sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Apologia ao negror dos teus olhos


Um sopro de caos que há em mim, causa tempestades aqui fora. Meu corpo se divide enquanto minha alma absorve o dia que se esconde para não ter que ser engolido pela noite. Mas não tem jeito, a noite é uma bruxa que abraça o mundo de tempo em tempo, enfeitiçando os ladrões, os amantes, jogadores, bichas, loucos e sábios, boêmios, vigaristas, putas e poetas de todas as estirpes. Cães ladram para a lua nestas noites de magia e depravação. E como isso é bom! Enquanto tudo isso acontece, meu pensamento vagueia por aí, atrás de uma diversão qualquer, longe deste mundo habitado por gente hipócrita. Sei que alguns olhos negros, algumas mãos e bocas pecaminosas esperam por mim em algum lugar dentro da noite. Sei que, além do sonho, está a realidade, e que a noite sorri elegantemente, discreta, com sensualidade. Também sei que sonhar faz parte disso tudo, e que no fim, estaremos rindo de nós mesmos. Até que a noite se desfaça e o dia volte com seu sorriso tão branco e previsível.


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 27/09



sexta-feira, 20 de setembro de 2013

História em farrapos...



















Começa a dita ‘semana farroupilha’ e a gauchada bate o mofo da bombacha comprada na boutique tradicionalista para ir pro acampamento farroupilha. Os mais gaudérios, o são o ano inteiro, mas tem daqueles que, pelo menos, nessa época, saem do armário. Talvez não saibam que os ditos farrapos não eram ‘esfarrapados’ como algumas versões da história contam. Mas muitos deles, estancieiros escravocratas que tiveram que abrir as pernas pro império. Mas, nisso, muitos foram realmente lutadores por um modo de vida ou tradição. Outros, como os negros escravos, lutaram por uma liberdade que tardou ou nunca veio. Sem desprezo, mas com questionamentos dessa história romantizada em prosa e verso, hoje o sul se embriaga numa grande festa. O movimento republicano no sul do Brasil foi precursor e forte, de fato, mas nem tudo foi ‘vontade de república’. Mantiveram-se a ‘liberdade’ e a ‘igualdade’ revolucionárias da França liberal-iluminista e positivista-maçonica, porém, a ‘fraternidade’, nesses rincões gaúchos,  foi substituída por uma ‘humanidade’ não tão humana para os escravos e herdeiros da ‘pampa pobre’. Ideologicamente, versões oficializadas que empobrecem a história, nos dão a parte festiva e idealizada desse ‘movimento’. Porém, de outro lado, uma história em farrapos e ferpas, feita, uma ‘não-história’. Então, cultuemos também a nossa ‘não-história’ - se assim for - para que a riqueza da história não se reduza também a farrapos...  


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 20/09 - 'dia do gaúcho (?)'




quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Leituras do Cotidiano - 19/09

Farrapos (com citações de Mario Barbará)



Os Farrapos estão vivos. Eles perambulam pela rua, todos os dias, bebericando cachaça barata. Ao lado, seus cuscos repletos de pulgas, fiéis companheiros, andam. 
São desgarrados que não se encontram dentro de boutiques nem em galerias de arte cheias de pompas. Nem em concertos, nem em teatros abarrotados de carne e vazios de sentido. Os Farrapos juntam baganas do chão e para esquecerem contam bravatas, velhas histórias. São tragos, muitos estragos por toda a noite. Os Farrapos são as vítimas do mundo, de si próprios e de uma guerra da qual não fizeram parte. Nem gaúchos nem catarinas. Nem indígenas, afro ou euro descendentes. Não há pátria nem nação. Não há nada além do chão, da calçada fria e dos dentes que rangem. Não há nada além do tremor da embriaguez lânguida. Nada disso é importante para quem é um farrapo humano. São Farrapos e não fizeram revolução alguma. Desistiram de lutar faz tempo. Seus antepassados perderam a luta e deixaram de herança uma derrota secular, milenar e diária. Uma derrota para a vida toda, sacramentada por um deus branco que ri do alto de sua cobertura no ponto mais alto da cidade. Os Farrapos foram traídos, abandonados. Lanceiros lançados a toda a sorte. Não sentem mais a dura fragilidade dos anos, nem tampouco a dura fragilidade dos ossos. Já são quase invertebrados. Já são quase esquecimento. Em suas invisibilidades, são farrapos ambulantes. Quando andam pelas ruas em dias claros, só são vistos devido aos seus trajes esfarrapados. São apenas Farrapos, mas já foram muito mais do que isso. Já acreditaram em alguma coisa um dia. Já usaram bombacha e nos pescoços lenços vermelhos. Ainda cantam, só que poucos tem ouvidos para ouvi-los. Cheiro forte, carne forte, esperança nenhuma. Ajudaram a escrever a história do mundo e não foram canonizados por isso, nem tampouco, construíram monumentos, esculturas ou bustos em suas homenagens. Tiveram importância um dia. E esse tempo já passou. Mas são Farrapos e estão vivos. Por enquanto.

