segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A alegria de viver dos jovens, privatizada...
















Sim, eu posso ser cético (e até sou – mas nem tanto), desde que isso não me torne estúpido.

Na rede social mais famosa do mundo, ‘cristãos’ (ou pseudos?) vomitando asneiras frente à dita ‘tragédia de Santa Maria’, enquanto isso, do outro lado da ‘trincheira’, ditos ‘ateus’ (ou politiqueiros?) fazem do fato uma arma contra seus opostos ‘crentes’ – sendo que no fundo, ambos se encontram numa consagração das vaidades, estupidezes e mediocridades ideológicas que os mesmos cultivam de forma mesquinha e horrenda. Interesses maquiados de verdades e uma pseudo razão forjada em discursos e bandeiras político ideológicas. Enquanto alguns fazem do fato bandeiras de suas disputas territoriais e ideológicas, parte significativa do jornalismo brasileiro faz papel de ridículo, disputando pontos no ibope com pormenores e mediocridades. Tem até aqueles que aproveitam a situação para atacar as lágrimas da presidenta, como se isso fosse ‘o problema’ de maior vulto na situação. Bem, mediocridade por mediocridade, vamos ao âmago da questão. Em primeiro lugar, como cronista (e já que essa é uma das minhas atuações ‘profissionais’- atuo!), já fui insultado por falar sobre isso, e agora, depois do acontecido, reforço o que já critiquei outras vezes. Essa ‘história’ das comandas em casas noturnas nunca me desceu bem. Pra início de papo, pelo que sei, não existe nada que ‘legitime’ cobranças desse tipo. Já presenciei situações constrangedoras e de violência por parte de ‘seguranças’ e até ‘gerentes’ e/ou promoters de algumas casas - ou porque a comanda molhou no banheiro e rasgou, ou porque foi perdida - e quando questionei sobre esse tipo de atitude reacionária, em algumas situações quase tive que me defender da violência daqueles que deveriam ‘assegurar’ a integridade de seus ‘clientes’. Mas o despreparo (principalmente humano e psicológico) é tanto... E o que dizer da fiscalização pública nestes casos? Simplesmente uma piada. Um soma de fatores foram responsáveis pelas mortes daqueles jovens. Diferente de um Luís Carlos Prates que, com toda sua moralidade (ou moralismo? Ou medo do escuro?) culpou a ‘escuridão’ das casas como principal motivo daquela situação (não, não é piada minha, eu ouvi isso, acreditem!), não vou ser tão ‘autêntico’ como ele (ou evasivo?). Essa soma de fatores, os quais já descrevi alguns acima, acabam dando em outro fator, e esse sim, tomo como o principal: “a falta de consideração com o outro” – uma questão de respeito. E esse é um fator sociocultural. Em troca do ganho, do lucro privado, como gados confinados, esses jovens foram tratados (e são!). O jogo da privatização dos espaços, e como subsequência, da vida. Lugares fechados que não suportam a quantia de pessoas e suas portas trancafiadas. Saídas de emergências que não funcionam. Um papel chamado de ‘comanda’ que controla o lucro e o tempo das pessoas (e que estabelece uma multa de forma truculenta e fictícia). O mal preparo dos ‘trabalhadores’ nas suas áreas de atuação. O poder público omisso e incompetente. Empresários doentes no jogo capital – além da imbecilidade de algum ‘artista’ que é acostumado a dar ‘showzinho’. Tudo isso se soma a algo maior: “os valores medíocres de uma sociedade privatizada”, onde todos são números contabilizados como ‘massa’. Enfim... Que pelo menos esse fato triste, sirva para alguma mudança nisso tudo.

