terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Incoerências espirituais e práticas na 'orientalização' do ocidente

Respeito muito o Yoga como cultura físico-espiritual.. mas já não posso dizer o mesmo de certa cultura indiana, que viralizou, virou moda no ocidente, faz um tempo, incluindo a aparência (roupas, visuais, símbolos, trejeitos, estereótipos), alimentação, medicina e até o yoga.. uma cultura muito rica, porém, bastante vulgarizada e distorcida.. tanto que, muitos confundem minhas práticas taoistas com esta cultura..
a Índia é um país intenso e rico culturalmente falando, porém bastante desigual, onde grande parte das religiões indianas (e mundiais) são carregadas de preconceitos e violências.. a religião mais equilibrada surgida na Índia, considero o Budismo, que hoje possui uma parcela ínfima de seguidores naquele país - na China o budismo foi difundido e nasceu o Budismo Chen (Zen no Japão), que assumiu características chinesas, sob tudo, influência do Taoismo e algo do Confucionismo - o sistema de castas por exemplo, ainda é realidade em algumas práticas indianas..
dias atrás vi uma reportagem com um dos grandes iogues indianos que falava de paz e simplicidade, mas quando foi questionado por sua concentração de renda (grande riqueza que possui), não quis falar sobre o assunto e desconversou.. aqui no ocidente, muitos praticantes desta arte milenar também se mostram incoerentes quando praticam paz para si próprios, falam em humildade, desapego e simplicidade, mas quando é para os outros, prepotência, arrogância, ódio, violências, racismo, homofobia.. é o que figura.. sei que esta incoerência não é exclusividade na dita 'espiritualidade yoga'.. no dito 'cristianismo' (entre outros) isso também é bem comum.. infelizmente..
mais do que uma espiritualidade e uma prática saudável ou sociocultural, muitas vezes o yoga é um empreendimento capitalista.. que o digam o mestre yoga da reportagem (citada acima) e o do documentário (link abaixo).. que o digam também muitos templos ou igrejas ditas cristãs por aí..
* referente a isso:
"Remova o que é falso e só a verdade permanecerá" (máxima taoista)
não é de aparência ou tecnicismo que a realidade é feita.. a 'essência' não está no discurso nem no estereótipo.. em suma, 'não é o que você sabe, mas o que você faz com o que sabe'.. esta é a questão.. taoismo, budismo, yoga, cristianismo, o que for, não são apenas palavras ou aparências.. devem ser 'essências'...
"A maior artimanha se apresenta sobre o aspecto da mais perfeita ingenuidade. (...) O invisível não está atrás da imagem, mas dentro da imagem (...). O oculto está no coração do manifesto e não em seu contrário. Nada está mais escondido do que o mais aparente." (sabedorias chinesas e taoistas - a partir das obras: 'Tao Te Ching', 'A arte da Guerra' e '36 Estratagemas: manual secreto da Arte da Guerra') 

* * *
Você é realmente cristão?
O cristianismo deve(ria) ser uma 'evolução ético-moral' do antigo testamento.. o Deus hebreu do Velho Testamento é, inclusive, questionado e contraposto pelo Cristo, que traz a 'boa nova', ou seja, uma nova moral, uma nova ética, um 'novo Deus' que, ao invés de punitivo e violento como o do velho testamento, é um deus de paz e perdão.. pelo menos esta é a mensagem que está no Novo Testamento (parte cristã da bíblia).. porém, muitos 'cristãos' seguem reproduzindo ou aplicando o velho testamento (livro dos hebreus/judeus) nas suas crenças e práticas cotidianas.. uma contradição ou incoerência, principalmente com aquilo que o Cristo pregou, que foi praticamente o oposto do que a crença anterior (velho testamento dos hebreus/judeus) pregava ou tinha como moral e ética.. vingança, punição, ódio, violência, são características cristãs?
em suma, muito do que se tem por cristianismo, assim como, muitos dos que se autoproclamam cristãos, será que realmente são?


quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Egocentrismo e os ‘donos do brazil’

A rede de lojas Havan abre mais uma filial em Xapecó. É a terceira por aqui. São muitas pelo sul e pelo país todo. Aqui, o dono da loja, popularmente conhecido por muitos de o ‘véio da havan’, como de costume, fez um vídeo reclamando da ‘burocracia’ da cidade para empreendimentos. 
E, curiosamente (ou estupidamente), lá estavam o prefeito e um deputado e ex-prefeito (condenado), participando alegremente da inauguração. Não me espanto, pois incoerência e contradição é marca do brazil bolsonarista contemporâneo bipolar da pós-verdade. Acontece que, o véio da havan, na sua reclamação, mais uma vez (como é comum nos seus vídeos), destilou preconceito e discriminação, criticando a acessibilidade que sua loja precisa ter, para que deficientes físicos possam transitar. Grosseria, estupidez e mediocridade, características típicas destes homens ‘machões cristãos autoritários’ de agora. E eles se reúnem e às vezes brigam em torno do poder e de si próprios, das suas próprias imagens, vontades, devaneios, egos. E o véio da havan é um destes representantes do egocentrismo. Seu egocentrismo é tão grande que ele poderia ser chamado de ‘o dono’. Sim, ele é interventor, a ponto de parar um jogo de futebol por que seu time estava perdendo, e ser ovacionado pelo torcedor por isso (eis os valores!). Ele é ator pop (péssimo, mas, incrivelmente há quem ri e acha ele bom nas suas atuações deploráveis e estúpidas). Ele é pastor, semi-deus, coaching, influencer ou youtuber, sonegador, explorador (isso não importa para alguns), general, governador, prefeito, patrão, chefe, patriarca, dono. Isso, ele é o ‘dono’. Ele é tudo (ou pelo menos acha). O brazil é dele. Um brazil escrito assim mesmo, com início minúscula e ‘z’, norte-americanizado, como a falsa ou imitante, brega ou ridícula ‘estátua da liberdade’ do véio da havan e seu lojão. ‘Ah, mas ele tem preço baixo!’. Sim, quem sonega e explora o trabalhador consegue este (e)feito. Pior de tudo é que ele é idolatrado como um semi-deus por alguns.