*   Obs.: esse texto já fora publicado noutra feita.


Farroupilha, movimento libertador? Não, a geladeira!


Segundo alguns 'historiadores sociais', a maior invenção da modernidade foi a geladeira, principalmente para regiões como o sul do país. Foi graças a ela que os estancieiros 'farroupilhas' do charque no RS 'libertaram' os escravos. Não fosse isso, possivelmente até hoje teríamos escravos trabalhando nas fazendas de charque - que o diga
 Juremir Machado da Silva.


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó...



sexta-feira, 13 de setembro de 2013

As forças que tramam

As forças que tramam querem
seu cadáver, imóvel, por debaixo do chão
pois seu corpo controlado
elas já têm

As forças que tramam querem sua paz
pois sua luta
elas nunca farão

As forças que tramam querem sua morte
pois sua vida
elas já têm

As forças que tramam querem
o esquecimento da história
pois a memória, essa,
elas nunca terão


*  Im memoriam




Rabisquei este poema (ou a tentativa disso), na noite em que soube do arquivamento do ‘caso Marcelino Chiarello’ pelo Ministério Público, sob inspiração de ‘mais essa história’ que se eterniza na ‘memória da cidade’, assim como foi no caso do ‘Linchamento que muitos querem esquecer’ (leia-se obra de Monica Hass). Daquela feita, já um poeta, Vicente Morelatto, escreveu em forma de ‘cordel’, versos em torno daquele fato. A história nunca se repete, porém, fatos se assemelham, onde que o tempo, mesmo passando, preserva seu sopro de continuidade...


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 13/09



quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Leituras do Cotidiano - 12/09

Educação para além da estrutura...