Herman G. Silvani




sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Causo de ficção: ‘O messias da invernada’













Alcei meu voo às cinco da manhã. Rua vazia. Fazia calor no Velho Oeste. Meu peito, um deserto maior que o mundo. A noite anterior havia sido dura. Descarregamos um caminhão de pernil de gado em dois, eu e meu comparsa Guilhermino. Tingimos as paredes do açougue de vermelho. O sangue da carne de todo aquele gato misturado ao nosso suor gerou uma química que acabou num odor nada agradável. Caminhei alguns quilômetros até a saída da cidade com um punhado de réis no bolso. Meu chapéu e meu casaco velho, minha camiseta e meu jeans desbotados, minha bota suja e o maço de cigarros. Era tudo o que eu precisava para atravessar a fronteira e sumir do mapa. Meu couro a prêmio. Os coronéis não poupavam. Deixei pra trás um amor, o cão, um rancho velho e o matungo que já não tinha forças para a empreitada. Tentaram me convencer para vendê-lo ao frigorífico para que fizessem salsicha. Me disseram que dava uma boa grana, mas não, meu cavalo velho é digno da minha consideração. Nos piores momentos ele esteve me carregando em seu lombo. Andei até esquentar o taco da bota e o sol não foi nada amigável, queimou valendo. O Velho Oeste já foi mais inóspito, tá certo, mas com os coronéis a minha espreita não podia vacilar. Um caminhão inteiro de pernil de gado rendeu um troco, pelo menos para que eu me sustente até arrumar algo aqui no Rio Grande. Vou atrás de um pedaço de terra para plantar e me manter vivo por mais algum tempo, até a poeira baixar e eu poder voltar para buscar meu cachorro e minha mulher, se eles ainda estiverem vivos. Em Xapecó, depois dos índios e caboclos, foram os forasteiros, agora é a vez de gente da minha laia. Sou ‘persona non grata’ para os olhos dos donos do poder. Varrer gente como eu é o que eles mais querem. Se livrar daquilo que os representa ameaça. Até que os servi com bons cortes de carne, minha arte, tive algum valor. Foi só eu pisar na bola uma única maldita vez que eles começaram suas caçadas. Famílias nobres, tradicionais, sei... Nobre foi meu avô que nunca larapiou ninguém e sobreviveu do trabalho e do bom trato com as pessoas, as plantas e os animais. Por isso é que nunca enriqueceu. Não expulsou ninguém das suas terras nem tampouco fez comércio com aquilo que é de todo mundo - ou pelo menos deveria ser. E eu, seu descendente, caçado como um javali do mato. Mas eu voltarei, e as coisas vão mudar, aguardem...



sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Religião, mídia e poder...




Caso e briga de cachorro grande, diocramento!

“O Ministério das Relações Exteriores concedeu passaporte diplomático para dois líderes da Igreja Mundial do Poder de Deus. Segundo o Itamaraty, Valdemiro Santiago de Oliveira e Franciléia de Castro Gomes de Oliveira receberam o passaporte diplomático em ‘caráter de excepcionalidade’, mas não foram fornecidos detalhes”. (...) “Leia mais: Bispa da 'Renascer em Cristo' lança perfume com cheiro de Jesus”.

Abro a internet e em uma página inicial me deparo com essas preciosidades de um Brasil de privilegiados – amém! Adentro no assunto em busca de uma pauta para minha possível crônica (esta que agora estou parindo), e outras informações desse naipe caem frente aos meus olhos de predador. A briga de cachorro grande (não tem nada haver com aquela banda de rock gaúcha que volta e meia dá o ar da sua graça aqui na região), entre Record (a emissora do bispo) e a Globo, continua. Agora o alvo da Record foi a minissérie ‘O canto da sereia’ e a novela ‘Salve Jorge’. Os motivos ‘religiosos’ (e/ou ideológicos?) da Record são de tons conservadores. Vestida com a carapuça do moralismo ‘politicamente correto’, a emissora do bispo diz que a minissérie (que já terminou) da Globo faz (fez) apologia à bissexualidade, já que mostrava um romance entre duas mulheres. Mas isso não é novidade, aliás, está na moda (não estou dizendo aqui que vejo problema nisso, de forma alguma, ok?). Além disso, segundo um pastor ligado à emissora, a minissérie promoveria também a religião de origem africana, o candomblé. ‘Que blasfêmia! Só o cristianismo (e de cunho político e ideológico, diga-se de passagem) pode ser difundido meus puros’! E a bancada ‘cristã’ do congresso junta-se aos ruralistas (latifundiários) na defesa dos interesses da nação – das ‘sua’ nações’, a bancada escolhida por um deus que não gosta de índios, sem terras e outros segmentos ‘pagãos’. Com isso, não estou aqui defendendo a obesa programação da ‘rainha’ rede Globo, mas, esses ‘motivos’ ou objetos de ‘crítica’ da Record, cá entre nós, são descarados, e no mínimo, recheados de interesses. Essa ‘briga’ de doutrinas, crenças (ou discursos em torno delas?), tem um fundo político e ideológico, além da disputa pelos pontos de audiência. E muitos de nós, tolos sentados no trono alimentando esse ‘espetáculo’ midiático, essa turma que se farta na grana e discursa pureza, sinceridade, moral, etecétera. A disputa é pelo e em torno do poder, o que no discurso midiático se faz parecer outra coisa. Por isso, abrir um bom livro, locar e assistir um bom filme, ouvir uma boa música, ou mesmo jogar papo pro ar, pode ser um programa bem mais rico do que sentar na frente de uma TV, e como diria Raul Seixas: “com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar”... 