É a tosquice do nosso tempo, onde o véio da havan é um dos maiores representantes, coladinho com o presidente, o Ratinho, o Silvio Santos, entre outros deste naipe. E ele é rei no quesito egocentrismo. Os outros citados também são, mas o ‘dono’ representa bem este time. Um time que, de tão egocêntrico, joga sozinho, pois é dono da bola, das regras, do jogo. Mas o fim é sempre o mesmo, onde eles, estes jogadores e auto-masturbadores (em que, no jogo, um punheteia o outro), de tão egocêntricos que são, acabam se comendo, um ao outro, como com os dinossauros do velho Buk, onde, depois de comerem todas as outras criaturas do planeta, restaram só eles, os tiranossauros, e um come o outro, até que um único sobra, e morre de fome o filho da puta (leia-se Bukowski). Mas, até lá, o ‘dono’ (ou os ‘donos’) seguirão comendo e se masturbando (alguns infartando no caminho, de tanta ansiedade em comer e masturbar), feticheosos e dementes, até apodrecerem, como todos, e serem lembrados ou esquecidos, como todos. O perigo é que, até lá, eles somados, podem acabar com a raça humana. De tão egocêntricos que são, homicidas e suicidas, não aceitam apodrecerem sozinhos, por isso querem levar todos com eles, pois são os ‘donos’ da bola, do jogo, da vez - que espero e torço e luto, para que passe logo. Vai passar, mas tem que ter aquele empurrãozinho.

Enfim. O ‘dono’ no final das contas, acha que é dono, e perturbado psicologicamente quer ser dono dos outros porque não é dono de si próprio. O egocentrismo do dono é doença, que no fim, vai matá-lo. Que seja antes do fim da espécie, pois o mundo, a Natureza, a Vida, estes continuarão, sem pseudo-donos... 







sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Terraplanismo...


A Terra é plana, eles tem razão!

Dizer que a Terra é redonda, oval ou que não é plana, é um plano comunista para dominar o mundo, feito pelo diabo, cujo rock (que é abortivo) é um meio para que este plano seja efetivo. E foram os Beatles – que não sabiam compor, nem nada – os escolhidos pelo demo para espalhar através da música este plano (por isso da sua fama), com ajuda de artistas e professores doutrinários. Assim tudo se explica: Fizeram um pacto com o diabo, cujo objetivo maior é o satanismo.

·       *   Fonte: Vozes da minha cabeça.




sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Nova Educação Brasileira?

Saiu no Diário Oficial do Rio Grande do Sul a Matriz Curricular do chamado ‘Novo Ensino Médio’. Na publicação, Arte, Literatura, História, Filosofia, Sociologia, Biologia e Educação Física, tiveram aulas diminuídas. Ou seja, no Estado vizinho serão menos aulas de humanas e sociais e linguagens para os alunos, professores e para a sociedade. Menos aulas nestas áreas, menos conhecimentos nelas também. E em Santa Catarina, como vai ser? “Também, humanas e sociais pra quê? Se não servem ao desenvolvimento tecnicista, mecanicista, burocrático? Educar pessoas críticas não facilita nada para a mão de obra barata e explorada que o mercado de trabalho quer, não é?. ‘brazil’ é matéria prima, mão de obra, e não inteligência. O mercado afilhado do capitalismo norte americano quer isso, e isso terá. Um belo acordo entre nossos digníssimos líderes, os presidentes Bolsonaro e Trump – alguém diria.” E saber que alguns colegas professores foram favoráveis (uns ainda são) a esta ‘novidade’ (lembremos que durante a Ditadura Militar – coisa que membros do governo disseram que também não existiu – estes conteúdos foram diminuídos, outros, passaram a nem existir).

Outra questão imposta pelo governo atual e que passa batida por muitos que não veem o trem passar, mesmo com todo o barulho, é referente a carteirinha de estudante, que agora também passa para a tutela do Estado brasileiro, e: ‘melhor’, muitos dizem, ‘é de graça’ e se pode requisitar online’ (olha o ‘progresso’ aí! – do quê e pra quem? – filósofos fariam esta pergunta). A propaganda do governo na TV omite um detalhe fundamental: a carteirinha sendo feita pelo movimento estudantil e tendo a pequena taxa cobrada para isso, serve para a manutenção do próprio movimento, que é dos estudantes (congressos, estudos, discussões, ações, etc.), uma entidade democrática e histórica que conquistou muito do que hoje o estudante desfruta no país - inclusive ela, a carteirinha  (mas, uma pena que história não é o forte de muitos brasileiros).

Não caros alunos e coleguinhas professores, este benefício não é gentileza do governo (nem do passado, muito menos do presente), mas sim uma CONQUISTA dos próprios estudantes unidos nos seus movimentos estudantis. Assim como é o desconto nas passagens de ônibus (entre outros). Mas, o governo, com sua malandragem afiada, não traz esta informação, fazendo parecer (aos mais desavisados – que infelizmente, são muitos), que ele está fazendo um bem ao estudante, quando, seu objetivo ideológico é enfraquecer o movimento estudantil para, justamente, manipular mais e melhor o estudante, a escola pública e a educação, ao seu bel prazer ou a sua bel ideologia de produção de brasileiros analfabetos funcionais que não reflitam e nem tenham seus sensos críticos, históricos, filosóficos, sociológicos, artísticos, etc., em dia, mas que só reproduzam e obedeçam, como meras peças de uma engrenagem que vai manter a estrutura e os privilégios de quem mais tem poder e riqueza neste país. Mas ele, o governo, no seu discurso, diz que quem tem privilégio aqui são os professores, artistas, estudantes - pior é saber que muitos destes reproduzem isso. Talvez sofram de um antropofagismo sadomasoquista que lhes dê algum prazer. Só pode.

Mas, aos acordados, ou aos que queiram acordar, aí está a reflexão sobre o caminho desta educação que se diz ‘nova’, assim como sobre o governo se diz também. Velhas práticas com outras roupagens, como historiador, eu diria. Enfim.

Agora é minha vez de fechar um pouco os olhos, não para deitar e dormir em berço esplêndido, mas para meditar, nutrir-me de energia e relaxamento para seguir vivo e acordado neste tempo de sonâmbulos que babam sobre seus celulares – podemos usá-los de modo mais inteligente. Fica a dica!



quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Fetiches, idealizações, reproduções e seus reflexos socioculturais


"Acho que todo mundo gostaria de passar uma tarde com um príncipe, principalmente vocês, mulheres" (comentário de Jair Bolsonaro, atual presidente do Brasil, em visita à Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro do trono da Arábia Saudita - uma teocracia fundamentalista e patriarcal).