Não precisamos de escolaridade, de títulos, formalmente falando – mais do que já temos. É inútil aos avanços humanos e culturais, apenas ter. Precisamos de conhecimentos, aprofundamentos, possibilidades de olhares e pensamentos, acessos a esses ‘conhecimentos’, aos ditos ‘bens culturais’, principalmente nas periferias do Brasil. A dita ‘classe C’ cresceu, adquiriu certo poder de consumo dado a certo crescimento econômico do país. Mas, parafraseando a filosofa Viviane Mosé em uma fala sua: “não é uma boa roupa que caracteriza um desenvolvimento humano e sociocultural”. Nossa educação é ligada a produção. Mas não a produção do conhecimento intelectual, artístico e humanitário, mas a produção de bens e/ou produtos, facilitadores ou não da vida, do cotidiano, sob tudo, produtos de consumo. Novas tecnologias nos servem como alguns desses ‘facilitadores’, ao mesmo tempo em que são ‘dispositivos’ de controle (leia-se Giorgio Agamben), que em muitos casos, acabam nos limitando ao próprio uso dessas tecnologias, desses ‘dispositivos’, a serviço disso ou daquilo, mas não necessariamente da vida – que vai além do fator estrutural. Aí temos um amplo arcabouço de informações, o que, num primeiro olhar, nos parece algo bom, porém, essa quantia nunca antes tida de informações, não significa que tenhamos conhecimentos ou profundidade nelas. É preciso, acompanhando essas informações, conhecimentos que possam favorecer ou propiciar a elaboração de conceitos, idéias, fundamentos, possibilidades de olhares, para além do tecnicismo tecnológico ou do formalismo escolar. Segundo ainda Mosé, “o vilão da formação básica é a Universidade”, sendo que, é a partir dela que teorias são lançadas ao cotidiano (ou não), pelos que saem dos bancos acadêmicos rumo ao exercício das suas profissões - e entre esses, temos os professores que irão compor o quadro do que chamamos educação básica. Referente a isso, refaço os questionamentos de Mosé, frente ao discurso educacional atual que promove, não muito mais do que a estrutura: “Para que serve o ensino médio no Brasil? Qual é o seu sentido? Porque todo mundo tem que ir para a Universidade?”. Para uma saída saudável desse contexto reducionista, é preciso, antes de tudo, valorizar a cultura, as linguagens, as artes, o pensamento e a criatividade – para além do fator meramente econômico e estrutural. Mas, a realidade (assim como os investimentos necessários na educação) que temos ainda hoje, é formalizada, formalizadora e formalizante. Ela não dá conta de uma necessidade básica e fundamental humana: a construção de possibilidades culturais, artísticas e intelectuais, para além dessas formalidades e estruturas formativas técnicas. Depois da alfabetização a criança aprende gramática, e não interpretação ou leitura (leia-se aqui, leitura de mundo). Gramática é técnica, acessório, e não possibilidade de visão e ação sociocultural. Para se produzir textos e pensamentos com certa coerência, poética, sensibilidade, ideias, é preciso certo ‘conteúdo’, e para isso, acessos a certos conhecimentos. Eis o que a Universidade e depois a Escola, pouco cumprem, ao contrário, geralmente, engessam essas possibilidades com suas formas racionalistas e formalizadas de saber e agir, onde elas próprias acabam constituindo-se assim, em ‘dispositivos de controle’ ou ‘instrumentos de reprodução’. Portanto, o debate da Educação deve ir além da economia, da estrutura, dos métodos e técnicas. Ele precisa ter o teor do sensível e o sabor das inquietudes filosóficas e das dilacerantes aventuras poéticas.


(Inspirado na fala da filosofa Viviane Mosé no '2º Congresso Todos Pela Educação em Brasília', do dia 10 de Setembro).


* Também publicado no jornal Gazeta de Chapecó, 12/09




sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Xapecó no cenário do pop nacional



















Desenvolvimento, progresso, evolução, civilidade... Palavras discursadas em excesso que se assemelham a um discurso religioso, ortodoxo, fundamentalista. Em torno do nosso aniversário de 96 anos, estamos bem na foto. Foto, inclusive, com atorzinho galã global, na cama, na rede social, os dois nus, transparentes como deveriam ser as nossas contas públicas. Homicídio suicidado arquivado pelo cansaço alheio: um mistério que um Ministério não deu conta. A polícia, a política a polidance. E dançamos conforme a música, com o ferro no meio das pernas. Tentativa de homicídio em plena luz do dia, segunda feira de ‘tradição, família, religião e trabalho’, amém! Cavalos com pedigree bem tratados, a alfafa é cara, mas alimenta, os matungos-pangarés que lambam a sola da bota do ‘coroné’, quem mandou ser trabalhador ou viver de rua? E na câmara dos lordes: Velhos que paguem seu transporte – mesmo que ele se diga público - que a minha gasolina tem preço no seu suor, que é o petróleo que move meu motor – paguem também com seus suores sangrados que ficaram nessa enorme construção. A cassação é um tiro ao longe, onde os cães ladram, mas não mordem. Mas, por trás da matilha talvez haja um lobo dos bravos que, talvez, tenha sua arcada dentária sem cáries, e alcance a caça com eficiência no cumprimento do seu dever que é devir. Enfim... estamos no topo, a qualquer preço, de qualquer forma, Xapecó é pop!  


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 06/09




quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Leituras do Cotidiano - 05/09

Xapecó é notícia... Xapecó é pop!

Depois do arquivamento do caso Marcelino pelo MPC (Ministério Público Cansado), da tentativa de homicídio de um assessor de vereador, da chapecoense que caiu na cama com o atorzinho global (não, não é o time, calma!) e que ambos caíram na rede social (de quatro?), entre outras, agora a nova e mais bombástica das notícias: ‘A cassação do prefeito!’

Desdobramento primeiro: 'Cabe recurso'. Pra variar, ‘sempre cabe recurso'. Somos nós quem pagamos tudo mesmo! Através do suor nosso de cada dia. E toda uma estrutura (essa sim 'corrupta’- corrompida) se alimenta disso. Eis o jogo desse sistema de 'faz de conta'. E nós? Bem, nós não somos 'semideuses' nessa 'mitologia'. Somos seres comuns, meros mortais, abaixo dessa estrutura, dessa ordem. Servimos bem para sustentá-la - e não vai muito além disso. Não veem que é um jogo?? É preciso sabotar quem dá as cartas - ou ser o curinga do baralho - ou, continuar perdendo...


E os (de)feitos prosseguem...

Vereadores governistas, com exceção do Cecchin, rejeitaram projeto de lei que prevê isenção do pagamento da passagem no transporte público municipal para idosos acima de 60 anos. Em contrapartida aprovaram projeto repassando mais de 100 mil para os cavalos de raça nos dias da Efapi. Nisso, tirem suas próprias conclusões...

O tempo passa e...

Tentativa de homicídio do assessor parlamentar Patrick Monteiro continua sem respostas?! O tempo passando e: nada! Parece que já vi esse filme em algum lugar...

A exemplo de Xapecó...

Em Bogotá, Colômbia, uma lei determina que ‘para cada condomínio construído, uma praça pública arborizada’. Em Xapecó, ‘para cada espaço arborizado derrubado, um condomínio luxuoso’ – eis nosso desenvolvimento, nosso progresso, nosso futuro... 



Para além das fronteiras de Xapecó, acreditem, há um mundo...


"Fidel Castro espalha médicos pelo mundo. Obama espalha soldados. Mas adivinha quem é o ditador sanguinário e quem é o Nobel da Paz?" (surrupiado da internet).


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó, 05/09



segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Continuamos sendo...



















(fotografia do filme "Metrópolis" de 1927, dirigido por Fritz Lang)


Rua pra que te miro. Saio do quarto, atravesso o corredor que dá na sala, passo pela cozinha e saio pela porta de trás de casa. Ganho o pátio, saúdo meu cão que é anjo de guarda, saio pelo portão e ganho enfim a rua. Passos leves junto à solidão de um eu que em breve irá de encontro à multidão e fará, por alguns instantes, parte dela. Trabalhadores diurnos pegam o ônibus que os levará rumo à servidão que mata a maior parte do seu tempo e aos poucos, suas vidas. Consumidores chegam ao centro da cidade e confundem-se com os olhares de sorrisos plásticos das manequins de fibra ou gesso e são consumidos nessa consumação. Moradores de rua ainda dormem exprimidos debaixo das marquises - logo serão acordados e expulsos pelos comerciantes. E eu ando por que tenho passos e o chão debaixo deles ainda é viável, sob o policiamento das câmeras de monitoramento que me observam sem cessar. Estou protegido? Ou simplesmente vigiado? Sem respostas, mas com muitas perguntas, tomo o rumo da escola. A sala de aula é meu espaço de trabalho – um deles, no caso. Mais perguntas, mais questões e algumas respostas de poucas certezas. Em dias incertos de dúvidas constantes, o importante é não acostumar e continuar sendo, até que, essa coisa de futuro, se torne novamente presente, em que a vida seja uma condição e não apenas uma perspectiva...


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 30/08