* também publicado no jornal Folha do Bairro em 18/01

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Composição & e Cover, entre a criação e a reprodução...


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Chapecó é uma cidade que tem em torno de 190mil habitantes, um comércio aquecido, padrão de vida (de um modo mais geral) bom e onde a especulação imobiliária se expandiu muito. Além deste contexto econômico e das mazelas sociais (o que não vou nem trazer a tona aqui, pois não é o momento), temos certa ‘tradição’ no rock autoral e independente por aqui. O cantor Tyto Livi e a banda Grupo Nozes, ambos residentes e produtores nos anos 70 em Chapecó, foram os primeiros artistas a gravar discos (compactos) autorais de forma independente da região e, pelo que sei, do Sul do país. O disco ‘Memórias de um certo louco’ do Tyto, que inaugura essa história, data de 1977, enquanto o do Nozes, 1978. De lá pra cá tivemos muitas bandas e produções próprias aqui na cidade e região. E os espaços foram se constituindo e se conquistando aos poucos. Passado o tempo, ainda hoje Chapecó abriga muitas bandas autorais e/ou compositores, muitos deles talentosos, diga-se de passagem. São daqui bandas como Repolho e Os Variantes, só para citar duas das mais significativas, que rodam mais fora da cidade e tem suas músicas mais conhecidas no cenário autoral/independente. Hoje vivemos um bom momento do rock chapecoense, talvez, em termos de ‘qualidade’ (mesmo isso sendo bem subjetivo), um dos melhores da nossa história. São algumas bandas muito boas, criando, produzindo e compondo bem, tocando bem, tendo boas presenças e/ou posturas de palco, criando voz própria. Porém os espaços para essas bandas é bem reduzido se compararmos a algum tempo atrás. Se as bandas aumentaram e melhoraram seu material artístico/musical, os espaços também deveriam ter se ampliado, dentro de certa lógica. Mas, acontece o oposto. Bandas cover enchem os espaços, por dois motivos, penso eu. Um: as casas de shows e/ou bares abrem mais suas portas para isso, consciente ou inconscientemente, apoiando e alimentando a prática do cover; Dois: parte significativa do ‘público’ entusiasta do rock, gosta dos ditos ‘clássicos’, dos já consagrados, e não podendo ver seus ídolos e/ou ícones ao vivo, partem para as ‘imitações’, pois, cá entre nós, e sem meias palavras ou disfarces, cover é imitar – o que é diferente de fazer versões e/ou releituras de outros. Sei que isso não é algo ‘racional’, pois gosto (esse tipo de gosto) atinge a parte afetiva, emocional. Não há nada demais em curtir a música que gosta, é claro, porém, o que é difícil compreender, é que, como alguns sempre cavam o mesmo buraco e não se cansam disso? Sei, alguns vão me dizer: ‘música boa é eterna!’, e eu sei disso e concordo. Mas, abrir um pouco a cabeça, a alma, os ouvidos para ‘o diferente’ também pode gerar prazer e, certamente, ampliar horizontes. Muitos dos ditos ‘clássicos’ viram uma espécie de entidade ou santidade, em que seus ‘adoradores’ os glorificam sem cessar como num altar, onde o ícone é intocável – e ai daquele que criticar o ‘deus’! Isso aconteceu muito na década de 70 e 80 com o culto ao ‘rock star’, principalmente, impulsionados pela beatlemania e o que veio depois dela. Mas essa também é outra história para um outro momento. Hoje ainda esse culto, ou essa forma de se conceber e pensar o ‘artista’, o roqueiro ou as bandas preferidas, é corrente. Muitos fãs e/ou admiradores veem seus gostos dessa forma, mas algumas bandas ainda agem assim. São interesses, intenções, pretensões e motivos variados. Algumas bandas absorveram ‘estereótipos’ e não largaram mais deles, e isso é uma característica, principalmente de bandas cover – se bem que, conheço muitas ‘autorais’ que assim também se portam e agem. Aquela velha ‘estória’ do rock star e seus motivos estereotipados como ele: ‘cerveja, fama, mulher gostosa (ou não) e roquenrou’. Assim se constituiu um dos maiores produtos da indústria cultural e do entretenimento da história (senão o maior). Depois da Segunda Grande Guerra (entre 1945 a 1950), um novo conceito de jovem surge. O teenager passa a ser o foco das atenções da indústria da moda, da música, do consumo. O jovem que antes parecia deslocado do mundo, passa a ser um potencial consumidor, o maior de todos os tempos. O mercado de ‘novidades’ e efemeridades volta-se ao jovem, suas buscas e anseios. E isso se estabelece e se reproduz até hoje. Dentro de todo esse contexto encontramos o rock, suas bandas, seus modos, suas políticas. Sim, políticas, pois TODOS tem posições e/ou posturas, mesmo os que agem de forma a se ‘neutralizar’ nisso (dentro de um discurso dado), pois, “não tomar posição, é uma tomada de posição”. Nisso, vemos hoje, não uma disputa declarada, pois não há critérios e frentes democráticas para isso (é muito desigual a situação e a realidade), mas um jogo de forças, mesmo que desiguais, onde, de um lado, com as maiores oportunidades e espaços garantidos, estão os covers, com suas reproduções, seus estereótipos, e algumas bandas que, mesmo não sendo covers, agem como tal e somam nesse jogo ao lado dos ‘reprodutores’ (vamos assim chamar, pois, além da música, estão as posições, as ideias, os passos), do outro lado,  os compositores, as bandas autorais, os ‘criadores’ ou ‘produtores’, que contam com seu talento, alguns apoios e espaços mais ‘democráticos’ e de bom senso (e menos capitalistas, diga-se de passagem), e parte inspiradora e inteligente do grande público, que ouve e pensa (porque não?) para além do que já é consagrado, para além do que é dado e reproduzido em massa. Instrumentos da indústria da cultura, como os meios de comunicação (informação) de massa, já cumprem com esse papel, que, muito além de ‘democrático’, é ideológico (leia-se melhor essa discussão com a Escola de Frankfurt). Sei que existem necessidades e motivos, mas também sei que existem interesses e certo conformismo ou comodidade, até na valorização dos agentes culturais e artísticos e na audição, por parte significativa daquilo que se chama ‘público’. Também sei que as casas de shows, eventos e bares tem que sobreviver – já cansei de ouvir isso, mas, existem outras questões que vão além dessa mera ‘sobrevivência’, pois, além de lucro, comércio e sustentação, estamos falando em ‘arte’, cultura, música, e reduzir isso a uma jogatina, onde o maior valor é o ganho, o status e a reprodução, é no mínimo alimentar a mediocridade dos feitos humanos. Da minha parte, estou ao lado da amplitude desses conceitos e não do reducionismo.

 

Cover não é Versão - cover é imitação, e versão é releitura...


