sexta-feira, 29 de março de 2013

Nossa cultura do desleixo...



















obra de Banksy


Pela programação ‘espetacular’ e sensacionalista, feita ‘pão e circo’ da televisão brasileira e mundial. Pelo repertório das rádios e dos ‘artistas’ que reproduzem a granel aquilo que já é território, produto iconizado, repetição, clichê, lugar comum. Pela publicidade disfarçada de ‘arte’ e sua propaganda enganosa. Pelos ‘artistas’ viciados nos seus egos inflamados ou suas ignorâncias consagradas, e que já tem seus passos programados e seus espaços monitorados, feitos território. Pela arte servil e morta em sua ‘espiritualidade’ – feita produto publicitário e mercado. Pelos produtos da Indústria Cultural, ditos ‘bens culturais’ - ou mercado cultural. Pelas escolas brasileiras que se confundem com carceragem, presídios, cadeias, fábricas. Pela forma de consumir, pensar e estar. Pelo individualismo vaidoso da ‘livre concorrência’ – discursada como ‘liberdade’ -  o status social de aparentar, mas não ser. Pelo tal ‘espírito competitivo’. Pela mesquinharia e mediocridade das reproduções midiáticas e cotidianas. Pela falta de interesse, de curiosidade e audácia, de anseio e busca do diferente, do alternativo. Pela fome de nada e sede de coca-cola. Pela sociedade espetacular - hiperespetacular! - o império é do efêmero! (leia-se Debord, Lipovetsky e Juremir Machado). Por isso e por aquilo e por tudo isso e mais um pouco, sofremos de um tédio terrível. Um tédio por não querermos mais saber. Pelo vazio nos herdado do não saber ou do saber no raso. É mais fácil, cômodo e menos doloroso consumir – e sem saber que assim somos consumidos – e ao invés de saber ou pelo menos tentar, apenas absorver e reproduzir. Não sabemos ler, pensar, estar nem ser. Somos analfabetos funcionais e com uma funcionalidade utilitária: manter um sistema de coisas superficiais, sem vida e sem sabor. Mas sabemos reproduzir e querer não saber - e não sabemos escolher. Sabemos apenas não saber - de nada! Mas estamos sobrevivendo, existindo – mas não necessariamente vivendo. Não, não sou niilista e a vida não é esse show de aparências e falsas inteligências que se convencionou dizer por aí – e quantos disso se convenceram?! A vida não é se dar bem - nem mal. A vida é pra ser vivida, ‘para além do bem e do mal’. Que o digam F. W. Nietzsche ou Viviane Mosé e suas desconstruções filosóficas – para além, muito além do platonismo universal e idealista: “Em nossas escolas, incluindo as universidades, já não se ensina a estudar. O estudo, a humildade e o silêncio do estudo, é algo que nem sequer se permite. Hoje, já ninguém estuda. Mas todo mundo tem que ter opiniões próprias e pessoais” (Nietzsche). Sofremos de um mal ancestral, porém, contemporâneo: Nossa cultura não é a de estudar, investigar, atentar, questionar, modificar, ousar... Nossa cultura é a de educar para reproduzir, manter e ‘viver’ com certa ‘segurança’, certo ‘conforto’ - e certeza naquilo que é incerto. Uma cultura de sobrevivência para a morte: ‘nossa cultura do desleixo’ – e não vai muito além disso. Repito, não sou niilista (nem negativo nas minhas observações), apenas ainda me permito observar... 

hgs.


* também publicado no jornal Folha do Bairro - do grande bairro Efapi, Chapecó-SC, em 29/03/2013.



terça-feira, 19 de março de 2013

E o perigo espreita...


























