A linguagem mercadológica
empobrece a arte
Apreciador e pesquisador de arte de longa data e suas variadas
linguagens, há tempos também produzo. Sob tudo, me arrisco escrevendo algo em
literatura, compondo música e fotografando. Essas são as linguagens artísticas
que ‘pratico’ e por onde me expresso. Não ganho a vida só com elas, mas também
não nego que, algumas delas me ajudam no orçamento mensal. Mas isso não é tudo.
De uns anos pra cá, muito se fala em ‘qualificação’ ou ‘profissionalização’ artística, a partir da ideia de
‘profissão’ ou ‘profissionalização’. Nisso, consideremos nossa vida cotidiana
que é adequada ao modo de produção capitalista, no sentido econômico de
sobrevivência. Dentro disso, o que mais ouvimos falar é de um tal ‘mercado de
trabalho’. Em ‘produção artística’, se ouve falar em ‘mercado da cultura’ ou
ainda ‘mercado artístico’, quando não, ‘produto cultural’ ou ‘artístico’. Pois
bem, são termos, definições, conceitos e concepções que se expandem no
corriqueiro dos dias. Acontece que, muito do que se anda produzindo sob a égide
do tal ‘mercado’, vem de uma exigência limitadora dessa produção, o que
interfere, direta ou indiretamente no ‘conteúdo’ artístico (o que na linguagem
mercadológica se chama ‘produto’). Como compositor musical, não faço música com
a finalidade de submissão ao dito ‘mercado’, ou seja, não componho com o
objetivo principal de tocar minha música em rádios. Não que isso não seja
interessante ou importante, mas, essa ‘regra’ estética e limitadora de tempo
imposta pelas ‘mídias oficiais’ acaba empobrecendo ou mediocrizando a linguagem
artística, onde a expressão, a estética (forma, beleza, detalhes, rasuras,
impressões, dinâmicas, etc.) do conteúdo artístico ficam submetidas a essa
‘regra’. Enquadra-se, reduz-se, limita-se, superficializa-se assim, aquilo que
poderia ser amplo, intenso, profundo. Pegamos a música como exemplo. Muito da
música que se produz e se consome hoje, tanto nas rádios como na TV,
principalmente, é uma música formatada segundo as ‘regras’ deste mercado, desta
‘indústria cultural’. O preço que o ‘artista’ paga é o empobrecimento do seu
material, do seu conteúdo, da sua expressão, da sua arte. Uma arte submetida às
regras do mercado ou da indústria - a imagem triste e medonha deste ‘jogo’.
Assim, a arte perde o que tem de mais importante, sua ‘espiritualidade’, a
exemplo do que diria Andrei Tarkowski (grande mestre do conceito, da imagem, do
cinema arte). A ‘voz própria’ (conceito a partir de A. Alvarez, ensaísta da
linguagem literária), não é possível com isso, e ao contrário, aquela que seria
a ‘expressão’ do conteúdo e/ou do artista, tornasse uma ‘não voz’, ou seja, um
mero produto ‘formatado’ de mercado, pois soa como os ‘demais’, sem
autenticidade e espiritualidade alguma. A particularidade de cada ‘voz’ é
importante e intransferível na arte. Por exemplo, já que falamos em música, ao
ouvirmos guitarristas como Eric Clapton, Jimi Hendrix ou Santana, logo de cara
reconhecemos seus solos e timbres, pois estes tem ‘voz própria’ no que fazem e
compõem. Quando ouço rádio, geralmente o que ouço é o oposto disso. Muito do
todo soa bem parecido, ou seja, dentro das ‘regras’ de estética e tempo que a
massificação do conteúdo artístico tornado mero produto impõe. Eis a miséria de
muito produto e pouca arte que se propaga pelos meios de comunicação de massa,
onde pouco se comunica e se expressa (artisticamente falando), e muito se
doutrina e se vulgariza.
* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.