terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Os indesejáveis.. os invisíveis.. e você! (?)



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Natal dos Índios xapecoenses e a Sociedade de Consumo - e do Espetáculo

 

Vou me utilizar do termo/conceito ‘Sociedade de Consumo’ (e do Espetáculo) para fazer referência ao momento - além de irritar (mesmo não sendo essa a intenção) algum pseudo-filósofo intelectualóide da pós-hiper-super-mega-ultra modernidade que se incomoda com isso, dizendo que termos/conceitos como este (assim como ‘burguesia’, por exemplo), já não se usam mais e blá-blá-blá... enquanto o que deveria ser realmente significativo (nas suas ‘análises’ ou divagações, ou delírios?), passam batidos. Alguns que se dizem ‘pensadores’ ainda agem e pensam a partir do idealismo platônico (por incrível que pareça), se portando como se estivessem para além desse mundo material-físico, como para além da Sociedade de Consumo e do Espetáculo (viu, já comecei!). Então vamos ao que (talvez) interessa...

 

 
Crônica daquilo que muitos não querem ver/saber

“Para Nietzsche criar, mais do que um gesto individual, é um processo de integração e participação na vida. A vida cria em suas constantes transformações (...)” (Viviane Mosé – filósofa, poeta e psicóloga)

 

Como todo o ‘bom pagão’ (e ‘consumista’ que também sou) saí de casa de barriga e cara cheia na noite de Natal, depois da comilança, bons tragos e boas risadas com parentes mais chegados e as crianças correndo em volta (a parte mais divertida), para ir me empanturrar e beber novamente em outro lugar. Depois dessa empreitada dionisíaca, o retorno pra casa. Já eram aproximadamente 4 horas da madrugada e as ruas estavam quase vazias, não fosse por alguns grupos de pessoas (ou algo que valha), com seus automóveis tunados, tampões erguidos e o sertanejo universitário tocando em alto volume (essa maldição!). Nesse percurso, alguns cães cheirando a calçada e um gato vasculhando uma lixeira, todos em busca de algum resto de comida. Passando pelo terminal urbano, no centro da cidade, alguns muitos indígenas deitados no chão junto aos seus balaios, em situação precária. Entre eles, crianças e velhos. Lembrei no ato, de outro dia quando fui até a rodoviária e lá também haviam muitos indígenas vendendo seus balaios, em situação precária também. Aquela imagem me entristeceu ao mesmo tempo que me revoltou. Não sou dos que finge não ver, nem daqueles que naturaliza questões socioculturais e econômicas como esta. Aquelas pessoas, suas etnias, seus antepassados, pra quem ainda não sabe ou finge não saber, estavam aqui nesse chão muito antes do euro-descendente judaico-cristão chegar e trazer consigo sua cultura segmentaria, dita ‘civilizatória’. Nessa ‘civilização’ se incluía o subjulgo e exploração do nativo (índio), de forma violenta, além da sua catequização (ou convertimento a fé e moral judaico-cristã), um pretexto para a exploração e o domínio humano e territorial. Tudo em nome de um deus único, supremo e autoritário (pelo menos no discurso impostor da Igreja e dos eurocentristas colonizadores, os mesmos que hoje são ‘ícones’ de um suposto ‘progresso’, de uma suposta ‘civilização’ bem sucedida - ou decadente?). Os mesmos que foram homenageados tendo seus nomes vinculados a praças, loteamentos e ruas da cidade. Enquanto isso, os primeiros habitantes desse chão, os ‘indesejáveis’ desse sistema... bem, você deve saber. Para muitos, esses habitantes não existem. São invisíveis aos olhos de uma ordem sociocultural e econômica que tem por objetivo maior o consumo – de produtos gerados pela ‘exploração do trabalho’ dado pela indústria configurada nesse modo de produção capitalista (leia-se Marx). Nisso, os ‘escravos’ ou ‘viciados’ neste ‘sistema’ produtivo, econômico e cultural, consomem e por ele são consumidos, geralmente sem se darem conta disso. E os indesejáveis continuam não existindo para os olhos cegos que não veem para além dos seus próprios umbigos. Estão tão encantados com o ‘poder ter’, que o ‘ser’ não importa. E o poder público faz vistas grossas a isso, também desprezando a cultura ancestral do povo nativo, seus velhos e suas crianças. E criança é criança, em qualquer parte do mundo, independente do grupo social a qual pertença. Mas, para os olhos doentios do ‘branco civilizado, fiel a Sociedade de Consumo’, isso não vem ao caso. Os indesejáveis, os invisíveis, os diferentes, sobrevivem com os restos dessa sociedade, vistos como inferiores, ainda hoje. Isso explica o ‘sucesso’ de certas campanhas ditas ‘solidárias’ que se fazem aos montes nessas datas oficiais. Depois... bem, depois não interessa (não é?).  

