domingo, 15 de janeiro de 2012

Natureza Selvagem...

Mar, cães & kung-fu

 

Depois da polêmica em torno da minha saída repentina do jornal, o que foi relacionado ao ato de ‘censura’ sofrido pelo Estúdio A (entre outros acontecimentos de ordem política), acabei me ausentando por uns dias e fui descançar minha cabeça no litoral catarinense. Algumas pessoas de que encontrei pela rua (aqui e lá no litoral), outras que me escreveram, todas perguntando a mesma coisa, se eu parei também com o blog. Na verdade... não sei. Por enquanto, só posso dizer que estou dando um tempo. Agradeço pelas palavras sinceras daqueles que, de alguma forma, prestigiam meus textos, meu trabalho. Posso dizer que, no momento, estou me deticando a outros trabalhos. Voltei a estudar (‘oficialmente’ falando), e estou com novos projetos. Aí divido ainda mais meu tempo entre os estudos e trabalhos. Não ia postar nada aqui, mas, entre modismos que vão de Michel Teló até o teatrozinho global do UFC, isso me surgiu e devido a sua beleza e profundidade, não tive como não fazê-lo.


Enfim... não há fim.  hgs.

 

*

 


Na natureza selvagem


"Entendi uma coisa. Sair da vida dos outros é um exercício que a estrada impõe a caras como McCandless. Uma etapa que vem antes de sair da própria vida. Daí a felicidade e a tristeza de seguir em frente. Era por isso (ou disso) que McCandless sorri nessa foto – um sorriso selvagem de quem, em primeiro lugar, sabia-se herdeiro de uma memória de outras memórias. Depois, o sorriso de quem lançava essa memória – junto com suas lembranças mais embaçadas – para o além. Vejam o filme, leiam o livro. Chris McCandless conseguiu vislumbrar a eternidade."


(Trecho do livro “Charque” de Marcelo Mirisola)

 

 

*

 

 

o pássaro azul

 

há um pássaro azul no meu peito que
quer sair
mas eu sou duro demais pra ele
eu digo, fica aí, não vou
deixar ninguém te
ver
há um pássaro azul no meu peito que
quer sair
mas eu meto uísque nele e dou um
trago no meu cigarro
e as putas e os garçons
e os balconistas dos mercados
nunca percebem que
ele está
aqui dentro

há um pássaro azul no meu peito que
quer sair
mas eu sou duro demais pra ele
eu digo,
fica quieto, você quer zoar
comigo?
quer ferrar com meu
trabalho?
quer acabar com a venda dos meus livros na
Europa?

há um pássaro azul no meu peito que
quer sair
mas eu sou esperto demais, só o deixo sair
à noite, às vezes
enquanto todo mundo está dormindo
eu digo, eu sei que você está aí
não fique
chateado
então o ponho de volta
mas ele canta um pouco
aqui dentro, não o deixei realmente
morrer
e dormimos juntos
assim
no nosso
pacto secreto
e isso é o bastante pra
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, você
chora?
 

Charles Bukowski

 




sábado, 7 de janeiro de 2012

Rum!




















(...)

Quando soube que nunca mais ia tê-la, enlouqueci: Antes que se passe um segundo você terá morrido cem mil vezes, diz uma frase do Corão e eu tive que vivenciá-la. Ela não tinha deixado de me amar mas seu amor estava doente e não suportava a minha presença. Vi toda a dor nos seus olhos, todas as minhas traições e mentiras, eu era a pessoa entre ela e eu, o rival impossível. Então, quando já não importava, o meu amor eclodiu: seu amor doente não opunha resistência e o meu foi em direção a ela como um raio mas ela estava fechada. E o meu amor ficou comigo e houve gotas de sangue no meu silêncio. Ela se afastou e eu entrei no quarto do castigo, o menos florido de todos os manicômios, e ainda não saí.

Efraim Medina Reyes


*
( Canto lírico dedicado à Nietzsche )

Como o amigo ama o amigo,
Assim te amo, vida surpreendente!
Quer me alegre ou chore contigo,
Quer me proporciones alegria ou sofrimento,
Amo-te com tua felicidade e tua dor,
E se tens de me aniquilar,
Ao te deixar eu sofrerei.
Como o amigo que se arranca aos braços do amigo,
Te apertarei com toda a minha força :
Se já não tens felicidade a dar-me,
Dá-me tua dor.
                                                           Lou.

Lou Salomé

















Friedrich Nietzsche, 1899 (1844 - 1900)

*


Perdão se pelos meus olhos não chegou
mais claridade que a espuma marinha,
perdão porque meu espaço
se estende sem amparo
e não termina:
- monótono é meu canto,
minha palavra é um pássaro sombrio,
fauna de pedra e mar, o desconsolo
de um planeta invernal, incorruptível.
Perdão por esta sucessão de água,
da rocha, a espuma, o delírio da maré
- assim é minha solidão -
saltos bruscos de sal contra os muros
de meu ser secreto, de tal maneira
que eu sou uma parte do inverno,
da mesma extensão que se repete
de sino em sino em tantas ondas
e de um silêncio como cabeleira,
silêncio de alga, canto submergido.

