“O pensamento
ocidental está fixado no hiato entre o que é e o que deveria ser.” (John Gray, ‘Cachorros de Palha’)
As disputas humanas ‘territoriais’ e, portanto, econômicas
e politico-ideológicas (entre outras), da forma que estão sendo no mundo
contemporâneo, tem seus fundamentos nas concepções e buscas incessantes por
'recursos' e certas 'razões' ocidentais. Historicamente, o ocidente, seja ele filiado
à ideologia política que for, não conseguiu (e por acaso tentou?) se livrar de
seu 'espírito' tradicional de disputa, status e acumulação, como também não
conseguiu ir além de um 'tipo idealizado' (o que, por enquanto não passa disso)
e não real de 'sistema' humanamente evoluído ou equilibrado de vida ou
organização sociocultural. Para que esta possibilidade existisse, seria preciso
abandonar certas crenças, preceitos e concepções em pró de outros menos ambiciosos
(e aparentes) e mais profundos (e ‘silenciosos’). Um caminho visível seria
buscar possibilidades em outras concepções, teorias e experiências (o ‘taoismo’,
por exemplo - enquanto 'filosofia' e não religião - é um desses possíveis caminhos),
para além do 'dualismo' platônico segmentador e do 'idealismo', também
platônico e que inspirou a concepção 'judaico-cristã' de 'verdade' final,
direta ou indiretamente influenciando quase todo o pensamento ocidental
moderno, com forte acréscimo do 'humanismo iluminista', inclusive suas teorias
de sociedade e economia - leia-se anarquismo, socialismo, comunismo e
liberalismo, que, mesmo diferentes entre si, ou até antagônicos, tem uma mesma
base de crença e modo de conceber o 'futuro', ou seja, um tempo linear de
história, com base numa crença de ‘progresso’, em termos religiosos, um suposto
'paraíso' vindouro (ou qualquer outro nome que isso possa ter). Gostemos ou
não, existe um furo nessas concepções ocidentais todas - e sobra algo relacionado aos 'excessos' e ao
'ego', ao que se acredita como 'melhor', 'superior' ou ‘ideal’. O ocidente, por
tradição filosófica ou religiosa, é 'desequilibrado'. Já conquistou territórios
e desenvolveu tecnologias e formas de economia e ordem sociocultural o
suficiente para poder viver hoje com mais equilíbrio entre si e com a natureza,
mas parece que ainda não sabe disso e continua 'barulhento', 'rígido', 'míope'
frente a esta natureza e a outras possibilidades de pensamento e práticas que
considerem a ‘vida como relação’ e não como ‘conquista’. Mas ainda são as concepções 'religiosa' e
‘humanista’ (leia-se ‘antropocentrismo’) de que o homem é o ser mais importante
(feito ‘a imagem e semelhança de deus’) que regem a cultura humana, e que, por
isso, tenta justificar sua luta incessante por 'poder', luxo (o que se confunde
por 'conforto') e lugar próprio e exclusivo na natureza. Um lugar que nem seu é
- e nunca vai ser, pois nem existe, onde ele, o homem, neste planeta, apenas
'está' como parte de um todo, muito maior do que ele, seu ego e suas disputas.
* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó