sexta-feira, 25 de abril de 2014

Leituras do Cotidiano, 25/04


'Autopromoção?’ - escrever e ser...


Volta e meia, um que outro gato pingado pega no meu pé dizendo que me autopromovo, que, às vezes, me falta humildade ou sou até arrogante. Sim, confirmo. Sou ‘arrogante’ na medida do possível, pois, às vezes, infelizmente, é preciso ser (mas só com aqueles que merecem - e eles sabem dos motivos! - se não sabem, sentem). Já para minha autopromoção, tenho uma boa 'justificativa'. Para isso, faço das palavras de Juremir Machado, as minhas: "Muita gente me critica por esse tipo de autopromoção. É pelo bem dos leitores. Já expliquei outras vezes: um maldito é um pistoleiro solitário. Ou atira primeiro, como Django, ou morre. Prefiro atirar. Maldito é o escritor que precisa vender o seu peixe. Se não o fizer, pisa no tomate. Se o fizer, engole espinha de peixe. Melhor ter vinho branco ao alcance dos lábios. Escrever é um vício. A ciência ainda não desenvolveu um medicamento tarja preta capaz de livrar a gente dessa dependência terrível e compulsiva." Complemento e finalizo com as palavras do grande Pedro Juan Gutierrez: "Quando a gente escreve até transformar a escrita em vício, a única coisa que se faz é explorar. E para encontrar alguma coisa é preciso ir até o fundo. O pior é que, uma vez no fundo, é impossível regressar até a superfície. Dixi!


Pensar bem para dizer bem...

Pensar é se atrever a ir além do conforto de simplesmente achar. Quando alguém diz: ‘eu acho’ com certo tom de distanciamento ou não comprometimento, está apenas opinando, e nessa ‘opinação’ não há corpo. Não que a opinião não deva ser ouvida ou considerada, mas pensar requer certo tempo, certo silêncio, mas não o silêncio externo, e sim um silêncio interno. Ao contrário da mera opinião, o pensar requer corpo. Mesmo com todo o barulho do mundo é possível pensar. O ‘achar’ é mais rápido e fácil, pois tem mais som e palavra dita, curta, abreviada, do que as curvas arriscadas do pensar. Quando se opina de forma evasiva, sem nenhuma profundidade ou postura (pois toda opinião requer posição, senão, ninguém precisaria opinar, já que só se opina quando o assunto chama o interesse do opinante), a opinião tem caráter doutrinário ou de disfarce de alguma ideia ou situação. Ou seja, a opinião é dada, não para engrossar o caldo e contribuir ou participar do diálogo, mas para dissuadi-lo, distorcê-lo, e quando isso acontece, é porque não se tolera o âmago da questão ou a ideia posta. No caso, opinião não é o mesmo que ideia ou fundamento. Nisso, um dos sentidos da filosofia, por exemplo, é ultrapassar a mera opinião, ir além do conforto do simplesmente achar. O que difere um diálogo de caráter filosófico de um meramente opinativo é o fundamento ou a fundamentação do que se está dizendo e/ou discutindo. Por isso é que há uma grande confusão quando algo é publicado nas redes sociais, por exemplo. Se se publica, é para alguém ver, ler, pensar, curtir, ou não. Nisso, quem o faz, pode opinar ou tecer comentários a respeito. Porém, quando acontece, geralmente temos esses dois casos mais evidentes: a opinião do ‘achar’ (o que não é nenhum crime), e a ‘opinião’ fundamentada que, já não se trata de uma simples ou mera opinião, mas sim de algo mais elaborado, como uma ideia ou um fundamento de caráter filosófico. Disse tudo isso por um simples motivo: ‘Pensar bem’ é um requisito para se ‘dizer bem’. E um bom diálogo, uma boa discussão ou crítica, requer isso.


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó...



Um pedaço de céu no chão...