 

“Hoje, com a imensa mudança de meios, diante de um mundo que ao mesmo tempo desaba e floresce, resta ao homem decidir, em cada ação, que postura tomar. Se antes consultávamos um manual do certo e do errado, hoje devemos pensar, elaborar, decidir que caminho trilharemos, e isto exige, não alguém passivo, que siga regras, mas alguém capaz de atitude e transparência. A ética exige autonomia e responsabilidade. Uma atitude ética é aquela que considera o entorno”. (Vivivane Mosé)

 
 

Muito (pouco) se debate dessa questão de forma mais ampliada e dura, ou seja, radical – e é o que é preciso para sair dessa ‘desventura cíclica’ que acontece quando se trata de um tema tão urgente como a ‘ética da vida’ (é pra ontem!). Esse discursinho em torno da ‘questão indígena’ e da ‘vida alheia’, tanto batido por aí (nenhuma vida é alheia, pois ela, a vida, é um todo, uma interação do ‘eu’ com o ‘outro’, e de ‘nós’ com o meio) que já cansei de ouvir pela televisão e em algum ciclo universitário já encheu o saco. E alguns professores universitários, ‘estudantes’ (?) - já que aqui também temos universidades públicas (federal e estadual), o que pensam, dizem e fazem a respeito? Vejo muitos estudantes apenas sugando, fazendo turismo nessas universidades, aproveitando a facilidade de não pagar mensalidade, reproduzindo valores tão medíocres quanto as suas existências, para depois, simplesmente aderirem de forma leviana a essa estrutura, sendo mantenedores e/ou reformadores dela (e alguns estudantes ainda reforçam pré-conceitos e vulgaridades por aí. Imbecis!). Pouco ou quase nada sai deste ‘ciclo’ com corpo, substância e força de transformação. Como eu queria ver os grupos de indesejáveis reunidos em uma guerrilha, como a dos Chiapas Zapatistas no México por exemplo, resistindo a todo esse circo. Mas a mediocridade e conivência das ‘instituições legais e sagradas de poder concentrado e constituído’ (famílias, escolas, universidades, igrejas, clubes e ordens sociais, empresas midiáticas, poder público, Estado, etc...) também obedientes e complacentes ao consumismo e ao espetáculo, são tão reducionistas e vaidosas que não se movem para além de seus núcleos, seus interesses e vícios. Mas, contudo, não sejamos pessimistas, pois, toda ordem acaba um dia ruindo de forma a degradar a própria cultura que a mantém. E isso, senhores e senhoras, já está acontecendo. Talvez não percebam (a cegueira é tanta!), mas... o Caos, neste sentido, sempre sopra a favor dos invisíveis e indesejáveis desse mundo, e ele é maior do que tudo isso. Que isso não sirva de conforto, mas de força motora aqueles que, assim como eu, já cansaram de toda essa ladainha de um ‘amanhã melhor’, ‘mais justo’, assim como, dos discursos em torno dessas ‘desigualdades’.

 

"No es el conocimiento lo que nos acerca a los santos, sino el despertar de las lágrimas que duermen en lo más profundo de nosotros mismos". (E.M. Cioran - De lagrimas y de santos)

 
hgs.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O Fim do Mundo é uma abstração!