Particularmente, não gosto que digam que, enquanto compositor e guitarrista de uma banda de rock, fazemos cover. Aliás, se realmente fiz ou tentei fazer cover nas bandas que já toquei, foram raras as vezes que isso aconteceu. No começo não tinha condições, pois mal sabia tocar e meu ouvido não era bom (não que hoje saiba ou seja, mas, aprendi um pouco). Talvez por não ter técnica suficiente para saber imitar, comecei já com as músicas próprias, tentando apenas alguma imitação, chegar perto de alguma banda que gostava na época, mais isso é muito comum, ainda mais no começo, diga-se de passagem. Nisso, tive ‘escola’ no punk que me forneceu, além da possibilidade, do risco, a energia, o vigor de fazer sem medo. Aprendi um pouco de partitura e tablatura, mas não tive paciência (nem tempo) para investir nisso, e acabei usando o ouvido e a intuição, além do conhecimento (muita audição, busca, pesquisas e leituras sobre música e afins). Hoje posso dizer que ainda não fazemos cover. Epopeia faz algumas ‘releituras’ e/ou ‘versões’, o que é diferente. Não nos despenhamos a tirar músicas iguais ou muito semelhantes as ‘originais’. Obedecemos nossa ‘musicalidade’ e sonoridade, nossa voz, nossos modos e maneiras de fazer. Nada mais divertido e de certa ‘autenticidade’, poder criar em cima do que já existe, ou seja, fazer daquilo, outro - mesmo que fique um tanto parecido, mas não muito. Para isso é preciso deixar um pouco de lado aquela paixão, aquela sensação de ‘purismo’ e compromisso com a dita ‘originalidade’. Mantendo certa ‘essência’, o âmago da obra, o mais é roupagem, e a roupagem é de cada um. Sei que isso demanda de certa experiência, certo tempo, certo acendimento, certo talento e disposição, mas chega um tempo que o ‘produto artístico’, a obra, neste caso, a música, passa a ser o mais importante, realmente, e, a partir disso, falar por si só. Mas nem sempre foi ou é assim. As coisas não caem do céu ou vem de um dom divino, de cima para baixo. É preciso, além de certo talento, alguma afinidade, prática, suor, trato, inteligência, disposição e necessidade. Chega um ponto que a música, a composição, além da cabeça, dos sentimentos, dos instrumentos e amplificadores ou caixas de som, sai do corpo, do estômago, das vísceras. A música, assim como qualquer outra arte, expressiva, comunicativa e forte, adquire linguagem e voz própria. Sei que isso não é tão comum, tão corrente, mas acontece. A partir daí, a música fala para das suas ‘necessidades’ ao músico e/ou instrumentista. Timbres, sobras de som ou resonâncias, ruídos e arranjos já não são mais meros detalhes ou complementos da música, são a própria música, ou seja, fazem parte do corpo e ambiente sonoro dela, ou por onde ela vai se propagar.

E o que isso tem haver com o cover?

Muito, eu diria. O cover, se comparado a isso, é engessado. Cover é imitação, ou, no melhor dos casos, tentar chegar perto do ‘original’. Não vejo nada de autêntico num cover. Mas isso não significa também que eu seja contra. Apenas acho, a maioria dos que já vi/ouvi, chatos. Tocar cover demanda de uma atitude bem radical, porém, para quem ouve (se munido de condições, é claro!), também de uma audição bem radical. Cover, ou é bem tocado, que no exato momento da execução te remete a pensar e sentir a banda e música ‘originais’ - e se tu gosta da música vai curtir (e porque não?), ou é uma bosta! Mas esse também é o ‘perigo’ da versão ou releitura. Alguns tentam, mas o tróço fica forçado e sem graça, pois, neste caso ‘é bingo!’, não condiz com a sonoridade, musicalidade e voz da banda. Então, para fazer versões ou releituras, é necessário um ‘desprendimento’ das formalidades, assim como daquilo que se tem como ‘original’ – “por não ser original, não significa que não possa ser autêntico” – e isso pode ser tão difícil quanto um cover bem feito. Acontece que muitas bandas navegam a meio mastro, não fazendo um nem outro, ou seja, não fazem um bom cover nem uma boa versão, só fazem porque a música é conhecida e cai no gosto dito ‘popular’ (ou ‘popularizado?’ – outra discussão além).