 ...

WALKING AROUND

Acontece que me canso de ser homem.
Acontece que entro nas alfaiatarias e nos cinemas
murcho, impenetrável, como um cisne de feltro
navegando numa água de origem e de cinzas.

O cheiro das barbearias me faz chorar a gritos.
Só quero um descanso de pedras ou de lã,
só quero não ver estabelecimentos nem jardins,
nem mercadorias, nem óculos, nem elevadores.

Acontece que me canso dos meus pés das minhas unhas
meu cabelo e minha sombra.
Acontece que me canso de ser homem.

No entanto seria delicioso
assustar um tabelião com um lírio cortado
ou matar uma freira com um soco no ouvido
Seria ótimo
andar pelas ruas com uma faca verde
soltando berros até morrer de frio.

Não quero continuar sendo raiz nas trevas,
hesitante, estendido, tiritando de sono,
para baixo, nas tripas molhadas da terra,
absorvendo e pensando, comendo cada dia.

Não quero para mim tantas desgraças.
Não quero continuar como raiz e túmulo,
subterrâneo solitário, adega de mortos,
enrijecido e morrendo de tristeza.

Por isso a segunda-feira arde como petróleo  
quando me vê chegar com minha cara de prisão,
e uiva no seu transcurso como uma roda ferida,
e dá passos de sangue fervente rumo à noite.

E me empurra para certos lugares, certas casas úmidas,
para hospitais de onde saem ossos das janelas,
certas sapatarias com cheiro de vinagre,
ruas horríveis como gretas.

Há pássaros cor de enxofre e horríveis intestinos
pendurados nas portas das casas que odeio,
há dentaduras esquecidas em um bule,
há espelhos
que devem ter chorado de vergonha e horror,
há guarda-chuvas em toda parte, e venenos, e umbigos.

Eu passeio com calma, com olhos, com sapatos,
com fúria, com esquecimento,
passo, atravesso escritórios e lojas de ortopedia,
e pátios onde há roupas penduradas num arame:
cuecas, toalhas e camisas que choram
lentas lágrimas sujas.


















Pablo Neruda.


*

El fantasma de Canterville
(Charly Garcia) – Sui Géneris

Yo era un hombre Bueno
si hay alguien bueno en este lugar,
pagué todas mí deudas,
pagué mi oportunidad de amar,
sin embargo estoy tirado,
y nadie se acuerda de mí
Paso a través de la gente,
Como el fantasma de Canterville.

Me han ofendido mucho
y nadie dió una explicación.
Ayl si pudiera matarlos
lo haría sin ningún temor,
pero siempre fui un tonto
que creyó en la legalidad,
ahora que estoy afuera
ya sé lo que es la libertad.

Ahora que puedo amarte, nena,
yo voy a amarte de verdad.
Mientras me quede aire,
calor nunca te va a faltar,
y jamás volveré a fijarme
en la cara de los demás,
esa careta idiota que tira y tira
para atrás.

He muerto muchas veces
acribillado en la ciudad.
Pero es mejor ser muerto
que un número que viene y va,
y en mí tumba tengo un perro
y cosas que no me hacen mal
después de muerta, nena,
vos me vendrás a visitar,
después de muerta, nena,
vos me vendrás a visitar.

Charly Garcia


*
Ah! Querida!

No futuro, se sobrevivermos a este tédio moral
Em alguma esquina desse mundo,
Talvez você me encontre gordo, com a barba por fazer
O rosto riscado de faca,
A barriga furada de bala
Minha decadência acompanha a decadência do mundo

Mas pelos meus olhos vai me reconhecer
E eles lhe dirão a mesma coisa que eu disse ontem

Serei o mesmo pelos meus olhos

(...)

Hoje, caminho só por uma estrada deserta
Uma estrada distante – para a eternidade
Sigo sem olhar pra trás
E não deixo rastro...















Herman G. Silvani

*


Cavalo-marinho  
(...)

o cavalo que possuo e o eu que possuo

ficaremos azuis maravilhosos e limpos

de novo

e eu sairei e

esperarei por você(s).  

 

Charles Bukowski

 

 

 

 

hgs.

 

 

 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

@cione o botão quando quiser desligar

*  Encontrei este texto numa lixeira e resolvi publicá-lo. Talvez não tenha importância alguma. Mas a escolha é sua, leitor. Se não quiser se incomodar, no caso, por a cabeça pra funcionar, ligue seu rádio ou sua TV, provavelmente Michel Teló & CIA tenham algo mais interessante pra te dizer... enfim.