Comentários como o do presidente, citado acima, são mais do que um simples comentário, por mais que seus reprodutores tentem diluir, amenizar sua fala, na insistência em repetir que tudo o que o presidente fala ‘é brincadeira, que Bolsonaro é um fanfarrão’, etc., o caracterizando com uma empatia que ele não tem. Mais do que um simples e infeliz comentário é um pensamento, uma ideia, um valor, uma crença e uma ideologia de uma mente ou um pensamento constituído a partir de certos valores, crenças, escolhas. Este tipo de ‘postura’ ou ‘posição’ tem lá sua raiz, e muitas vezes ela é ideológica, ou seja, vem de uma ideia e a partir de certos interesses, sejam eles pessoais ou grupais. Interesses que tem localização. O fato é que nossa cultura (civilização ou modo de vida, que envolve crenças, teorias e práticas) é tomada por certos conteúdos que carregam em si certos valores que, por sua vez, refletem na educação, na mentalidade, portanto, nas escolhas, atos e palavras das pessoas. Isso é comprovado quando olhamos para o que a população consome (pelo menos a maioria ou de grande parte dela), assim como o que se acredita, se reproduz ou se pratica. E é isso que forma a sociedade em sua ‘superestrutura’ (mentalidade, intelecto, racionalidade), e o que vai desaguar na ‘infraestrutura’ social (práxis, cotidiano). Ambas as estruturas formam a cultura (civilização ou modo de vida), que vai fornecer o conteúdo e apontar o rumo da sociedade (como ela pensa e age).

Além do ‘ideal do príncipe’, herança de certa ideologia elitista, eurocêntrica medievalista, amplamente difundida pela indústria cultural (desenhos, filmes, séries, novelas, discursos telejornalísticos, etc.), assim como pelas instituições consagradas (famílias, escolas, igrejas, clubes sociais, etc.) - ambos ‘aparelhos ou instrumentos reprodutores’ -, possuímos na sociedade uma gama muito grande de idealizações ou romantizações, como conteúdos ou produtos, sejam eles religiosos, político ideológicos ou comerciais mercadológicos. Um exemplo é a festa de Halloween, muito cultuada nos EUA, que nos foi inculcada e impulsionada culturalmente a partir da indústria cultural (sob tudo cinema e publicidade) e pelas escolas de idiomas, chegando até as escolas básicas e fundamentais, em muitos casos até às universidades. Para alguns críticos, esta festa ou cultura, é parte de um ‘colonialismo’, não necessariamente geográfico, mas mental/intelectual e cultural.

Pouco conhecemos da nossa cultura popular, do nosso folclore, que é riquíssimo, mas, somos motivados por inúmeros instrumentos, a reproduzir uma cultura que pouco ou nada tem haver com nossa cultura nacional, ou seja, com nosso modo de ser. Assim também é com o ‘discurso idealizado do príncipe’ que, de forma machista (novamente), o presidente Bolsonaro reproduziu publicamente, na intenção de elogiar o príncipe árabe e tal cultura patriarcal.

Estendo esta prática reprodutora de conteúdos e valores à outros espaços sociais (culturais, educacionais), relacionados diretamente com nossas ‘escolhas’ cotidianas. Por exemplo, quando eu escolho uma academia para malhar o corpo e não penso na saúde, mas na aparência, e quando eu penso na saúde física nesta escolha, mas não penso na saúde mental. Quando eu vou ao cinema e não me interesso pela produção nacional, optando sempre pelos filmes da moda, massificados, produzidos em Hollywood. Quando não leio literatura nacional ou alternativa, desprezo culturas como a nativa (indígena) e cabocla, me alimento seguindo a propaganda, com fest foods e afins, ignoro os saberes populares, as formas alternativas de vida e práticas socioculturais, assim como o conhecimento que não seja o ocidental, estou reproduzindo uma conduta, uma postura, uma posição que dirige meu modo de ser e estar no mundo - assim como, quando um professor escolhe este e não aquele conteúdo para trabalhar na escola e com seus alunos.

Nisso, é visível, infelizmente, o ‘fetiche’ de parte significativa do brasileiro em ‘coisas’ (conteúdos e/ou produtos) ligados a indústria cultural e do consumo, assim como, as velhas práticas fundamentadas no patriarcado eurocêntrico, na crença religiosa (platônica judaico-cristã) e científica (racionalista cartesiana), como se fossem as melhores ideias, concepções ou teorias do mundo, ou pior, as únicas. Este limite de conhecimento e visão, muitas vezes é devido a uma ‘preguiça mental e epistemológica’.

O caso do comentário (e de vários outros comentários) do presidente, assim como, a euforia e ênfase no Halloween, são exemplos de uma nossa ‘imaturidade’ ou ‘infantilidade’ cultural (talvez, falta de ‘consciência identitária’). Em outras palavras, muitas vezes ‘optamos’ pelo superficial, pelo convencional ou fácil, ao invés de investirmos naquilo que é mais profundo, autêntico, original, ou pelo menos coerente com nosso país, nossa vida – ou ainda conforme a necessidade. Como diriam alguns sábios do passado, estas escolhas talvez sejam mesmo ‘o dedo podre’ de parte da nossa população.

Nisso, muito do que é vinculado nos meios de comunicação de massa (TV, rádio, internet, jornais, revistas, etc.), tem este caráter superficial ou artificial. A Octoberfest e a Semana Farroupilha aqui no sul do país são outros exemplos desta ‘artificialidade cultural’ e massificação colonialista da mente (e do corpo, que também acaba sendo controlado ou policiado com isso). Como entretenimento, até vai, mas como ‘cultura’, expressão humana, vivência, são festas de pouca profundidade sócio-histórica, que reproduzem ideologias e não necessariamente condizem com a realidade ou a história.