Minha intenção ao pensar e por no papel (ou no com-puta-dor) essas questões, não é alimentar uma disputa, criar uma guerra ou algo assim, simplesmente, sinto uma necessidade em discussões como esta que pouco rodam no meio musical e/ou artístico, pelo menos aqui na cidade. Por isso existem equívocos, disputas bestas, brigas e afins em torno disso, pois não se discute e se aprimoram os conhecimentos e argumentos a respeito daquilo que se vive. Muitos ‘roqueiros’ são bons em subir no palco, mal apena tocar (como dizem os mais velhos), bater cabeça ou gritar: ‘róquemrooooouuu!!’, além de galantear meninas com isso e andar por aí com panca de pop star. Além disso, nada. Atitudes como essa somam na reprodução de valores individualistas e individualizantes que a ideologia de mercado e política que há por trás da indústria da cultural promovem. E a história do rock, tanto dos consagrados quanto dos independentes (que sonham com a consagração), é recheada disso. Para encerrar, nada contra (mas também a favor – pois não é essa a questão e não é tão simples assim), o cover, o público de cover e os eventos que se beneficiam dele, simplesmente falo pelo que está além disso, dessa ‘estrutura’, dessa formatação. Sim, Metallica, Led Zeppelin, Doors, Guns, entre outros, são boas bandas, e existem boas bandas covers dessas, porém, o mundo continua e rock não morreu, apesar de muitos engessa-lo ou sepultá-lo em décadas passadas. Boas, talentosas e até geniais bandas e seus talentosos compositores estão acontecendo, significativamente, e no presente. Bandas como as do Jack White (The Raconteurs e Dead Weather), The Mars Volta, Radiohead, Arcaide Fire, Placebo, Wolfmother, etc., (entre as ‘gringas’); Plástico Lunar, Cidadão Instigado, Rafael Castro e os Monumentais, Confraria da Costa, Sopro Difuso, Ruido/mm, Rinoceronte, Skrotes, Mordida, etc., (entre as mais contemporâneas); Patrulha do Espaço, Os Mutantes, etc., (entre as mais ‘clássicas’ e ainda atuantes); e não vamos longe: as já citadas Repolho e Variantes; mais: John Filme, Duranggos, Hairy Stone, Marujo Cogumelo, (não é preciso citar Epopeia, não é? hehe!), etc., (entre as locais/regionais)...

Enfim, uma gama muito grande e boa de novas e velhas (mas ainda atuantes) bandas e suas belas composições e obras para serem mais apreciadas, percebidas, descobertas, ouvidas, dignificadas e valorizadas, basta olhar para além do que já é visto, e ouvir, como ouvidos de quem sente e pensa por si próprio.

* escrito em 15/01/2013 (dia do Compositor)
 

Herman G. Silvani  (escritor/cronista, professor de linguagens & humanas e sociais, compositor & guitarrista da banda Epopeia)


sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Os Reality Shows e você como produto


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Os Reality Shows dominaram o mundo do entretenimento televisivo. E recomeça, em sua 13ª edição o BBB (Big Brother Brasil – leia-se o ‘Grande Irmão’ de ‘1984’, baita obra literária de George Orwell que também virou um bom filme). Não bastassem criar algo semelhante em outra emissora, só que em versão interiorana, no caso, A Fazenda - agora também tem a Fazenda de verão, com pessoas ‘comuns’ e não mais com estrelas da indústria cultural – pessoas ‘comuns’ que, no caso, se tornam ‘estrelas’, mesmo que suas luzes brilhem por pouco tempo. Daqui um pouco teremos A Fazenda de primavera, outono e inverno, e o BBB vai completar seu centenário. Não duvidem! ‘Não dê a ideia Herman!’. Pelo que sei, no mundo todo, o BBB só restou no Brasil. Consumimos tanta porcaria estrangeira que isso não deveria ser novidade pra ninguém. E a Globo é campeã nisso. Observemos os filmes hollywoodianos que a emissora vincula na sua obesa programação, só para citar um exemplo. Nos alimentamos do resto, do lixo, da mediocridade que, em muitos lugares é execrada. Por aqui não, no país do futebol e do carnaval televisionado, resto é artigo de luxo (de lixo), mas, se dá certo, é porque alguém consome, não é? Você consome? Pior é que esse tipo de programa (além dos consumidores), só é possível, pois, além do governo liberar (questão das concessões – outra parafernália que no Brasil funciona com tapinhas nas costas: ‘Vai lá!’ - e a turma do ‘deixa disso’ me acusa de radical), devido aos mantenedores, ou seja, aos investidores, patrocinadores. Um tremendo capital é investido nesses programas, e os publicitários do ‘espetáculo’ (leia-se ‘A sociedade do espetáculo’ de Guy Debord), estão entre os lucradores desse ‘circo’ (o pão é garantido com a dita ‘economia aquecida’). Grandes indústrias e marcas estão por trás desse circo de horrores que é a grande mídia brasileira. E tem sujeito metido a ‘filósofo trágico’ que ainda vem me dizer que o debate da ‘indústria cultural’ (leia-se Escola de Frankfurt) já está superado ou é coisa do passado, como se todos tivessem leitura, análise, crítica ou mesmo visão disso tudo. O circo é bem maior do que parece meus queridos, tanto é que se reproduz a granel nos meios de comunicação de massa, inclusive, na internet e suas ditas redes sociais. Já cansei de dar pitacos a respeito, mas insisto, pois é algo que envolve tudo e a todos, pelo menos os que ainda respiram. Enfim... Convido todos a prestarem atenção nos ‘financiadores’ desses reality shows e pensarem melhor antes de consumir determinadas marcas, pois são elas que dão vida àquilo que lhes tornam meros coadjuvantes, subprodutos e objetos de uma realidade e cultura medíocres. Enfim... Não é Efapi, mas é ‘espetacular’!



