobrepõe seu status
sobre a outra, dentro de um sistema de valores hierárquicos que se mantém, se
afirma e se reproduz - e aí sim, a meritocracia tão criticada por muitos passa
a ser justificada e aceita, até tornada ‘justiçamento’, conciliável a certa
acomodação profissional (o discurso muda conforme se altera certa realidade
pessoal). Uma autoridade hierárquica que autoriza mestres e doutos, nos altos
de suas titulações e atribuições (e
Platão ri-se satisfeito pelo seu dualismo idealista ser tão cultivado, onde o
mundo real pertence aos ‘seres de ideias’, mesmo que elas não sejam só suas –
ou bem suas), e os autoriza sob tudo, no discurso. A prática? Bem, a prática é
outra ‘estória’ – o mundo das coisas não é real (mais risos de Platão se ouvem
do além).
Desenvolvimento
Contrapondo isso, o filósofo/filólogo alemão F.W. Nietzsche diz que o ‘eruditismo
exagerado’ pode tornar o conhecimento petrificado, uma imobilização do presente
em nome de um passado sempre revisitado, quando não saudoso e idealizado. Outro
fator da crítica do filósofo ao ‘eruditismo acadêmico autorizado e forjado pela
titulação’ são os ‘especialistas’ que, tornam-se fragmentos de um todo
particularizado e distribuído para que este todo jamais volte a ser percebido
e/ou pensado como sendo-o. Ou seja, um ‘especialista’ é um instrumento da
segmentação e fragmentação de conhecimentos compactuados, o que soma nas
ideologizações e não na amplitude e diversidade do pensamento, do conhecimento
e das linguagens. Em relação a isso, Nietzsche também nos diz sobre o erudito:
(...) não
faz outra coisa senão revolver livros (...), acaba por perder íntegra e
totalmente a capacidade de pensar por conta própria. Se não revolve livros, não
pensa. Responde a um estímulo (um pensamento lido) quando pensa, - ao final a
única coisa que faz é reagir. O erudito dedica toda a sua força a dizer sim ou
não, à critica de coisas já pensadas – ele mesmo já não pensa... O instinto de
autodefesa abrandou-se nele; em caso contrário, defender-se-ia contra os livros.
(LARROSA, p. 31, 2009)
Para Nietzsche, o especialista é “Prisioneiro
do ponto de vista único que domina e que o domina, escravo dos caminhos
trilhados que conhece a dedo mas que impõem a ele o seu percurso”. (LARROSA, p. 31, 2009)
Na sua obra ‘A Gaia ciência’, poeticamente
Nietzsche intitula especialistas e literatos (os que correspondem aos eruditos
e aos jornalistas) de “consumidores e
produtores de livros que não fazem dançar”.
Considerações Finais
No sistema de castas brasileiro, de um lado temos os intelectuais
eruditos especialistas universitários, de outro, os professores colegiais
(ambos suscetíveis a ouvirem sertanejo universitário).
Sim, tudo isso pode ser um grande equívoco ou exagero - ou não. E Marx?
Bem, Marx, para quem o sabe, está bem dito nas entrelinhas (e para além delas).
Conclusão (um tanto
óbvia):
Aqui não é a
Índia, mas também temos nosso sistema de castas.
Referências
LARROSA,
Jorge. Nietzsche & a Educação. 3
ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
SILVANI,
Herman G. Niezsche & Marx: uma gota
de paz em tempos de peleias oceânicas. 95 ed. Xapecó: Clandestina, 2015.
Πλάτων (Platão). O comedor eruditizador das galáxias. 2000 ed. Atenas: Ideal, 400
a.C.
* primeira parte deste 'estudo' adaptado e publicado em forma de crônica no jornal Gazeta de Chapecó.