Olhando para o fenômeno, vejo que os meios são tomados por esta artificialidade. Nossa cultura, portanto, é uma cultura repleta de artificialidades, onde as aparências e os discursos submetem a necessidade e a realidade. E aí temos um discurso como o do presidente (citação inicial), sonhado por muitos, assim como, o sucesso das festas também citadas. No Halloween, a máscara do Jason (filme ‘Sexta-feira 13), cabeças de abóboras, vampiros e bruxas estereotipados, assim como práticas copiadas dos EUA e a língua inglesa, se sobressaem, enquanto nosso folclore, nosso conhecimento popular, nossas festas e personagens, nossas línguas ou dialetos, o que é ‘alternativo’ e vai na contramão da massificação comercial e ideológica, são desconhecidos, ignorados ou depreciados por parte significativa da população que, boquiaberda, engole sem pensar ou sentir direito o sabor (saber) do que está ingerindo. E aí está nosso machismo de cada dia, nossa xenofobia e homofobia, nossos feminicídios, homicídios e suicídios, nossa falta de bom senso. E assim seguimos, brasileiros de fé no calendário, acreditando e penando, como escudos e depósitos de tais ideologias que nos tornam instrumentos, máquinas de manutenção e reprodução de certos valores e práticas socioculturais, nunca protagonistas.



quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Coringa: o fruto maduro de uma cultura podre


Depois de assistir o novo Coringa (Joker), que ganhou o prêmio de melhor filme no festival de Veneza, magistralmente interpretado pelo grande Joaquim Phoenix, roteirizado e dirigido com muito primor por Todd Phillips, dá pra se compreender melhor o motivo dos moralistas, hipócritas e conservadores (sob tudo alguns políticos e religiosos) - ou quem não entende de cinema e arte - detratarem e fazerem campanha contra o filme. Joker é um drama psicológico a nível dos grandes filmes do gênero. Coloco ao lado de obras primas do cinema como ‘Laranja Mecânica’ do mestre Stanley Kubrick.  O ator Joaquim Phoenix dá show de atuação, comparando-se aos grandes Malcolm MacDowell e seu personagem Alex Delarge no ‘Laranja Mecânica’, ao Javier Barden de ‘Onde os Fracos não tem vez’ e ao Heath Ledger, ator que faleceu e interpretou o melhor Coringa da história do cinema (agora tendo Phoenix ao seu lado) no ‘Batman, o cavaleiro das trevas’. No cinema, cheguei a comentar com a Liza (minha companheira) que, quando o Coringa é incorporado, Ledger e Phoenix parecem um só, num verdadeiro show de interpretação de Phoenix, digno da obra prima que é o filme de Phillips.


Basicamente e de uma forma geral, temos dois vieses de representação dentro da história do filme. Um diz respeito a teoria da ‘luta de classes’, do pensador Karl Marx. Outro, a luta dos ‘excluídos/desvalidos’ para manterem-se vivos dentro de um sistema meritocrata, segregador e excludente. Ou seja, a vida das pessoas mal tratadas pela sociedade por serem ‘diferentes’, não se enquadrarem ou sofrerem de alguma doença (como os transtornos mentais, muito comuns nos dias de hoje) frente a certos valores sociais ou culturais elitistas e seletivos da sociedade contemporânea. De forma dura, o personagem principal, simboliza as duas coisas: a classe social explorada (pobre e trabalhadora – mesmo que a arte não seja considerada trabalho por alguns), e a classe dos excluídos/desvalidos. Gostem ou não os moralistas e/ou hipócritas, o filme é uma grande representação da realidade do mundo atual, sob tudo, da cultura norte americana (e também amigos/as, de certa realidade brasileira que vivemos atualmente, a partir do governo Bolsonaro).

O escritor, cineasta e crítico da cultura norte americana, Michael Moore, disse em entrevista: “(...) tudo o que ouvimos sobre esse filme é que devemos temer e ficar longe dele. Nos disseram que é violento, doente e moralmente corrupto. Fomos informados de que a polícia estará presente em todas as sessões neste fim de semana em caso de ‘problemas’ (referindo-se ao lançamento do filme). Nosso país está em profundo desespero, nossa constituição está em pedaços, um maníaco desonesto do Queens tem acesso aos códigos nucleares – mas por algum motivo, é de um filme que devemos ter medo. (...) Eu sugeriria o contrário: o maior perigo para a sociedade pode ser se você não for ver este filme. A história que conta e as questões que ela suscita são tão profundas, tão necessárias, que se você desviar o olhar da genialidade dessa obra de arte, perderá o que ela está nos oferecendo. Sim, há um palhaço perturbado, mas ele não está sozinho – estamos de pé ao lado dele. (...) este filme não é sobre Trump. É sobre a América que nos deu Trump – a América que não sente necessidade de ajudar os marginalizados, os necessitados.” Este trecho de Moore sintetiza bem o que é o Coringa de Phillips e Phoenix. E ele encerra: “Quanto tempo se passou desde que vimos um filme aspirar ao nível de Stanley Kubrick?”. Isso me fez querer assistir ainda mais o filme.

Em suma, Joker (Coringa) é muito mais do que um filme de ficção de um personagem de história em quadrinho. É um filme duro e triste. Mas também é uma denúncia, um relato, uma crítica sociocultural através de um personagem simbólico e representativo. Nem herói ou mocinho, vilão ou bandido, Coringa é produto atormentado, condicionado, criado por uma sociedade, por uma cultura e seus valores violentos, hipócritas, excludentes, segmentadores, onde o afeto e o respeito às diferenças não é prioridade – isso te lembra alguma realidade próxima? Uma sociedade espetacular (leia-se ‘Sociedade do Espetáculo’ de Guy Debord), do cansaço ou da exaustão (leia-se Byung-chul Han e Viviane Mosé) e dos excessos (leia-se taoismo), onde os discursos demagógicos e sensacionalistas, a alienação, a mentira, a concentração de renda e de poder, da política, dos meios de comunicação de massa e da classe alta, criam vítimas que se tornam criminosos. Ou seja, frutos maduros de uma cultura podre, como é o Coringa.

Não estranha os ‘donos do poder’, os elitistas, estremecerem ao verem um filme cujo personagem principal, um desvalido deste sistema, que representa tantos outros, seja levado a reagir de forma brutal contra àqueles que o exploram, humilham, ignoram, violentam, a ponto de querer diminuir ou boicotar a produção (é nesta mesma lógica que ‘Mariguella’ ainda não estreou no Brasil, e que ‘Bacurau’ não passou em algumas salas de cinema, como a de Chapecó, por exemplo). E o personagem, antes de se tornar o Coringa, tentou. Lutou para se manter dócil e equilibrado dentro de um sistema desequilibrado e nada afetivo. Mas, não foi possível. E eis que então nasce o Coringa, este símbolo, esta representação, este fruto de uma cultura que todos conhecem, mas nem todos admitem.





quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Somos parte da Natureza

Nós, seres vivos, da espécie humana, além da cultura (das roupas que usamos e de tudo que construímos), também somos parte da Natureza. Nisso, há natureza em nós. Ela é nossa grande mãe (a partir de uma concepção taoista e nativa), e sem ela, nem se quer existimos. É ela quem nos fornece a energia vital. Portanto, se a mal tratarmos, estaremos mal tratando também a nossa espécie. Porém, parece que muitos ainda não sabem ou esqueceram disso.

