Da lama ao pó
"Céu e
terra não têm atributos e não estabelecem diferenças: tratam as miríades de
criaturas como cachorros de palha."
(Lao-Tsé)
Anos e anos de
exploração. Exploração do trabalho, humana e da natureza. A velha crença
monoteísta judaico-cristã e liberal-capitalista que diz que ‘deus fez a
natureza para ela servir ao homem’, e que ‘a natureza é uma fonte de recursos
inesgotáveis’. Para o taoismo, homem e bicho ou qualquer outra forma de vida,
tem o mesmo valor (nações indígenas brasileiras também tem esta relação com a
natureza). Todos são parte de um só. ‘Mas aqui não é a China, Herman!’ – alguém
me diz. ‘Sim, eu sei. Mas aqui também não é a França’. Nisso, também temos
nossas próprias tragédias e sofremos com terrorismos variados. Um deles
encobriu parte das Minhas Gerais a poucos dias, matando bichos, gente, plantas
e o rio. Não, não foi um ‘acidente’ como noticiaram alguns meios de
comunicação. Foi um ato terrorista. Ato que não foi feito pelo tal Estado
islâmico, mas sim pelo Estado brasileiro e seu desleixo, aliado ao setor
privado da economia. Ato acumulativo. Ato terrorista-histórico. Sugaram o que
puderam dos minérios da região. Extraíram riquezas do solo com a mão de obra
pobre, barata, explorada até o talo. Europeus enriqueceram com esta colonização
de exploração, com nossos ouros, diamantes e exploração do trabalho. ‘Levaram o
outro e deixaram a lama’, disse um morador de Mariana. A Vale do Rio Doce (agora
só ‘Vale’) matando a vida no Vale do Rio Doce. Que ironia! Da lama política
institucional oficial ao pó do bom senso, da razão e da sensibilidade – tudo
sujo, contaminado, poluído e soprado a toda sorte. Um pó que, quando soprado,
forma uma nuvem que atrapalha a visão... Para continuar com nossa miopia
sociocultural.
"Que o
homem é a mais nobre das criaturas pode ser inferido do fato de que nenhuma
outra jamais contestou essa pretensão." (G. C.
Lichtenberg)
Entre o sangue e o sagrado
A França sangra. A Síria e o Iraque sangram. Meu
olho e nariz sangram. Parte dos meus pensamentos são feitos a sangue e suor. A
Igualdade, Liberdade e Fraternidade ocidentais são uma ficção. De um lado
bombardeios aéreos, de outro, homens bomba. Dos dois lados vítimas inocentes
desta ‘barbárie’ contemporânea. Primeiro a cristianização do mundo, agora, sua
islamização. Ambas crenças e práticas monoteístas, cada uma a seu modo, pregam
uma única e absoluta verdade, irredutíveis. Ditadura da palavra sobre o corpo,
da crença sobre a realidade. Mas no fim, é a realidade quem dita. Vida no além,
uma crença, uma perspectiva ou hipótese. Morte no aqui-agora, uma realidade. A
realidade é nua e crua e não pergunta se se acredita ou não nela. Só acontece.
A resposta nada inteligente e moral do ocidente ao terrorismo: bombardeios e
mais mortes. A vida humana nestas condições já não é tão importante assim, como
se pensa a partir dos livros sagrados das religiões em questão. De sagrados
para sangrados, livros e territórios. Mas ainda há o petróleo, a conveniência e
uma pseudo-razão. Todos se acham bons e os preferidos de deus. Mas nenhum é.
Nem um. Ninguém.
* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.