sábado, 5 de janeiro de 2013

Cultura armada

Vivemos um tempo de angústias. Um tempo de depressões, estresses e outras ditas ‘doenças’ modernas, subjetivas, psicológicas. Os religiosos preferem chamar de ‘doenças da alma’. Os românticos idealistas, de ‘doenças do coração’. Eu, de ‘doenças da cabeça’. Mas isso não é tão importante. A pergunta que perturba grande parte da população norte americana e mundial no momento: ‘Porque ele matou aquelas crianças?’ – trata-se da mais recente ‘chacina’ numa escola norte americana. O jovem, classe média (no Brasil seria média/alta), pacato, ‘semblante CDF’, inteligente (segundo amigos e família), etc. e tal, abriu fogo e matou 27. Alguns professores, mas a maioria, crianças. Autoridades e sociedade civil, novamente (como sempre acontece), ‘buscam respostas’.Respostas, que, da forma que se pretende, não existem. Já iniciamos o novo ano, e segundo alguns interpretes do calendário Maia, um novo ciclo, um novo momento– e eu espero que assim seja! O desespero bate a porta e as ‘pessoas comuns’ procuram uma justificativa, uma explicação que as conforme e/ou conforte. Em todo caso, se mira o indivíduo, e neste caso, o atirador. Este, para a maioria, é o culpado, único e exclusivo. São várias as justificativas (ou pretextos): ‘Tinha problemas de relacionamento’, ‘era depressivo’, ‘viciado em drogas ou jogos de violência’, etc, etc, etc. A ‘lógica’ (ou a falta dela) desse pensamento vai de encontro as crenças e convicções passadas, engessadas dessa cultura vitimizadora e que reproduz a ideia de ‘livre arbítrio’, como se fosse uma verdade dada, única e absoluta. Mas não. Sinto em soprar ardentemente o sonho alheio, mas isso não passa de crença e reprodução de certa convicção mórbida. De certo modo, o ‘assassino’ também foi vítima (tanto é que acabou morrendo também). E não, não estou defendendo sua ação, apenas dizendo que o ‘indivíduo’não é o causador de uma situação terrível como esta. Visualizo ‘um todo’ social como agente, ou seja, a cultura e certos valores humanos. Valores de competição, disputa e imposição de poder. Valores armados. O jovem atirador foi instrumento desses valores, dessa cultura. Fez vítimas, a maioria, inocentes, crianças. Os adultos... bem, adultos são outro papo. Vítimas também, mas não tão inocentes assim. Mas esse é um outro papo para um outro momento. Se prosseguirem as mesmas análises, avaliações, crenças, ideias, pensamentos sobre fatos como estes, como se fossem fatalidades, virão outros. Despejar toda a culpa num único indivíduo é uma forma de livrar a cara da sociedade constituída, seus valores, crenças e práticas. Nisso, desconstruir esse discurso do ‘certo e errado’, ‘bem e mal’, pode ser um começo – para, talvez, uma real mudança...

Herman G. Silvani