Nisso, as mudanças climáticas, aceleradas e desequilibradas pela ação humana, estão sendo maléficas à nossa saúde, existência e vida. Este desequilíbrio, estas mudanças, tão discutidas por alguns e ignoradas por outros, afetam nosso espírito (que pertence a Natureza - somos parte do seu espírito), portanto, nossa mente e corpo também. Ou seja, afetam nossa vida como um todo. E estão aí as doenças como ansiedade, estresse, depressão, alergias, cânceres, entre outras, atingindo um número maior de pessoas no tempo atual.

A agressão que o meio ambiente, que a natureza sobre, também atinge a todos nós. Mas muitos não percebem isso, por falta de conhecimento da própria natureza - e de si próprios. Fomos ensinados a partir de certa concepção de cunho platônica judaico-cristã cartesiana, que, a natureza foi criada por um deus para servir ao ser humano (depois submetida pela ciência moderna), e por isso, foi interpretado que podemos fazer o que quisermos com ela. Mas a realidade não é esta. E aí estão pessoas, governos, empresas, fazendeiros, etc., reproduzindo esta máxima egocêntrica e somando no sofrimento de todo o ser vivo. Mas, nós humanos, como um dos seres mais fracos da natureza, se continuar deste jeito, nos mataremos e sucumbiremos da face da terra, e a natureza continuará, como grande mãe, parindo seus filhos, para a Vida que seguirá, sem nós.

Talvez ainda aja tempo para repararmos os danos causados por nossa ambição, ganância, arrogância, prepotência, estupidez, egocentrismo. Eu, e muitas pessoas com quem convivo e conheço, de perto ou de longe, estamos no caminho destes reparos, fundamentais para a vida humana e tantas outras vidas no planeta. E você, por qual caminho anda?



domingo, 25 de agosto de 2019

Taoismo, o que é? – uma síntese

taoismo (ou daoismo) é um profundo conhecimento, uma ‘filosofia de vida’ e/ou uma ‘espiritualidade’ chinesa milenar, na qual o ser humano deve viver em harmonia e integrado a Natureza, pois faz parte dela. Nisso, o taoista tem a Natureza como grande mestra, sua grande-mãe, que ensina como viver e interagir no mundo - algumas linhas taoistas admitem-no como uma ‘filosofia espiritual matriarcal’, pois ele é fruto da Natureza. Dessa forma, quando tomamos a Natureza como referência em nossas vidas, atingimos o Equilíbrio - ou o Tao. Assim nos (re)integramos a Natureza e passamos a viver mais plenamente e equilibrados (interna e externamente), naquilo que chamamos Caminho. Algumas práticas de vida propostas pelo taoismo são fundamentais para isso, entre elas estão a meditação, a alimentação natural (ou mais próximo possível disso), o cultivo de plantas, as práticas físico-energéticas como o Chi Kung e o Tai Chi Chuan, entre outras.

“Meu corpo está em harmonia com minha mente, e ela em harmonia com minhas energias (...) um jeito natural de sentir as coisas...” (Lao Tsé)


Filosofia e espiritualidade – Lao Tsé e xamanismo

O taoismo iniciou como uma filosofia e espiritualidade (o que na China não se divide como no ocidente), para alguns historiadores, a partir das escritas do pensador chinês Lao Tsé (Laozi), encontradas no livro Tao Te Ching (Dao De Jing), a grande obra do taoismo. O nascimento e vida de Lao Tsé é uma incógnita entre historiadores. Alguns defendem que ele provavelmente tenha nascido e vivido durante a dinastia Zhou, que durou do século XI a 256 antes de Cristo. Outros vão dizer que o taoismo já existia antes mesmo disso, só não levava ainda desta identificação ou nome. Nisso, o taoismo teria iniciado com antigas práticas nativas (xamânicas) a partir de mestres e mestras que viviam na Natureza, e lá teriam desenvolvido os conceitos e adquirido as concepções que viriam a se tornar o taoismo, convivendo e observando as manifestações da naturalidade ou da Natureza. Lao Tsé teria aprendido isso e então registrado em forma de aforismo poético na sua obra.


Religião e/ou espiritualidade

Com o passar do tempo o taoismo também foi tornado ‘religião’ (no sentido institucional), porém, parte dos adeptos ou praticantes do taoismo o são independente da religiosidade institucionalizada. Estas formas diferentes de se conceber o taoismo faz com que ele tenha linhas diferentes de se compreender e se praticar.

Nisso, comumente podemos dividir a tradição taoista em taoismo filosófico e taoismo religioso. Este último, fruto dos movimentos religiosos organizados para instituí-lo  enquanto religião, fundindo elementos da religião tradicional chinesa com aspectos do confucionismo e do budismo. O taoismo, de certo modo, passa também a influenciar tanto Kung Fu-Tsu (Confúcio) e sua filosofia (o confucionismo) quanto o budismo na China.

No ocidente, em alguns casos, o taoismo é visto como ateu, por não ter o conceito de Deus e por sua base ser filosófica. Diferente do cristianismo e de outras religiões ou espiritualidades monoteístas e ocidentalizadas, no taoismo não há pregação. Ou seja, não há uma tentativa de arrebanhamento. Por isso, não há um discurso retórico de convencimento na conquista de fiéis e/ou seguidores. O taoismo não atua ideologicamente neste sentido. É uma ‘espiritualidade silenciosa’, onde a meditação e o estudo da filosofia taoista, assim como das práticas cotidianas ligadas a (re)aproximação da Natureza, são o modo de se praticar e alcançar o grande espírito, que é o da Natureza, ou simplesmente, o Tao. Em algumas linhas religiosas aqui no Brasil, se atua de forma a conquistar seguidores através de ‘missionários’, onde acontece um sincretismo com as crenças e/ou religiões locais. O taoista, espiritual ou religioso, geralmente preserva um ‘altar’ pessoal ou coletivo, com símbolos cultuados que são referências para sua prática ou vivência. Entre suas principais práticas espirituais estão a meditação e a contemplação da Natureza.