 
 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 

 
 
‘Ensaístas da morte’ pregam & pregam o apocalipse. São tarados pela morte. Anunciadores do Fim do Mundo. Faz tempo que eu ouço discursos e falas que são ameaças a vida. Todos morrerão um dia, isso é fato. Só não sei quando. Não posso e nem quero saber. Se o apocalipse tem hora marcada, não sou eu quem vai mudar isso. Aliás, ninguém vai. E isso pouco me interessa. Estou mais preocupado com a vida no momento. Os ‘sinais’ de uma possível aproximação do Fim aparecem aos poucos e vão crescendo. Mas isso não anula outra possibilidade: a de Vida. Muitos passam seus dias preparando a alma para o abandono do corpo (ou para a morte), por isso vivem com a cabeça em outro mundo. O medo da perdição e da condenação eterna, tão difundido pelas religiões ocidentais, e que gera uma covardia e uma vaidade pessoal, muitas vezes inconsciente e que acaba por se tornar o alimento de um individualismo medíocre e egoísta. A preocupação com o Fim e o medo da morte coletiva gera a defesa de valores e morais retrógrados e a manutenção de tradições seletivas e intolerantes, culminando na reprodução de um modo de vida baseado nessas tradições. Por isso, a exemplo de alguns pensadores mais sensíveis e intensos, “desprezo o ‘Fim do Mundo’ como um ícone ideológico apontado para minha cabeça pela religião, pelo Estado & pelo meio cultural, como uma razão para não se fazer nada”. O ‘imaginário da morte’ e sua reprodução ou mesmo mercantilismo, agem na mente humana tanto quanto a censura ou a lavagem cerebral feita pela mídia. ‘Quem tem medo obedece!’ – e isso se configura numa estratégia de alguns poderes organizados para o domínio sociocultural, o controle e manutenção dos interesses de um grupo sobre outro. Óquei, já estou alertado do apocalipse. Agora chega de me encherem o saco com isso. Se tiver que morrer, eu morro e pronto. Sinto decepcioná-los, mas o Fim virá individualmente, para cada um e da sua maneira. A morte é uma certeza, e é pra TODOS! O Fim geral não existe. A vida não morre, ela se transforma. Portanto, chega de premonições e ameaças. O tempo nos pede ação. E não há nada mais vivaz do que a alegria de viver com certa intensidade. Portanto, passemos a venerar a vida, deixando a morte vir sem alarde. ESTAMOS VIVOS!

Herman G. Silvani
 
 
* também publicado no jornal Folha do Bairro - 21/12/2012
 
 
 

O fim do Mundo

 
 
 
 
 
 
 
 
Comunicado #4 
A AAO declara-se oficialmente entediada com o Fim do Mundo. A versão canônica tem sido usada desde 1945 para nos manter acovardados diante do medo da Inevitável Destruição Mútua e em chorosa servidão aos nossos políticos super-heróis ( os únicos capazes de lidar com a fatal Criptonita Verde)... 

Qual a importância de termos descoberto uma forma de destruir a vida na Terra? Quase nenhuma. Nós imaginamos isso como uma forma de fuga da contemplação de nossas próprias mortes individuais. Criamos um emblema para servir como imagem-espelho de uma imortalidade descartada. Como ditadores dementes, desfalecemos ao pensar em levar tudo conosco para o fundo do Abismo. 

A versão não oficial do Apocalipse envolve uma nostalgia lasciva pelo Fim e por um Éden pós-Holocausto onde os sobreviventes (ou os 144 mil eleitos das Revelações) podem se entregar indolentemente às orgias de histeria dualista, aos intermináveis confrontos finais com um demônio sedutor... 

Vimos o fantasma de René Guénon, cadavérico e usando um fez (como Boris Karloff interpretando Ardis Bey em A Múmia), liderando uma funérea banda de rock noise industrial em altos zumbidos de moscas negras pela morte da Cultura e do Cosmos: o fetichismo elitista de niilistas patéticos, o autodesprezo gnóstico dos intelectualóides ``pós-sexuais''. 