Nunca fui noveleiro. Mas atualmente, tenho bons motivos para assistir uma novela, acreditem! ‘Herman assistindo novela? E na Globo ainda?!’. Exatamente! Quando fiquei sabendo que a nova versão da novela ‘Meu pedacinho de chão’ iria ser dirigida por Luiz Fernando Carvalho, dono de obras como ‘Lavoura Arcaica’ (filme) e ‘Hoje é dia de Maria’ (seriado), tive que ver a novela, pois meu ceticismo grita: ‘tem que ver para crer!’. Vi e acreditei, tanto que tento seguir a novela. O horário, às vezes, não permite, mas vejo sempre que posso. Motivos? Uma novela ‘lúdica’, com uma direção artística, linguagens ricas e debates não apelativos (ao contrário do que a maioria das novelas traz). Personagens muito bons e bem interpretados. Também não traz aquela mesquinharia ou mediocridade de outras novelas, aqueles valores de concorrência, inveja, e tudo mais que engorda o ‘espetáculo’ televisivo de horrores. Na obra dirigida por Carvalho, os personagens se ajudam e vivem de forma literária. Não tem a ideologia adulta do menosprezo e da violência camuflada em signos. Tudo é muito literário, poético e filosófico. Uma novela que reeduca, ou no mínimo, abre possibilidades. Se mais espaços nos meios de comunicação fossem tomados por linguagens assim, certamente nosso mundo seria outro, assim como é nessa novela, um mundo de encanto e intensidade, onde é possível imaginar e pensar. 


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 25/04.



quinta-feira, 17 de abril de 2014

Nossa filosofia de dar inveja...

Vivemos no tempo. E vivemos em um tempo específico. Nesse nosso tempo, a que muitos chamam contemporâneo, outros, pós-moderno, outros ainda, hipermoderno e etc., convivemos como nunca, com a informação imediata. Com o conhecimento, nem tanto, eu diria. Nesse tempo tecnológico onde a imagem prevalece sobre a palavra, e a impressão sobre o pensamento, dado a velocidade dos fatos, boatos, rumores e leituras, ainda somos capazes de desenvolver alguma filosofia. Que o diga a funkeira e agora ‘filósofa’ Valesca Poposuda. Na sala de aula, um teste: ‘Alguém conhece Valesca Poposuda?’. Quase que 100 % levanta a mão. ‘Alguém conhece Tom Zé?’. ‘Cri-cri-cri...’ (som de grilo cantando). ‘Alguém conhece Luis Felipe Pondé?’. Dois erguem a mão dizendo - um: ‘Vi ele no programa do Danilo Gentili!’ - outro: ‘Tenho o livro dele!’. ‘Alguém conhece Viviane Mosé?’. ‘Cri-cri-cri...’ (de novo o grilo). Conclusão: ‘os meios de comunicação de massa informam, formam e tornam a ser’, produzindo mais ‘conhecimento’ (ou informação?)  do que a escola e a universidade. A próxima investida, o lançamento do livro dos pensamentos e poéticas do Pedro Bial, ditos no Big Brother Brasil. Certamente será um Best Seller. Alguém paga para não ver? Cá entre nós, nossa vã filosofia é mesmo de dar inveja...


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 17/04.



sexta-feira, 11 de abril de 2014

Leituras do Cotidiano, 11/04

Orlando Sabino, vida e morte: 'o monstro do triângulo' da ditadura














Ele era um andarilho, pessoa da vida, do mundo, e tinha nome: Orlando Silva! – dentre tantos ‘Silvas’ que rodam por aí. Os tempos eram duros, sob tudo para ele. O regime militar atuava de forma real e teatral, violentando, perseguindo, caçando direitos e criando. Criava 'estórias' para legitimar e justificar seus atos. Uma dessas 'estórias' foi a do 'monstro do triângulo' que confessou seus 'crimes' a troco de rapadura, sabendo os agentes da ditadura essa sua paixão por doces. Mortes de pessoas e animais foram atribuídas a Orlando que, preso em um manicômio, viveu 37 anos por lá. Acusação e confinamento injustos. Quando que, quem matava era a ditadura, através de seus agentes. Criaram acima disso uma lenda, um mito, convencendo parte da população regional da suposta 'verdade', de que existia esse 'monstro', alimentando assim, a cultura do medo que silencia. Eis a justiça e a dignidade do regime militar! Eis o monstro! Seus crimes 'monstruosos': ser um andarilho, um clandestino, um nômade, um 'homem de fronteira', pobre de bens, rico em andares. Foi tido como 'doente mental'. Sua doença: não ser ambicioso ao modo acumulativo de viver. Seu 'erro': não participar do jogo, do espetáculo cotidiano - mesmo assim, por este jogo utilizado. Orlando não era comunista, nem tampouco monstro ou assassino. Orlando era apenas gente! Gente que serviu de bode expiratório ao regime militar, no cumprimento das ações ludibriantes e violentadoras dessa ditadura.  Ano passado morreu Orlando Sabino. Ninguém ficou sabendo. Orlando não era conhecido, mas o ‘monstro’ inventado pela ditadura era.  Mas antes de morrer pôde realizar seus sonhos, suas ambições, já que, sendo gente, também os tinha, mas longe dos interesses ideológicos de grupos de poder, regimes e afins. Longe da ganância cultural dessa civilização que não se considera 'doente'. Antes de morrer, Orlando Sabino realizou seus sonhos... Foi chupar laranja no pé. Depois, foi dormir sozinho e em silêncio, deitado na grama... 


*   Em memória.


A universidade federal e o poder público local...

Durante a semana, pelos meios de comunicação, a notícia de inclusão, pelo MEC, de 40 vagas para um curso de graduação em Medicina na UFFS Campus Chapecó, como parte do plano de expansão das vagas para cursos de Medicina em todo o país promovido pelo governo federal. Frente a isso, não vi o senhor prefeito, como ‘autoridade máxima’ da cidade se pronunciando a respeito. Aliás, parece que, desde o começo, o poder público local fez (e ainda faz) corpo mole frente a uma realidade nova, ou seja, um campus de universidade pública federal na cidade. Dada à importância desse empreendimento, as autoridades locais parecem não dar o devido valor a isso. Penso que, em se tratando de uma universidade pública, a prefeitura, antes mesmo da obra do prédio estar funcionando, deveria ter garantido o bom acesso ao local, o que não fez. Essa ‘omissão’ mostra certo descaso do poder público local com os avanços na área educacional e social do país, no mínimo...


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó



O que é afinal este animal chamado humano?



Bichos humanizam pessoas. Já pensaram nisso? Ou seria, animalizam pessoas? A convivência com bichos de estimação já se mostrou um meio muito eficiente de humanizar pessoas. Uma criança cresce mais humanizada, ou seja, sociável, percebendo, vendo e cuidando do outro, quando convive com bichos de estimação. O que diferencia um animal selvagem de um domesticado é a necessidade. Ou seja, a necessidade de um ser selvagem e independente do homem e do outro ser domesticado e dependente do homem. E o que diferencia o homem dos dois, é a cultura. Todos somos seres culturais que desenvolvem modos e instrumentos para poder viver e conviver, com a natureza e sua selvageria e com o outro. Mesmo assim, nunca perdemos nossa natureza, nem nossa selvageria, apenas a controlamos ou escondemos um pouco (ou muito) - ou melhor, nos controlamos. E junto às regras sociais de convivência, temos o fator cultural. Quando um animal doméstico se manifesta como também se fosse um ser cultural, é porque absorveu um tanto da nossa cultura, dos nossos modos, devido à necessidade de sobrevivência e afeto gerado pela sua domesticação. E quando um animal selvagem também demonstra afeto, é porque animais também são seres afetivos. Portanto, é a cultura que define, limita e direciona muita coisa no homem. E é assim que se define também o que chamamos humanidade. Em suma, somos animais culturais humanizados, muitas vezes, pelos bichos que humanizamos.


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 11/04...



sexta-feira, 4 de abril de 2014

Dita-dura e espetáculo...



O regime militar no Brasil que completou 50 anos de golpe nessa semana deixou algumas heranças ao país. Começando por uma educação capenga que somou numa cultura do medo e da fragmentação. Deixou também grandes obras superfaturadas – e não eram os estádios da copa! Mas suas maiores heranças, de fato, são, além dessa educação mecanicista, anti-reflexiva e fragmentada, a cultura da corrupção e da violência. Não que ela não existisse antes, de uma forma mais branda, digamos, mas com o regime militar, aí sim ela passou a caracterizar o Estado brasileiro, nossa política oficial-institucional. Enquanto eles, os militares, caçavam direitos, professores, estudantes, artistas, torturavam gente, os arranjos entre empresas privadas e governo militar, seus políticos e sua elite privilegiada, se instrumentalizavam para um futuro de glórias e louros que viria. E veio. E hoje, eles estão aí, ainda grudados no Estado. Entra governo, sai governo, muitos dos que já foram ditadores um dia, hoje discursam pela democracia. Alguns jornais, algumas revistas, algumas emissoras de TV, as maiores do país, tiraram suas fardas para vestirem o branco e azul de um liberalismo democrata impostor. Juntos, comandam e discursam, fazem de conta que é tudo culpa de uma ameaça comunista que, cá entre nós, nem sequer existe, dos favelados, anarquistas, etc. Há quem comemore os ditadores na demência de um mundo que se arrasta até não sei quando. E o espetáculo continua...