São nos momentos de crise econômica - e na crise de ‘certos valores’  - que ideias morais de cunho fundamentalista tomam espaços, refletindo-se em ações. Eis o perigo! A escolha do novo Papa demonstra que algumas ‘tradições’ e práticas da Idade Média - aquele período onde a Igreja fazia o que bem entendia com aqueles que julgasse ‘infiéis’, hereges ou pagãos (leia-se os vários e horrendos ‘episódios’ da chamada ‘Santa Inquisição’), continuam vivas. Mas, um fato envolvendo religião (e ideologia – pois, de certo modo, religião e ideologia andam de braços dados), e que causou alvoroço e críticas por parte dos mais atentos nessa configuração, foi a eleição do pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) para presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, pelo ‘simples’ motivo deste se mostrar preconceituoso (homofobia, racismo, machismo, etc.), conforme algumas declarações públicas suas. Tudo seria muito cômico se não fosse trágico – e de certo modo é (cômico) – aquela coisa: ‘rir para não chorar’. Imaginem (agora percebam - pois aconteceu!), o presidente da Comissão dos Direitos Humanos um preconceituoso, dono de ideias de cunho nazifascistas?! Alguém dirá: ‘Só no Brasil mesmo!’. Eu não teria tanta certeza disso. A crise econômica na Europa também alimenta ideias assim, tanto é que grupos de orientação de extrema direita, ligados a ideologias similares ao nazifascismo, cresceram significativamente, ocupando espaços na política oficial daquele continente. Enquanto isso, aqui no Sul do país (Curitiba-Paraná), nesta semana que passou, um jovem foi assassinado por um grupo de skinheads (nazifascistas), que pregam (e praticam) o ódio às diferenças e minorias: afrodescendentes, nordestinos, homossexuais, indígenas, prostitutas, etc. - e uma tal ‘superioridade’ do homem branco. Isso muito se assemelha ou se identifica com a postura fundamentalista do pastor/deputado Feliciano. E o que se vê por aí, são pessoas (muitas jovens) defendendo o dito-cujo, enquanto outros repudiam a eleição deste para tal cargo. Apresenta-se aí uma disputa ideológica, onde, de um lado estão aqueles indignados e/ou preocupados com a situação, e do outro, os que defendem o pastor/deputado (ou suas ideias?). Existe uma chamada ‘bancada cristã’ na câmara dos deputados que, em acordo com outras tendências, partidos e interesses, acabam elegendo nomes ‘estratégicos’ para sua jogatina. Mas o Estado brasileiro não deveria ser laico? Ou seja, ser independente dos fundamentos (ou fundamentalismos) religiosos? Nesse ‘jogo’ também acontece um discurso por parte daqueles que defendem o deputado (ou seus próprios interesses?), como se estes - e o ‘vitimizado’ - sofressem preconceito pelo simples fato de serem religiosos. Mas será que é isso mesmo? Enfim... Ficam as interrogações. Enquanto isso, o perigo vive a espreita. 



sexta-feira, 15 de março de 2013

Breve crônica de Brasília




















Estive na capital federal, Brasília, enquanto membro do Sinproeste (Sindicato dos Professores do Oeste Catarinense – da rede privada de ensino), participando de um ato organizado pelas Centrais Sindicais e Movimentos Sociais de todo o país, que foi chamada de ‘Marcha Hugo Chavez’, em homenagem ao líder/estadista venezuelano que morreu naqueles dias. Foram 4 voos entre ida e volta, no mesmo dia. A marcha saiu do Estádio Nacional Mané Garrincha e se direcionou até o Planalto, onde foi o grande ato, que contou com aproximadamente 50 mil trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do campo, de todo o país. Em pauta, a luta pelo fim do fator previdenciário, a Reforma Agrária, Educação, entre outros temas urgentes de importância e relevância nacionais. Já em Brasília e com os pés firmes no chão, juntamente com companheiros de outros sindicatos afins, nos juntamos à multidão rumo ao Planalto. Passamos pelos ministérios e pude conhecer de perto as famosas obras futuristas da capital, criadas pelo arquiteto socialista Oscar Niemeyer. Nisso, constatei: ‘Niemeyer via ET’s!’. Muito me intrigou nessa viagem. Não conhecia pessoalmente Brasília, e penso que todo o brasileiro deveria conhecer um dia. Não pela beleza, nem pelo ‘status’ de ser a capital federal, nada disso, mas pela experiência de ver, perceber e/ou sentir o contraste de um país, de uma nação, ali, bem de perto, e na sua capital. Brasília é um lugar projetado para ser capital, e nisso, o contraste entre o status de sê-lo e a miséria (não só alimentar, mas existencial-humana) é gritante. Ao tempo em que se abrem as portas dos carrões oficiais, e saem de seus interiores ministros ou executivos, sorridentes, acompanhados das suas secretárias executivas, como se fossem top models, altas, magras, belas, bem trajadas, burocráticas, etc. (coisa de cinema ou novela, acreditem!), pessoas divagam pelos cantos, juntando restos, fumando crack, enlouquecidas, quase invisíveis aos olhos formalizados dos homens de negócio, diplomatas, políticos, e todo aquele artefato de uma ordem de cunho liberal-burguesa, dita ‘democrática’. Brasília, onde a correria dos dias úteis enche as ruas de nada. Aqueles espaços vazios, aquelas cabeças cheias. Nos entornos de uma Brasília e sua da rede hoteleira, entre hotéis de mil e tantos reais a diária, dos ministérios, dos altos e luxuosos prédios dos bancos, a miséria existencial-humana divaga sem perspectivas. Operários que trabalham aproximadamente 14 horas diárias, mendigos, viciados, putas, velhos, crianças, zumbis, loucos, gente, em conflito constante com a ordem policiada e organizada para o comando disso tudo, para que isso tudo funcione – ou aparentemente funcione. Eis Brasília, a capital federal, numa leitura breve, dura, tendenciosa de minha parte (e não haveria de ser diferente). Quem não acredita, sugiro que vá pessoalmente e veja, sinta, viva um pouco daquele ar seco, quente e contrastante. Minha febre é uma febre de quem se insere e não distancia. E essa febre aumentou nessas poucas horas em que estive em Brasília. 