Não seriam essas baladas sombrias simplesmente imagens-espelhos de todas as mentiras e superficialidades sobre o Progresso e o Futuro, berradas em todos os alto-falantes, e emitidas, no mundo do Consenso, como ondas cerebrais paranóicas de qualquer livro escolar e da TV? A tanatologia dos sofisticados milenaristas brota como pus da falsa saúde do Paraíso de Trabalhadores e Consumidores. 

Qualquer um que pode ler a história com os dois hemisférios do cérebro sabe que um mundo termina a todo instante - as ondas do tempo lavam tudo e deixam apenas as memórias de um passado fechado e petrificado - memória imperfeita, ela mesma moribunda e autonal. E a todo instante também é gerado um mundo novo - apesar dos protestos dos filósofos e dos cientistas cujos corpos se paralisaram - uma atualidade na qual todas as impossibilidades se renovam, em que arrependimentos e premonições dissipam-se em nada num único gesto presencial, psicomântrico e hologramático. 

O passado ``normativo'' ou a futura morte do universo significam tão pouco para nós quanto o PIB do ano passado ou a degeneração do Estado. Todos os passados Ideais, todos os futuros que ainda não passaram, simplesmente obstruem a nossa consciência da vívida presença total. 

Certas seitas acredita, que o mundo (ou ``um'' mundo) já chegou ao fim. Para as Testemunhas de Jeová, aconteceu em 1914 (isso mesmo, senhores, estamos vivendo o Livro das Revelações agora). Para certos ocultistas orientais, aconteceu durante a grande Conjunção dos Planetas em 1962. Joaquim de Fiore proclamou a Terceira Era, a do Espírito Santo, que substituiu a do Pai e do Filho. Hassan II de Alamut proclamou a Grande Ressurreição, a imanência do eschaton, o paraíso na Terra. O tempo profano terminou em algum ponto da Idade Média. Desde então, vivemos em tempos angelicais - só que a maioria de nós não sabe disso. 

Ou, partimos de um ponto de vista monista ainda mais radical: o Tempo nunca começou. O Caos nunca morreu. O Império nunca foi fundado. Não somos e nunca fomos escravos do passado ou reféns do futuro. 

Sugerimos que o Fim do Mundo seja declarado um fait acompli; a data exata não importa. Os ranters, em 1650, sabiam que o Milênio se inicia agora em cada alma que desperta para si mesma, para o seu próprio centro e divindade. ``Regozije-se, companheiro'', era o cumprimento que usavam. ``Tudo é nosso!'' 

Eu não quero participar de qualquer outro Fim do Mundo. Um garoto sorri para mim na rua. Um corvo negro pousa numa árvore de magnólias rosadas, grasnando enquanto o orgônio se acumula e é liberado numa fração de segundo sobre a cidade... o verão começa. Eu posso ser seu amante... mas cuspo em cima do seu Milênio.
 
Hakim Bey (Caos: Terrorismo Poético & outros crimes exemplares)
  

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Um papo pop entre os andares do prédio (ou 'O papo é pop')


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
Ei! Você não tinha barba?

Tinha! Tirei. Às vezes eu tiro. E ela sai. Mas ela sempre volta. E eu tiro de novo. E ela volta. Aí eu volto a tirá-la. E sempre que eu tiro, não demora muito, ela volta.

Ah tá! Não é você também que escreve num jornal aqui da cidade?

Sim. Escrevo. E eles publicam. E eu escrevo de novo. E eles publicam outra vez. Você também escreve uns textos num blog, não é?

Sim. É mesmo. Também!

Seus textos são um pouco polêmicos, assim como algumas publicações suas no facebook.

É? Tu acha?

Não que eu ache, mas, geram algumas polêmicas.

Eu não acho.

Mas, tem quem ache.

Na verdade, os textos são aquilo, os textos. São algumas pessoas que polemizam.

É, também acho que seja isso mesmo. Mas também escreve poesia, contos e textos filosóficos, não é?

É, mais ou menos. Às vezes eu me arrisco.

Legal! Ah! Acho que também já te vi tocando por aí numa banda de rock.

Sim. Eu toco.

Muitos shows?

É, alguns!

Legal! Ouvi seu som.

É? Ah, legal!

Gostei! Sou mais MPB, mas gosto também de rock quanto é bem feito.

Ah, obrigado pelo bem feito!

De nada. Também vi que luta alguma coisa.

Eu?

É!

Não, eu não luto.

Mas vi uma foto sua em estilo lutador, com aquelas roupas...

Ah, aquilo não é luta, é só uma posição de Wing Chun.

E o que é isso?

Uma arte marcial chinesa. Kung-fu. E eu não luto, pratico ou treino. 

Ah, tá! Mas e se precisar se defender?

Aí eu me defendo.

Então luta...

Não, assim mesmo, evito a luta.

Ah, acho que entendi. É professor, não é?

Sim. Quer dizer, dizem que sim.

Tem cara de professor de Filosofia.

Porque?

Ah, sei lá! Mas tem.

É, dizem que sou.

O que...

Professor de filosofia.

Ah, que legal!

Mas também de história, sociologia e linguagem.

Que legal! Bah, deve ter um repertório e tanto?

É, mais ou menos.

E faz o que aqui no prédio?

Sou assessor do sindicato dos professores da rede particular de ensino.

Nossa! Mais isso ainda?

É. Eu tento.

E tem tempo pra viver?

Isso é viver pra mim.

Então está feliz?

Geralmente... Mas, e você? Quem é você e o que faz?

Ah, desculpe. Só fiz perguntas... Prazer! Eu me chamo Maria... e te conheço...


sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Mundo novo (uma estória real)


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
Passados alguns anos resolvi retornar. Minha ausência foi sentida por aqueles que me amavam. Eram poucos, mas existiam. Antes da fuga, estive ao lado dos que portavam a esperança. Eram muitos. Visivelmente, lutavam para ter seu espaço, sua vida. Os demais tentavam de todo modo obstruir a luta. Tornar tudo inviável. Um projeto de anos. Não estávamos pra brincadeira. Fazíamos barricadas no deserto, manifestos no chuveiro, projetos para desviar o curso dos rios e tudo mais. Criamos empresas para juntar grana e dar vida prática aos nossos projetos. Foram tantas! Lembro que no meu apartamento, apertado, de pouca luz e sem nenhum móvel, montei uma transportadora, a ‘Transpirâmide’. Adquiri dois caminhões e um telefone fixo. Fiz sociedade com a dona Jacira do apê ao lado. Ela não andava nem ouvia direito e mal sabia escrever seu nome. Por isso deixei-la na incumbência de atender os telefonemas e anotar os recados. Criamos o lema: “TRANSPIRÂMIDE: transportamos sua pirâmide com segurança e rapidez por um preço bem menor do que o tamanho dela!” Nada novo, um clichê até, mas objetivo. Criamos uma editora para publicar nossos manifestos e livros teóricos, a ‘EDIONDA’, fazendo jus a nossa causa - que era realmente uma onda! Tínhamos até uma sede própria que resolvemos riscar do mapa para que ninguém a encontrasse, nem nós mesmos. Nossas reuniões eram telepáticas, estratégia para que ninguém viesse nos capturar. Tudo ia muito bem até que eles chegaram. Armados de ódio e sedentos por poder. Descobrir nossos planos era a meta do imperador. Acabamos por desaparecer através de nosso tele transporte baixado pela internet. Por ser pirata, às vezes não funcionava e por isso alguns camaradas ficaram presos no caminho sem chegar ao destino. Agora para encontrá-los só on line. Estão viajando na rede como vírus. Uma outra arma muito eficiente descoberta por nós. Tínhamos um pacto que dizia que ‘onde estivéssemos, até a morte, tramaríamos contra o sistema’. Assim, a missão dos ‘piratas da rede’ tornou-se a que nos dá os maiores resultados.


 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Efeito Zumbi




 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Século XXI. Semi-humanos rastejam-se pelas ruas, assustadores, com seus olhos sem vida e seus cadáveres tortos. São seres ocos que divagam por aí. Quando criança eu acreditava em zumbis. Via aqueles filmes com aquelas criaturas medonhas e me encantava, num encanto terrível e sedutor. Um desses filmes se chama “Extermínio” (do inglês Danny Boyle, o mesmo diretor de outros grandes filmes como “Trainspotting”, “Cova Rasa” e do ‘oscarizado’ sucesso: “Quem quer ser um milionário”). “Extermínio” fala de um mundo povoado em por zumbis, aqueles mortos-vivos eternizados pelos filmes “B”.

Hoje a ficção torna-se realidade e o mundo passa a conviver com um fenômeno urbano, que se alastra como um vírus. Ainda não passa de pessoa para pessoa, mas passa de mão em mão. Zumbis existem! Perambulam pela cidade fissurados e paranóicos, numa alienação que acompanha a loucura dos dias contemporâneos. As autoridades que antes caçavam maconheiros sonolentos pelas esquinas, agora realmente têm com o que se preocupar. Perceberam que a erva não era nada e continua não sendo, comparada ao crack. E me parece que este veio para ficar.
 
O crack prolifera como uma praga criando uma nova categoria de seres (quase) humanos, os zumbis. O crack deixa o mundo impotente frente ao seu poder consumível: almas vazias em cadáveres que se movem. Questão de saúde pública e muito mais que isso. Mobilizam-se ONGS, empresas, igrejas, imprensa em  torno de uma bandeira que diz: ‘Crack nem pensar!’. Eu diria: ‘Crack, pensar sim!’, pois há de se refletir, há de se pensar sobre os motivos do ‘efeito zumbi’. Para os marginalizados, uma fuga para o outro mundo (o mundo dos zumbis). Semi-humanos mortos-vivos que trocam a dor de uma existência mínima, diminuta, sofrida, miserável, por uma meia existência, uma meia dor. Talvez assim, os zumbis, abandonando o sonho de ‘ser’ nesta realidade de ‘ter’, estejam mais coerentes com suas reais condições existenciais. Quem já assistiu “Trainspotting” (já que o citei aqui), talvez compreenda os motivos dos zumbis.


* re-publicado no jornal Folha do Bairro, Nov. 2012.


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Você. Até quando?




 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Com um riso de bobo, me ponho a blasfemar. Da minha boca saem cobras, aranhas, lagartos e outros bichos que você não quer nem ouvir falar...

Você é tão pura e eu sou tão sujo. Você canta sua canção de (pel)amor - um sertanejo dito universitário - enquanto eu me atrevo num samba de terreiro...

 Um de nós dois não é certo da cabeça. Tudo bem, tudo bem, pódeixar que eu assumo - já que o criminoso aqui sou eu. Mantenha sua postura...

Vai precisar dela para viver aí fora, nesse mundo cheio de impostores que mantém uma postura para representar algo que não são...

Eu, de minha parte, me assumo. Tenho coragem - ou tolice - suficiente pra isso. Aqui estou eu, basta você acreditar nisso. Mas esse sou eu mesmo?

Um poema não resolve o seu problema, pois poemas nem de longe são alguma solução. Antes um problema. Um poema equivale a um problema...

Por isso, eu gosto de um problema ou outro. Um poema de vez em quando para lembrar de que ainda há vida na terra - e que a terra continua viva...

Um naufrágio na garrafa de rum me enche de vida. Um voo para além da sua visão me torna outro eu – um eu que é aquele quando não sou...

Hoje parei para descansar. Peguei um papel e a caneta. Resolvi um suicídio com um poema. Saiu errado. Sujo. Sem nome. Transfigurado...

Alguém ainda ousa. Alguém ainda pisa em chão de terra. Alguém ainda canta para além da comoção alheia. Alguém ainda faz da arte uma desconfiguração...

 Nisso tudo, sou a dor que acalenta. A espuma no fundo do copo da cerveja amarga. O tabaco da ponta do charuto que se foi com o vento pra não sei onde...

Sou isso e aquilo. Um sem nome ou um nome qualquer. Você é quem me diz. Sou o que quer você - quem eu seja. Isso que você vê no espelho – pode ser?

Não tenho respostas. Não sou um homem de respostas. Antes, um perguntador que não se cansa de querer saber. Mas, se não souber, tudo bem!

Você que tem tanta certeza. Você que vive em suas convicções e crenças. Você que me (des)preza num ato de desespero. Você que só me vê com seus olhos criados...

Você!
 
Até quando será você?

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

De escolas e prisões

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
(obra de Banksy)
 
 
Vivemos entre escolas e prisões. Alguns não concordam com esse meu apontamento. Acham ele um pouco pontiagudo, cortante. Mas é pra ser mesmo. Ultimamente estou sendo bastante requisitado por estudantes universitários das áreas de humanas e sociais para opinar e responder entrevistas sobre educação, sala de aula, o ‘ser professor’, realidade escolar, etc. Também fui procurado para dar oficina de poesia numa grande escola particular aqui da cidade, dado a necessidade dessa linguagem sensível e criativa, quase morta no contexto atual. E lá vou eu. Aceito quase tudo. Sou um homem multiuso. Sirvo pra muita coisa ou pra nada, isso tudo vai depender de algumas variantes. Num sistema contraditório em sua origem, ou numa sociedade mecanizada como a nossa, é necessário ter certas habilidades, como caminhar por espaços diversificados. Não que eu quisesse, mas me constituí assim (e não estou acabado, continuo). Anda em voga uma discussão sobre a obrigação ou não de câmeras de monitoramento dentro das escolas e nas salas de aula. Minha opinião? Acho ridículo! Motivos? Vários, mas um em especial: ‘Escolas não podem estar a nível das prisões’, assim como o professor e os alunos, ‘vítimas’ desse ‘sistema’, não podem se renderem a essa condição. Vi pela televisão a mais nova: uma escola no Brasil que implantou um chip no uniforme dos alunos. E alguns professores aplaudem. E alguns pais aplaudem. E a escola vira um circo – de horrores. Um picadeiro onde os palhaços riem da própria desgraça. Sim, desgraça! É onde estamos chegando com isso. Com o pretexto da ‘violência’, se implantam esses ‘melhoramentos’ (ou escapismos?). O outdoor que desenho na minha cabeça: ‘Escolas ou penitenciárias?’. Um tal ‘especialista em educação’ defendeu que o chip evita a fuga e desistência de alunos da escola e da sala de aula. A pergunta que quer gritar: ‘mas quais os motivos dessas fugas?’. Os discursistas em pró desse ‘sistema escolar’ vão dizer que a culpa é do professor, que não consegue dar uma aula atrativa – mas professor não é palhaço e escola não é circo (ou é? já não sei!). Se existe uma ‘fuga’ do aluno, não seria pelo fato de que o ‘sistema escolar’ já não tem sentido - pelo menos do modo que ainda insiste em ser? Mas fica mais fácil apontar o dedo para o professor. Ele e o aluno são ‘o problema’. Mas e a família? E a escola? Os dois juntos formam esse ‘sistema’, onde professor e aluno, são os ‘submetidos’, os meios e/ou ‘objetos’ que sustentam esse ‘sistema’. A escola é um espaço isolado, segmentado, dentro de uma sociedade que já não suporta suas próprias falhas ou faltas. E a culpa, é claro, é do ‘trabalhador’ (professor) e do aluno (pobre errante!). E a violência, se combate com monitoramento? Com isolamento, afastamento ou segmentação? Não, isso não é combate, antes, maquiagem. É preciso que se derrubem os muros, as grades e cadeados da escola. ‘Mas como Herman, numa sociedade assim?’. Como, eu não sei, mas é preciso. Se a sociedade é assim, talvez seja porque a gente, o ‘mundo adulto’, a conceba assim, reproduzindo-a. E essa reprodução chega até a criança ou o aluno, pela família, escola e professor. Portanto é preciso resistir. ‘Como?’. Arriscando-se. Fazendo o diferente, com aulas ‘alternativas’, diversificadas, para além dos muros da escola e dos conceitos engessados que os ‘aparelhos reprodutores’ mantém legitimados. É preciso ir além e desconstruir, o mais é aprisionamento.
 
 
* publicado também no jornal Folha do Bairro, do grande bairro Efapi, em 09/11/12
 
 
 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A vida é agora! (o valor da vida a partir da noção da morte)


* entre o dia dos mortos ou finados, zumbis, bruxas, hallowen e o escambau, existe algo a mais para pensar... mas, o que realmente te atormenta?
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
Tudo o que é sólido se desmancha no ar (Karl Marx)

 Na belíssima obra “O homem que sabe” da filósofa, poeta, psicóloga e professora brasileira Viviane Mosé, tendo por base os pensamentos do filólogo e filósofo alemão F. W. Nietzsche, na ‘Parte I’, que leva o título de ‘O Homo sapiens e a consciência da vida’: ‘1. A consciência da morte e o princípio do pensamento organizado’, Mosé nos diz: “Tudo indica que a consciência da morte foi a primeira manifestação da consciência humana”. Ou seja, adquirimos consciência a partir da noção da morte, ou, de que vamos morrer um dia. Sendo o homem, o único animal que pensa a morte, que tem ela ao seu lado enquanto consciência a vida toda. Somos a única espécie viva que produz cultura, além do fator instintivo, como uma forma de mais ou menos organizar a vida, o cotidiano, o pensamento, reproduzindo valores, como tradições, crenças, hábitos e costumes. Sendo assim, o homem é o único ser vivo a ter um ritual funerário e preparar sua vida, tendo sempre em vista o prazer. Nisso, preparar um alimento deixou de ser apenas uma necessidade de sobrevivência, passando a ser uma cultura, uma arte, ou seja, uma ação, como um ritual que nos proporcione um sentimento de prazer. Então, além de uma necessidade básica, comer, também se tornou parte importante e prazerosa da cultura humana, e isso vem do valor dado a vida por nós, seres culturais. Referente a isso, Mosé também nos diz que “A consciência da morte nos impulsiona em direção à vida; a morte nos impõe a vida como um valor”. E valorizar a vida, em algum sentido, é construí-la em torno do prazer – ou da busca por ele. Assistir um filme, assim como dançar, praticar sexo para além da reprodução, entre outros, são exemplos dessa ‘cultura do prazer’, e porque não, cultura da vida. Mas o que é a vida então? Não há um conceito que a defina em toda sua amplitude, mas, concordando com Mosé podemos dizer que “(...) o que nos constitui como espécie é, antes de tudo, a constatação da morte como o eterno limite. Se tudo nasce e morre, a vida é um intervalo entre uma coisa e outra”. O homem, além de viver, sabe que vive, por isso interfere de forma mais ou menos consciente na vida, e a organiza (ou pelo menos tenta), ao seu modo. Vivemos, portanto, pensamos a partir do meio que nos cerca, de certo contexto, sempre impulsionados em direção à cultura. Se a morte é um problema pra ‘nós’ ocidentais de moral judaico-cristã, a mesma moral que prega uma vida após a morte, mas a todo tempo, tenta afastar a morte dessa vida, é devido a certo receio e/ou medo do desconhecido, pois, o que é a morte senão o desconhecido? Às vezes, o que não sabemos, transformamos em distância ou esquecimento. Mas ela, a morte, sempre vem nos sacudir: “estou aqui!”. Admitir a morte como algo natural e que nos vem de encontro uma hora ou outra, nos faz valorizar a vida. Então, tratemos de vivê-la de forma intensa, sendo que a vida só existe na relação com o outro e com o meio. Nisso, olhemos sempre para ‘o outro’ tendo em vista também a realidade que nos cerca, e façamos da vida algo ‘real’ e não um ‘ideal de vida’, pois ela acontece agora e não num amanhã que se idealiza – pois a vida se move e se transforma a todo o momento - assim como canta a banda de rock xapecoense Epopeia: “Viva sem demora/ a vida é agora/ para quem quer se mover!”.

 Herman G. Silvani

 
02/11/2012 – dia de finados para os cristãos

* também publicado no jornal Folha do Bairro