“É necessário unir os 3 Tesouros no corpo: a essência , a energia e o espírito." (Liu Pai Lin)


O Tao

 

“O Tao que se explica, não é o verdadeiro Tao”. “O caminho que pode ser expresso não é o Caminho Constante”. Estas são duas traduções do primeiro verso ou frase do primeiro aforismo poético do Tao Te Ching. Numa delas, Tao é traduzido por Caminho. Porém, não é uma tradução literal, apenas aproximada, pois, como diz na primeira tradução do verso acima, o Tao não se pode explicar. Se explicado, já não é mais o Tao, pois ele é o ‘grande mistério’, e o mistério só existe como mistério, e não explicação. Para alguns, o Tao tem sentido de Deus, enquanto criação, pois é ele, o Tao, o grande mistério, quem cria e faz viver todas as manifestações, internas ou externas. É também uma representação do eterno ou do infinito, para alguns, do Caos. Por ser mistério, o Tao é muito mais fácil de ser sentido do que explicado. Para o Tao, assim como para a Vida e o Universo, tudo o que é vivo tem o mesmo valor: plantas, bichos, gente... Tudo está conectado e pertence a um espírito maior, o da Natureza, que é a própria Vida, ou o próprio Tao.

"Céu e terra não têm atributos e não estabelecem diferenças: tratam as miríades de criaturas como cachorros de palha." (Lao-Tsé)


Princípios básicos fundamentais

Alguns dos principais princípios básicos fundamentais do taoismo são: ‘humildade, generosidade e simplicidade’. Outros vieram do xamanismo chinês, como a ‘teoria dos cinco elementos, a alquimia, que também envolve o uso de ervas e práticas energéticas ou curativas/medicinais, e o culto a alguns símbolos e aos ancestrais’. Para acessarmos os princípios fundamentais taoistas, necessitamos ler e interpretar o Tao Te Ching, e/ou integrar algum grupo taoista. Outro grande filosofo taoista importante é Chuang Tzu. No Brasil, uma boa obra é ‘A sabedoria da Natureza’ de Roberto Otsu, que traz de forma muito clara alguns fundamentais princípios taoistas. O I-Ching (O livro das Mutações) também é uma das principais obras utilizadas no taoismo.


Chi, a energia vital e o Tan Tien

Na tradição taoista uma energia cósmica universal que está na Natureza é o que sustenta a Vida. Esta energia é chamada de Chi (ou Qi), a energia vital ou ‘sopro vital’. Esta energia percorre os corpos e, uma vez cultivada (através das práticas do Chi Kung – que significa ‘cultivo de energia’, Tai Chi Chuan, meditação, alimentação natural, relação com a Natureza, e também nos locais que vivemos e frequentamos), equilibra os seres humanos para uma vida mais plena, saudável e longa.  

O Tan Tien (ou Dantian) inferior é um círculo de energia localizado no centro do corpo, entre o umbigo e as genitais (existem outros, que correspondem aos Chakras da tradição indiana), e é o principal receptor e distribuidor do Chi pelo corpo. Através da respiração (e de técnicas respiratórias presentes no Chi Kung e na meditação), é possível concentrar e ‘manipular’ esta energia pelo corpo. Quem pratica a arte do Chi Kung, e se bem incorporada, com o tempo adquire a habilidade de trabalhar esta energia em si próprio.

Fontes de energia

Pela teoria taoista existem três principais fontes de energia para o ser humano.
* A primeira é genética (pelo gene) e/ou hereditária, ou seja, as energias (boas ou ruins, saudáveis ou deficientes, positivas ou negativas) que recebemos dos nossos antepassados, sob tudo dos pais. Estas energias estão em nós e são as mais difíceis de se lidar, pois são heranças nos deixadas. A questão é equilibrá-las, sob tudo as ruins (deficiências ou doenças, características negativas da personalidade, etc.) já que, a curto prazo pelo menos, não há como eliminá-las. Mas é possível equilibrá-las e até transformá-las. Isso vai depender, justamente, das nossas posturas diante do mundo, das nossas práticas cotidianas, da nossa alimentação, e da nossa mentalidade.
*A segunda fonte é a alimentação, ou seja, vem dos alimentos que consumimos. Quanto mais natural, orgânica, limpa, saudável for a alimentação, melhor será nossa energia. Parece óbvio, não é? Até a medicina nutricional ocidental sabe e diz isso. Então, esta fonte também tem relação direta com a Natureza, e é o caminho alimentar que buscamos nutrir em nossas vidas.
* A terceira fonte é o ar. Isso mesmo, o que respiramos, onde respiramos e como respiramos. Se estivermos vivendo mais próximos da Natureza, o ar será melhor, mais puro, mais rico em energia, e isso, todos sabem, entra nos nossos corpos, abastecendo-os. Isso também tem relação com a forma que respiramos. Buscar a ‘respiração natural’ (assim chamamos na prática taoista) é um bom caminho para eliminarmos perturbações que nos adoecem, como o estresse e a ansiedade. Também existem técnicas de respiração que fazem com que nosso ar troque a energia do corpo, assim como, concentre e trabalhe o Chi em nós. O Chi Kung, por exemplo, é uma prática que, sob tudo, envolve este trabalho de respiração.

"O Universo é circunstancial, as coisas vêm e vão com a mesma fluidez que o ar, que não é percebido e simplesmente penetra nos pulmões". (Chuang Tzu)


O Caminho

Outro fundamental conceito ou concepção desta prática filosófica e espiritual é o de Caminho. O Caminho taoista é o do Equilíbrio, onde se busca livrar-se dos excessos, sendo eles, a principal causa do desequilíbrio humano e social, dos conflitos internos e externos, ou seja, o principal causador dos problemas, doenças e desequilíbrios. É o Caminho do Tao ou do Equilíbrio. Também, o Caminho da naturalidade, da Natureza ou da própria Vida. Neste Caminho, o taoista busca o equilíbrio do corpo e deste com a Natureza. Nesta concepção não existe um lugar final onde se deva chegar, apenas o Caminho, pois o importante não é chegar ou estagnar, mas sim equilibrar-se no Caminho. Estar no Caminho, em equilíbrio, é viver o Tao. Simples assim, porém, complexo ou profundo. Bem como o Tao, este ‘estado’ (ou ‘não estado’), não se pode explicar com palavras, é preciso praticar e viver o taoismo como ‘cultura’ (que envolve mente, corpo e espiritualidade), ou seja, como uma filosofia de vida, que comporta certas práticas cotidianas, internas e externas. Nisso, o taoista não separa o mundo imaterial espiritual do mundo material físico-existencial, pois uma coisa deve levar a outra. A iluminação para o taoista é a profundidade da consciência sobre a Vida, tendo em vista a Natureza e o outro, ou seja, a Vida. Em suma, além de certa mentalidade, ser taoista também é uma posição ou postura dentro do mundo. E esta mentalidade e e postura é o que chamamos Caminho.
“Aprofundar-se no Caminho consciente que dará suporte à sua prática interior, e desenvolver a característica de um coração abrangente na relação com o mundo, o que sustentará sua prática exterior”. (Wu Jyh Cherng)

O vazio

Outro fundamental conceito taoista que se relaciona com a atenção plena ou o aqui-agora. Quase que, como o Tao, difícil de explicar com palavras. Mas compreendido por quem pratica as artes ou conhecimentos provindos do taoismo. Tem relação direta com o Caminho e o wu-wei. Alcançado com a meditação (no taoismo também chamada de ‘mergulho no vazio’) e/ou as práticas do Chi Kung e Tai Chi, quando bem  incorporadas. Para dar uma ideia (talvez vaga) do que seja, cito um dos grandes filósofos taoistas que diz:

"Não sejas um personificador da fama; não sejas um silo de esquemas; (...) ; não sejas o proprietário da sabedoria. Incorpora o mais plenamente que possas o que não tem fim e perambula por onde não há sendas. Aferra-te a tudo o que recebeste do Céu, mas não creias que possuis alguma coisa. Sê vazio, eis tudo." (Chuang Tzu) 

Wu-Wei, a ‘não ação’

No taoismo o wu-wei, que significa “não ação” (também aplicado como ‘não intenção’), é um princípio fundamental. Conceito que tem base na Natureza, onde não existem ações desnecessárias, posto que os taoistas, seguindo a Natureza, preferem a sutileza e a suavidade em lugar da força e da rigidez. Portanto é a necessidade a principal guia das ações taoistas, onde viver o mais próximo possível da naturalidade é estar no Caminho. ‘Não ação’ não significa indiferença, mas sim, pode significar fluxo, onde, muitas vezes, não (re)agir é uma sábia atitude que leva ao equilíbrio. Respeitar o tempo, observar a Natureza e a Vida, fluir com elas, aprendendo com as passagens difíceis e aproveitando as fáceis, é o sentido do wu-wei.
“Agir com a não-intenção não significa deixar de agir ou agir sem objetivo, mas atuar efetivamente no mundo através da orientação que nasce diretamente da Consciência Universal, sem considerar as intenções do ego.” (Wu Jyh Cherng)

Tai Chi, o Yin-Yang

 No taoismo a vida é regida pelos elementos (energias ou forças): Yin (interno, escuro, polo negativo de energia, frio, terra, feminino) e Yang (externo, claro, polo positivo de energia, quente, céu, masculino). Energias estas complementares e indissociáveis, opostos num dualismo que se integra e unifica, se complementam e contribuem para o fortalecimento um do outro. Uma vez elas separadas, gera o desequilíbrio, causa dos conflitos e doenças humanas. O Tai Chi, também chamado de Yin-Yang é representado por um círculo que simboliza os dois polos de energia e a unidade, o todo. Também remetem a pensar dois peixes, um preto e um branco. Nesta simbologia o preto (escuro) vive no branco (claro) e o branco vive no preto. Céu e Terra coexistem. Esta unidade é a própria Vida pulsante, que é vida pois se equilibra. O Tai Chi é o principal símbolo do taoismo.

“Mergulho com o influxo e surjo com o refluxo, sigo o Tao da água e não lhe imponho minha visão egóica. É assim que eu me mantenho flutuando" (Chuang-Tzu)

Política, ideologia e doutrina
Politicamente, o Taoismo pode ser considerado libertário, se levarmos em conta que busca a igualdade dentro das diferenças, entre os seres humanos e destes com as outras formas de vida, sendo que, nenhuma é mais importante do que a outra, ambas são partes fundamentais da existência, e assim, da própria vida. Historicamente, mestres e mestras taoistas se colocaram ao lado dos mais necessitados, seguindo alguns princípios do Tao Te Ching. Na busca pelo Equilíbrio, o taoismo na sua ação política (leia-se política aqui para além do partidarismo e do jogo de poder), desenvolveu técnicas proativas de vida, que trabalham na prevenção de conflitos e doenças, o que envolve tratamentos curativos (medicina) e aspectos éticos na mediação justa das diferenças, para que elas não se tornem desigualdades ou injustiças. Algumas linhas taoistas de cunho espirituais e/ou religiosas, usam o termo doutrina para designarem suas práticas.
"Riqueza é, para o sábio, o que ele faz pelos outros". (Lao Tsé) 

‘Ciência’ taoista

Diferente da ciência moderna ocidental que é cartesiana (racionalista), no conhecimento milenar (antigo e moderno) taoista em nível de experiência (chamado por alguns de ‘ciência taoista’) não se separa o corpo da mente e ambos da energia (e/ou espiritualidade). Também não se separa o ser humano do resto da Natureza, como faz a concepção platônica judaico-cristã ocidental. Assim a ‘ciência’ taoista atua tendo em vista a unidade, o todo, e não o fragmento.

As pesquisas dos grandes mestres e mestras taoistas são a principal base da MTC (medicina tradicional chinesa), que em princípio é proativa (preventiva ou antecipatória), a partir de conhecimentos das ervas medicinais, de uma alimentação equilibrada, das alquimias e terapias como a acupuntura, massagens, mocho, das práticas da meditação, Chi Kung, Tai Chi, entre outras. Nisso, o taoismo enquanto espiritualidade, filosofia e ‘ciência’, deu subsídios para outros conhecimentos nestas áreas, como a prática japonesa do Reiki por exemplo. Atualmente se relaciona muito o conhecimento interno taoista com a física quântica. Também podemos relacionar com as antigas práticas nativas brasileiras, indígenas e caboclas, sendo a benzedura e trabalho com ervas, duas delas.

 

Taoismo e ocidentalismo platônico judaico-cristão

 

·         Na visão do filósofo inglês John Gray:

 

“O pensamento ocidental está fixado no hiato entre o que é e o que deveria ser.”

“Fora da tradição ocidental, os taoistas da China antiga não viam nenhum hiato entre ser e dever ser. A ação correta era o que quer que derivasse de uma clara visão da situação. Eles não seguiam os moralistas – confucionistas, naquela época – que buscavam acorrentar os seres humanos a regras ou princípios. Para os taoistas, a vida boa é apenas a vida natural vivida com habilidade. Ela não tem nenhum propósito particular. Não tem nada a ver com a vontade e não consiste em tentar realizar nenhum ideal. Tudo o que fazemos pode ser feito de maneira mais certa ou menos certa, mas, se agimos certo, não é porque traduzimos nossas intenções em ações. É porque lidamos habilmente com o que quer que precise ser feito. A vida boa significa viver de acordo com nossas naturezas e circunstâncias. Não há nada que diga que ela deva ser a mesma para todo mundo ou que deva estar em conformidade com a ‘moralidade’.
            No pensamento taoista, a vida boa vem espontaneamente; mas espontaneidade está longe de ser simplesmente agir segundo os impulsos que nos ocorrem. Em tradições ocidentais como o romantismo, a espontaneidade está ligada à subjetividade. No taoismo, significa agir desapaixonadamente, baseado numa visão objetiva da situação presente. O homem comum não pode ver as coisas objetivamente porque sua mente está anuviada pela ansiedade de alcançar suas metas. Ver claramente significa não projetar nossas metas sobre o mundo; agir espontaneamente significa agir de acordo com as necessidades da situação. Os moralistas ocidentais perguntarão qual é o propósito de tal ação, mas, para os taoistas, a vida boa não tem propósito. É como nadar em um redemoinho, respondendo às correntes tal como vêm e vão. ‘Mergulho com o influxo e emerjo com o refluxo, sigo o Tao da água e não imponho a ela minha visão egóica. É assim que permaneço à tona’, diz o Chuang-Tzu.”

“O taoista relaxa o corpo, acalma a mente, afrouxa a pressão exercida por categorias tornadas habituais pelo nomear, libera a corrente de pensamentos para diferenciações e assimilações mais fluidas e, em vez de pesar escolhas, deixa que a inclinação espontaneamente encontre sua própria direção. (...) Ele não tem que tomar decisões baseadas em padrões de bom e mau, porque, admitindo-se apenas que iluminação seja melhor que ignorância, é auto-evidente que, entre inclinações espontâneas, a que prevalece numa situação de maior clareza da mente, outras coisas sendo iguais, será a melhor, ou seja, a que está de acordo com o Tao, o Caminho.” (A. C. Graham)

(‘Cachorros de Palha’ – John Gray)

 

 

Em suma...

 

O taoismo é um sincretismo de conhecimentos, é uma a filosofia, que é uma espiritualidade, que é uma cultura, que é uma sabedoria, e que tem na existência, na prática, na Natureza e na Vida, seu sentido de ser. Herança de grandes mestres e mestras do passado (e que seguem no presente), principalmente da grande mestra, a grande mãe Natureza.

 

"A grande virtude do Céu e da Terra chama-se vida" (I Ching, o Livro das Mutações)



quarta-feira, 21 de agosto de 2019

O espírito cinza de um país que queima transtornado


A comemoração do governador do RJ, Wilson Witzel pela morte de um jovem negro, pobre e que cuidada da propriedade dos outros (era vigilante), no episódio do sequestro do ônibus sobre a ponte Rio-Niterói - comemoração esta também do atirador, jornalistas e outras pessoas que no local estavam (em casa também tiveram os que vibraram) - retrata a face de um país dissimulado, decadente e transtornado em seus valores morais. 

O mesmo governador, é aquele que, junto com a polícia, num helicóptero, participava de uma operação onde atiravam de fuzil contra a população negra e pobre de uma favela. O mesmo que sobre a morte de adolescentes negros e pobres dias atrás, disse que 'alguns vão morrer', acompanhando o discurso do presidente Jair Bolsonaro. O mesmo que, no ato da quebra da placa que homenageava Marielle Franco (mulher, negra e ativista dos Direitos Humanos), comemorou. Atitudes típicas do fascista, e que está no poder (como outros que neste momento atuam no país), sob os olhos e participação da 'justiça' brazileira e de muitos brazileiros que se esbaldam com a tragédia alheia.

Sim, o sequestrador colocou em risco outras vidas, e por isso teve sua vida encerrada. Até aí, o fato se explica e a ação da polícia se justifica. Agora, comemorar a morte é algo estupidamente depravado.
Vivemos um tempo de 'espetáculo' midiático, onde tudo se filma e se publica, seja pela rede social ou pela TV. Onde juiz, polícia, governador, presidente, etc., agem como 'pop-stars'.  Onde tudo se torna show, discurso, publicidade, espetáculo (leia-se ‘Sociedade do Espetáculo’ de Debord). Onde a moral, a discrição, o equilíbrio e o bom senso, dão lugar ao bizarro e ao discurso moralista da palavra e da imagem.

O sequestro em seu desfecho não foi trágico (não pelo menos para os sequestrados). Graças a ação acertada da polícia? Sim. Mas também ao caos. Ou seja, a circunstância. O sequestrador foi atestado com problemas psicológicos. Não feriu ninguém. Estava transtornado. Participou do 'espetáculo'. O trágico foi a atitude do governador, de alguns policiais, jornalistas, mídia e populares, que engrossaram o discurso de ódio ao 'preto-pobre-transtornado' ao comemorarem sua morte. Há quem diga que comemoraram o desfecho. Mas, o desfecho também foi a morte.

Num contexto maior, o jovem, também foi uma vítima (por estar nesta condição de transtorno mental e social), que fez outras vítimas, ambos frutos de uma sociedade transtornada - e espetacular, governada por demagogos e moralistas. Como num filme comercial e publicitário de Hollywood, Witzel, o governador, desce de um helicóptero, vibra como que comemorando um gol numa partida de futebol, e profere para a mídia televisiva um discurso típico do moralismo do cinema ideológico hollywoodiano.

Nossa realidade, nossa cultura, sofre de transtorno (numa concepção taoista, o ‘espírito deste tempo’), onde o ódio e o fetiche pela morte (do pobre-preto-transtornado) são o prazer dos dementes. É o fascismo demente brazileiro no seu ápice. Comemora-se, ri-se do paliativo enquanto o problema real continua. É acima do problema que eles, os bizarros e dementes que governam, fazem seus showzinhos e mantém-se em evidência. É o governo do bizarro. E as bizarrices continuam. Enquanto o país queima em cinzas e transtornos...