Herman G. Silvani


*também publicada no jornal Folha do Bairro em 15/03/2013


quinta-feira, 7 de março de 2013

Orgulho hetero (?)



O mundo virtual é cheio de informações e conteúdos, é certo. Porém, muito disso é efemeridade, pré-conceito, reprodução, mediocridade. E é na dita ‘rede social’ (facebook) que me deparo com alguns desses tipos de ‘conteúdo’. Entre perfis, comentários e compartilhamentos racistas, homofóbicos, chauvinistas, ufanistas, etc., um dos que mais me deu asco (depois do perfil ‘O sul é meu país’) nos últimos dias, foi a de um chamado ‘Orgulho hetero’. Já ouve no Brasil até uma tal 'marcha pelo orgulho hetero' encabeçada pelo Sr. ‘Bolso-naro’ (aquele polêmico político cheio de cuidados e defesas de valores e morais judaico-cristãs). Essa autoafirmação ou autodefesa (precavida e premeditada) de uma 'postura política sexual', tem um fundo de medo, um sentimento de ameaça, sendo que, certa linha da antropologia pesquisou e constatou que, quem se defende muito do outro ou das diferenças, está se precavendo do que poderia vir a ser, e tem forte tendência de sê-lo. Por isso o suposto motivo dessa 'resistência', desse 'distanciamento', dessa postura ‘preventiva’.  Aliás, para quem não sabe, a maioria das pessoas que aceita e/ou assume sua sexualidade, faz isso depois dos 40 anos de idade - e considere-se que a sexualidade também pode ser relativa, pois também é uma construção histórica (quando não ideológica). Nisso, geralmente, essa atitude (a de tentar mostrar para o outro o que se diz que se é, demonstra incerteza e receio), para alguns é característica daqueles que não se garantem e precisam provar ao mundo sua 'masculinidade' (cá entre nós, frágil e vitimizada). As ditas 'minorias' - ou grupos que sofrem com a imposição da maioria - tem seus motivos, pois geralmente são as que sofrem com o preconceito e a discriminação, mas a 'maioria' com essas ‘autojustificativas’ e/ou ‘autodefesas’ gratuitas, é outra coisa. Portanto senhores, o canal é se assumir, ser o que se é, pelo menos para si próprio, ao invés de ficar tentando ‘provar’ algo que, no fundo, é improvável. Pior de tudo, é ver jovens com esse tipo de postura, conservadora, cheia de cuidados aparentes e autoafirmativas. A variedade de sexualidade e gênero faz parte da natureza, e não pertence ao ‘achismo’ e conveniência das pessoas, suas crenças e/ou vaidades. No fundo, esse papo de ‘orgulho hetero’ é a maior ‘viadagem’...


* também publicado no jornal Folha do Bairro, em 08/03/13