 


A sociedade do espetáculo e o rebanho

Está começando a putaria! Quer dizer... Começando não, continuando! Mas não a putaria dionisíaca, libidinosa, divertida, do jogo sexual-humano, aromático, naturalmente histórico. Começa, senhoras e senhores, na obesa programação da nossa ‘espetacular’ Rede Globo, o BBB 12. Sim, o Big Brother Brasil de nº 12. São 12 saudáveis anos de entretenimento e espetáculo midiático ao público – ‘circo para o povo!’. 12 anos de indução a sexualidade vulgar e medíocre e fabricação de ícones de uma cultura massificada. E muitos pais, e muitas escolas, e muitas psicopedagogas cobram do pobre professorzinho que ele dê o exemplo. Exemplo? Exemplo está no livro! (ou no BBB, que o senhor, que a senhora, assiste junto com seu filho). Você é quem escolhe. Mas a culpa é do mestre, sempre, este radical incorrigível. Inversão de valores? Moralismo? “Ah! Quem mandou ser professor? Ainda mais de história, filosofia, literatura, essas coisas da laia que desvirtuam e depravam nossas ‘crianças’!”.  Pra ajudar os alunos a passar em provas, concursos, vestibulares e Enem, para que os jovens ‘sejam alguém na vida’, ganhem seu dinheiro como um médico, dentista, arquiteto, engenheiro ou algo que valha, aí o professorzinho de humanas e sociais, de redação ou literatura, serve, não é? ‘Mãe, pai, quero ser professora de...’. ‘O que? Jamais! Nunca mais pense nisso, ouviu?!’. Natal, ano novo e férias. Michel Teló como novo rit mundial (e não é só o Brasil que está em decadência artístico-cultural), sertanejo universitário e inundação de mediocridades no facebook (quanta merda se compartilha e se reproduz nessa rede social, deusdocéu! Tem gente que deveria ser proibida de se manifestar, putaqueopariu! – ‘Olha o linguajar, a linguagem, as palavras de baixo calão, tu é professor!’). Agora chega o Big Brother e todos muito satisfeitos com o verão, as festas, as férias e as novidades (palavras malditas ou palavrões eu não posso usar em textos, nem na televisão se pode falar, mas bundas e atos sugestivos, aí é permitido! Ah! é parte do espetáculo! A ditadura da imagem, da publicidade, do moralismo. Óquei! Eu é que sou atrasado e não me adéquo às modas). Retorno das férias litorâneas para o Velho Oeste e já não faz mais diferença os assassinatos políticos de pessoas que lutavam por justiça, que eram coerentes e éticas em suas funções. Nossa memória é curta mesmo. Como roda na internet em uma mensagem de ano novo de um ‘ícone global do bem’, esposo-pai bem sucedido, exemplo que eu nunca quero ser, o Luciano ‘incrível’ Huck: ‘Quem vive de passado é professor de história’ – ‘esses chatos! Adoram criticar, problematizar, acabar com uma festinha. Esses estraga prazeres de uma figa! Deixem a populança (termo nietzschiano) serem felizes nas suas conformidades!’ (e é preciso rever o conceito do que seja ‘popular’ enquanto manifestação vinda do povo em contraponto daquilo que se diz popular mas vem de cima pra baixo, por uma indústria do entretenimento e sua ideologia mantenedora). Não sei porque algumas pessoas perdem tempo estudando. Se é tão simples assim, pra que estudar? Ta tudo certo. Desígnio divino. Algum deus quis assim e assim é e assim será. Um deus que é um ‘Grande Irmão’ (leia-se 1984, obra prima de George Orwell, que também virou filme – Ah, vão procurar também porra!). O que é um professor qualquer comparado aos semideuses da Indústria Cultural, não é? O historiador ou professor de história, como preferirem, sabe que ‘estudar a História’ não é o mesmo que ‘viver de passado’. Se estuda História (a partir do presente, sempre!) justamente para melhor perceber e compreender e viver o presente. Nisso, a História é um campo de possibilidades e não de determinismos. E o estudo do passado traz versões dos fatos. Além disso, o presente também é história, pois ela está sendo escrita, vivida. A história, pra quem não sabe, não é algo morto, que se encerrou no passado, por isso é que se estuda, sacou bicho?! Quem vive de passado é nostálgico ou saudosista, ou então, alguém que parou no tempo devido a alguma frustração, ou algum recalcado que não vê possibilidades e coisas boas no presente. Mas e o futuro? Esse não existe, pois quando chegar, já não será mais futuro e sim presente. Vivemos sempre no presente. Mas podemos sim, olhar pra traz retomando a memória, pois um povo sem memória, sem história, é um povo morto. E é assim que os ideólogos do espetáculo querem que seja. Ser marionete, fantoche desse circo. Ser um morto-vivo que só respira, absorve e reproduz. Mas olha só, o que eu estou falando? Delírio de um chato? De um louco? O que você acha? Bem, você me conhece. Se não me conhece, prazer, eu me chamo... eu me chamo... Bem, não importa agora. Mas você, me diga, o que tem por traz do seu nome? Enfim. Depois disso tudo, talvez eu não escreva mais. Mesmo assim, foi um prazer...

Ninguém, alguém ou quem que você quer que seja.