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 04/04...



Leituras do Cotidiano, 04/04


   50 anos da ‘dita-dura’: um golpe na cultura e educação do país...

1 . Há quem goste da ‘dita-dura’. Para esses, só tenho a lamentar. Mas também, vai querer o quê, né?! ‘Mundo pra ser mundo tem que ter de tudo um pouco’, já dizia meu velho avô. A dita, quando fica dura, pode causar algum dano. Decerto eles sabem, pois advertir não basta. Talvez, queiram sentir a ‘dita-dura’ agindo em seus corpos e suas mentes. Não teria nada contra, desde que não fosse com o outro. Se fosse particular, aí sim, tudo bem. Mas acontece que não é. A ‘dita-dura’ come parelho. Quer dizer, geralmente, come quem não a quer, e nesse caso, é estupro. Muitos dos que a querem novamente, é porque foram privilegiados naquele tempo em que ela arrombou a pátria – por trás. Dizem-se ‘patriotas’, orgulhosos da bandeira, mas não sentem remorso em verem seus irmãos de chão ser censurados, perseguidos, torturados, violentados, mortos. ‘São tão justos!’ Chega dá dó. Você que gosta ou quer a ‘dita-dura’ em ação, procure uma que seja só sua, particular, e pare de ‘impor’ aos outros aquilo que nem todos (ou poucos) desejam.

2 . Somos herdeiros de um tempo duro, onde a ‘dita-dura’ comia solta. Nossas maiores heranças foram obras faraônicas superfaturadas, além dos arranjos entre o comando militar, grandes empresários, meios de comunicação de massa e a elite nacional e internacional que bem se serviram dos privilégios desse regime. Ou seja, somos herdeiros dessa ‘cultura de corrupção’ que muito se fala hoje, que não nasceu ontem, de fato, mas que, com a ‘dita-dura’, tomou mais força e se impregnou de vez nas nossas instituições públicas e privadas, e em muitas das práticas cotidianas. Outra grande herança deixada pelo regime, foi a educação. Não uma educação voltada para as relações humanas, mas para a burocracia e formalidade dessa estrutura e cultura mecanicista, onde o saber se fez fragmentado. Uma educação privativa, limitada, autoritária, militarizada, para todos e para ninguém. Assim também se fortaleceu a cultura da obediência, do medo, submetendo a cultura da diversidade e a educação reflexiva. Hoje, alguns professores, os mais ousados, se esforçam e sofrem para mudar essa realidade. As heranças da ‘dita-dura’, de tão dura que a dita foi, deixaram sequelas. Será que um dia elas terão cura?

“A fragmentação do pensamento e do saber é o modo mais eficiente de controle social" (Viviane Mosé)


3 . Uma frase de uma ‘amizade facebookniana’ dizia assim: "A ditadura nunca acabou para os índios e pobres do Brasil". E o que se pode ver pela TV é isso. Ou seja, a ‘paz’ armada ocupando as favelas do Brasil, onde as crianças são as maiores vítimas, entre a violência do Estado e do tráfico organizado. No pretexto de 'ordem' e 'combate às drogas', a estupidez de um Estado arcaico, violento e covarde, e o prevalecimento e também covardia do tráfico, faz as maiores vítimas desse sistema herdeiro: as crianças, velhos, doentes, pessoas comuns, moradores (na maioria afrodescendentes) da favela, onde ambos (Estado e tráfico) se encontram como violentadores da vida dos que só fazem lutar para viver. 

Enquanto isso, a esperança respira: "UFRGS inclui disco ‘Tropicália’ na lista de leituras obrigatórias para o vestibular 2015".



























* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó...