sexta-feira, 26 de julho de 2013

Educação financeira? Doutrinamento!

Crianças precisam brincar, correr, serem ouvidas e respeitadas. Crianças precisam de afeto, carinho, sensibilidade, proteção. Crianças precisam de risos, cães, gatos, bichos ao seu redor, de grama, terra e ar para respirar. Crianças precisam de palavras livres, de música boa e diversão. Crianças precisam estudar. Crianças estudantes para além do formalismo escolar, para além dos desejos mercadológicos e de status da família nuclear, do dogmatismo religioso, das necessidades cartesianas criadas e usadas para a manutenção de um modo de vida que se mostra faz tempo, equivocado, reducionista e medíocre. Crianças não precisam dos valores de mercado, dos valores da dita ‘livre concorrência’ ou da competição ou disputa por espaços de poder. Crianças precisam de certa educação. Não a educação mecânica e materialista. Não da educação mesquinha vinda dos aparelhos ideológicos publicitários, privados ou do Estado. Educação para além ‘dessa educação’. Quando ouço falar em ‘educação financeira’, sinto náuseas. Amo as crianças, e isso explica esse meu sentimento. A parcela ainda sensível do mundo adulto precisa proteger as crianças da ambição competitiva que se estabelece nessa cultura de resultados e somas. Criança não é objeto nem número. ‘Educação financeira’ é uma ‘didática’ destrutiva dos ‘valores’ (ou modos) infantis. É o assassinato da criança que, mais próxima da natureza, tem necessidade e a criatividade para fazer o diferente – e manter o riso espontâneo do ‘ser criança’. Uma legião de crianças risonhas desprezando a ‘educação financeira’ dentro das escolas, seria um belo feito educacional. Eu, como professor, estarei do lado delas...


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 26/07



quarta-feira, 24 de julho de 2013

Leituras do Cotidiano - 25/07

Uma história da miséria (um conto de ficção?)














Era uma noite fria. Eu e Parafuso andávamos lado a lado em busca de um local  quente para passar a noite. Qualquer lugar é mais quente do que a rua no inverno. Mas fazia anos que não dava um frio tão intenso. Ah, Parafuso! Meu fiel amigo de estrada. Diversas vezes, enquanto eu bebia, ele me fazia companhia, com seu olhar todo voltado pra mim. Olhar sincero, de compaixão. Olhar canino. Depois, quando eu já não mais me entendia, Parafuso deitava ao meu lado com seu corpo peludo e me aquecia. Sempre que podia, eu fazia uma fogueira pra nos protegermos do frio. Não foi diferente naquela noite. Enquanto eu olhava para o fogo, lembrava do dia em que Parafuso apareceu na minha vida. Ah! Aquele olhar! O bichinho era tão pequeno que eu tinha o maior cuidado ao pegá-lo na mão. Havia encontrado um terreno baldio para armar minha pousada, quando ouvi um choro canino que vinha detrás de um capinzal. Me aproximei e foi então que encontrei aquele cãozinho dentro de uma caixa de papelão misturado a alguns parafusos velhos - e esse então foi o motivo do seu nome. Levei-o para perto da fogueira e dividi com ele o pouco arroz com carne moída que tinha. Ele abanou o rabo me retribuindo com um olhar de agradecimento. Olhar que ficou gravado pra sempre na minha memória. Ali nascia nossa amizade. Algo comum nos unia: nossas vidas miseráveis, de abandono e andanças. Alguns anos se passaram e Parafuso cresceu. Eu envelheci junto ao meu amigo peludo. Esse inverno foi o mais frio e miserável que já passamos juntos. O ácido da cachaça corroendo meu intestino, enquanto Parafuso, raquítico, enfraquecido de tanto caminhar e pouco comer, já nem latia mais. Naquela noite, maldita noite, alguns jovens bem vestidos passaram por nós enquanto tentávamos aquecer um ao outro. Derramaram cerveja gelada em mim. Parafuso tentou me defender quando foi chutado violentamente por um dos garotos. O frio estava me matando, não bastasse a fome. A cachaça amenizava minha dor e aumentava meu delírio. Num ímpeto de loucura, despejei o resto de cachaça que havia na garrafa sobre Parafuso que, muito machucado, ainda abanava seu rabo pra mim. Acendi um fósforo e acabei por atear fogo no meu único e miserável amigo. Parafuso não gritou nem gemeu. Apenas me olhou com um olhar de despedida. Em chamas, deu algumas voltas e tombou. O fogo durou até o amanhecer e eu sobrevivi mais uma noite. O efeito do álcool passou e então eu fui perceber o que havia feito. A fome voltou e eu ainda estava vivo. Contive as lágrimas... Meu coração, agora mais frio do que o próprio inverno, ainda insiste em bater.


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó, 25/07


Obs.: esse conto/crônica não é inédito, já foi publicado em outros jornais, por um motivo muito simples.. sem mais.. obrigado!

hgs.



sexta-feira, 19 de julho de 2013

Espetáculo circense no octógono...

O mais recente ‘espetáculo’ do UFC transmitido pela TV aberta, contou com a ‘atuação’ do grande ídolo nacional do chamado MMA, Anderson Silva. Espetáculo de caráter circense recheado de piadas por parte dos comentaristas que insistiam na seriedade do número (ou da própria luta em si), fazendo apologias à suposta superioridade do brasileiro naquele ‘esporte’. De duas, uma: ou o lutador/atleta/ídolo/herói ‘vendeu’ (ou entregou a luta) ao oponente, ou realmente levou a pior devido a sua arrogância, esbanjamento, deboche e ‘má educação’ (elementos que circundaram o espetáculo). Subestimar o outro, geralmente, é falta de inteligência. Para qualquer conhecedor e/ou praticante de artes marciais – que pratica para além do espetáculo - ficou nítida a sua ‘estratégia’ de luta: guarda aberta e/ou baixa, provocações ignóbeis, mãozinha na cintura (só faltou fazer uma dancinha e requebrar até o chão - ‘grande técnica!’) - e ainda cumprimenta a plateia no início da luta como se fosse um combate visceral de arte marcial de tradição asiática! Parte do espetáculo? ‘Não sei! Só sei que dessa farra, um pouco eu sei’. Cheguei a rimar a frase para não dizerem por aí: “Ai, quanta falta de sensibilidade do Sr. Herman G. Silvani?! Minhazarma!”.




















* também publicado no jornal Folha do Bairro, 19/07



quinta-feira, 18 de julho de 2013

Leituras do Cotidiano - 18/07

A dita ‘classe média ascendente’ em pose de burguesia...

"Burguesia: Liberal em seus princípios, egoísta na prática, ela não sabe o que quer". (Michelet)

Frente à choradeira da dita 'classe média ascendente' (também considerada nova ou pseudo- ‘burguesia’), reprodutora dos valores e modos da dita 'classe alta / dominante' (sua exploradora), devido às propostas de reforma no país vindas do 'governo federal' (leia-se, pela figura da presidenta Dilma Rousseff - como no caso da obrigatoriedade dos novos médicos trabalharem por dois anos no SUS, mediante pagamento de R$ 10 mil mensais - conste-se), é que atribuo o uso da citação de Michelet que fiz acima.



















O capital, seus capachos e os 'marginais'

A grande mídia golpista e seus capachos (medíocres comentaristas, 'jornalistas' e afins), descaradamente detrataram em seus vínculos de comunicação as mobilizações das centrais sindicais e dos movimentos sociais que aconteceram no Brasil na semana que passou: 'Atrapalham a vida dos trabalhadores', disseram eles. ‘Claro, não estavam vestindo branco, nem fazendo discursos subjetivistas ou ideológicos contra a corrupção’, digo eu (nem apontando suas ignorâncias para a presidenta Dilma como se ela fosse a 'dona dos problemas nacionais e locais' ou promovendo quebra-quebras, etc). As reivindicações dos movimentos sociais e sindicais são contundentes, reais. Mas, 'se antes as mobilizações, com toda a violência da parcela dos oportunistas, eram justas, as da semana passada (11/07), foram dos marginais (marginalizados)’, segundo a grande mídia. Isso me leva a crer que essa grande mídia e seus reprodutores, não gostam do cheiro do povo e, claramente, estão posicionados contra os avanços e direitos dos trabalhadores, ao lado das grandes corporações e dos interesses de uma minoria privilegiada pela concentração de renda que é histórica nesse país.


Falando nisso...

Em meio a críticas populares e cobranças do Ministério Público, a grande empresa do transporte coletivo de Chapecó ofereceu um café aos ‘amigos da imprensa’ local para justificar o valor da sua tarifa, questionada pelos manifestantes. ‘Café para a imprensa!?’ Que chique, eim!? E nem me convidaram! Por um bom café, sou capaz até de me passar por jornalista...


 * também publicado no jornal Gazeta de Chapecó, 18/07




sexta-feira, 12 de julho de 2013

Eu inseto...


 Olho para o teto. A goteira cai lenta e gelada na minha testa. A noite se arrasta umedecida como a lesma na parede do meu quarto. A garrafa de rum foi morta em menos de uma hora. Toda a cerveja e todo o cigarro duraram um pouco mais. Na tevê, o mesmo de sempre. Futebol, novela, tiros, propagandas de automóveis com gostosas ao lado, comentários estúpidos de jornalistas medíocres sobre as manifestações que tomam as ruas, herói político nacional em denúncias de corrupção, herói esportista nacional tombando no ringue feito um deslizamento de terra, etecétera. Tudo muito importante e empolgante. Tanto que jogo a garrafa vazia de rum na porcaria da tevê. Ela silencia e incendeia. Deixo que queime até virar pó. Enquanto isso, uma garoa fina cai lá fora. O dia é uma projeção e eu continuo esparramado na cama. Uma barata passa sobre meus pés. A única e boa companhia das últimas vinte horas. Ela não fala pelos cotovelos, não reclama, não me pede cigarros nem joga sua ira sobre minha alma. Tenho a alma leve por isso. Não me incomodo com a barata, e por mais que não goste de insetos, tolero seus modos. Admiro a resistência dos insetos e a forma com que se movem e como se adaptam a condições adversas. Olho para meus braços e para a barata. Lembro-me de Kafka. Penso que se eu ficar mais algumas horas ou dias nesse quarto, me transformo em inseto. Fecho os olhos aguardando a metamorfose.

hgs. 


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 12/07


quinta-feira, 11 de julho de 2013

Leituras do Cotidiano - 11/07

Aos resistentes da praça central...

Eles movimentam-se rumo a dias melhores. Utopia ou esperança, não importa,  estão ativos. Pensam para além de si próprios. Pensam, não pelo outro, mas o outro - e com o outro. As coisas da vida em pauta. Pensam o mundo, a rua. A rua como espaço público de convivência, para além do controle e do concreto. Enquanto muitos permanecem trancados em suas casas no pretexto de que a rua é um lugar perigoso, eles fazem da rua um lugar amplo, diverso, vivo. A rua traz um ar de liberdade e de possibilidades que ela, só ela, tem. Viver a rua é ampliar as possibilidades de vida. São guerreiros, são lutadores. São corajosos amantes da rua, pois só quem ama a rua também a pode viver. Juntaram-se a outros guerreiros, outros lutadores que, mesmo antes deles, já estavam por lá, cobertos por papelões dormindo sobre o chão. Acompanhados por seus cães magros e alegres e com suas barbas mal feitas, seus odores de sofrimento, seus risos de poucos dentes e muitas lidas, eles fazem das ruas suas casas. Casas de tetos estrelados onde os quintais são livres de muros e grades. Os guerreiros lutam por espaços mais amplos e humanizados, por certa dignidade que consta em certos livros e discursos por aí. Ocupam praças se aquecendo do frio com abraços solidários. Barracas armadas de esperança e fé. Não a fé distante dos cultos ou das igrejas, nem das promessas ou das instituições burocráticas, mas a fé cantante, expressiva e audaz do povo. Eles fazem mais do que os olhos podem ver, e são agentes que escrevem a história presente, com seus atos e palavras, com suas coragens e vontades de mudança, e por mais difícil que a luta possa ser, resistem, sem perder o riso e a ternura, jamais!

*  Dedicado aos acampados da ‘Assembleia Popular Permanente’ da praça central de Xapecó.



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O lugar da filosofia para além da fragmentação filosófica

Os que habitam o mundo ideal não percebem a guerra que há aqui fora

Tratar o conhecimento e o pensamento como algo distante das experiências cotidianas faz perder a noção do todo, e isso é admitir a existência de uma ‘superioridade’ de pensamento, ou seja, uma divinização do lugar do pensar e do pensador - como reza, por exemplo, o idealismo platônico. Uma das problemáticas a enfrentar no contemporâneo, é justamente a fragmentação do pensamento. É preciso retomar o pensamento (e o conhecimento), como algo ‘universal’ (mas não generalizante – e há uma diferença nisso). Para isso, são imprescindíveis as referências ou a soma dos conhecimentos e leituras de mundo adquiridos no caminho e pelo tempo.


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó, 11/07



sexta-feira, 5 de julho de 2013

Perguntas que cairiam bem ao ‘herói’ dos arrebanhados: Joaquim Barbosa!

















“Por que juízes têm dois meses de férias por ano? Por que o judiciário ganha auxílio-moradia e auxílio alimentação retroativos? Por que mulheres de ministros do STF recebem passagem em primeira classe para acompanhar os maridos?” (Juremir Machado – Correio do Povo)


A ‘corrupção’ tá na boca do povo. Na boca dos que querem derrubar a presidenta e na boca dos que realmente querem um país melhor. A corrupção nunca foi tão ouvida pelas ruas, na televisão, ao redor das mesas de jantares, nas escolas. A estupidez de alguns é tanta que chegam a urrar por um infundado impeachment da presidenta - como já fizeram outra feita em Xapecó com o ex-prefeito petista José Fritsch (alguém lembra dele e do fiasco da tal tentativa frustrada?). Outros, pouco menos ou pouco mais estúpidos, clamam o nome de Joaquim Barbosa para presidência do Brasil. Tudo em nome da ‘santa corrupção nossa de cada dia’. Parte das nossas práticas e da nossa cultura é corrupta há aproximadamente 500 anos, e só agora alguns foram perceber isso (?). Mas, convenhamos, a corrupção é tanta que chega a ser ‘legal’ (ou legalizada por lei). Como assim Herman? Basta voltarmos os olhos para o início dessa crônica (citação do Juremir). Eis a resposta! Sem mais por hoje...


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 05/07 



quinta-feira, 4 de julho de 2013

Leituras do Cotidiano - 04/07


Cadê a ‘classe’ dos artistas xapecoenses?

Em vários locais do Brasil a dita ‘categoria’ ou ‘classe artística’ se mobiliza para além das suas atividades rotineiras, ultrapassando o limite do seu espaço e somando a outras ‘classes’ e/ou grupos manifestantes. O Brasil tomando as ruas - e Xapecó também é rua. Dentro deste contexto, sinto falta dos ditos 'artixxxtas' xapecoenses nas ruas, num momento crucial de possibilidade de um real desenvolvimento nacional, para além do econômico, ou seja, um desenvolvimento cultural e humano. Pelas ruas da cidade encontrei um que outro ‘artista’ fazendo parte desse momento (como o povo do Hip-Hop que, por aqui, anda peleando sem receio, por exemplo). Muitos dos que mais ‘garganteiam’ por aí, sumiram do mapa. Será que o 'idealismo platônico', onde a crença de que, existem seres privilegiados (que nesse caso seriam os ‘artistas’) que não se misturam ao povo 'comum' na rua, afeta nossos ‘artixxxtas’? Esse 'idealismo' que já infesta o ego de muitos professores e ditos filósofos (entre outros) que acham estarem além da realidade. Tempos atrás, artistas eram voz ativa em movimentos políticos e culturais no Brasil. E hoje? Onde estão? Medo de comprar briga com o poder público e ou seus 'investidores privados'? Postura de 'superioridade'? Não sei, não sei, só estou me perguntando, já que também transito nesse meio. 'Teatreiros, roqueiros, poeteiros, literateiros, arteiros plásticos, musiqueiros', etecétera, vocês ainda respiram?

“A arte da vida, da vida de um poeta, é, diante do nada o que fazer, fazer algo”. (H. D. Thoreau)


E a dita ‘classe média’ brasileira...


A dita 'classe média' brasileira nunca esteve tão bem, economicamente falando. Graças a melhor situação econômica que o país já teve ao longo de sua história - no caso, hoje! E isso se dá devido a que? Incoerentes, ‘inconscientes’ e inconsequentes, os 'medianos' reproduzem ideias e discursos da dita 'classe alta', se portando como tal (mas não sendo), defendendo seus exploradores contra a 'classe baixa', a mais sofrida e sem poder entre elas. Sei que isso não é nada novo, mas já é passada a hora disso ser pauta. Estupidez e covardia dos que se acham inteligentes e vítimas de tudo. Jogar a culpa das mazelas sociais, econômicas e culturais nas costas largas do povo mais ‘humilde’ é fácil. Como é fácil transferir a responsabilidade sua ao outro. Quero ver é encarar de frente essa realidade e assumir que até então, a postura dessa dita ‘classe média em ascensão’, foi uma postura de capacho. Veremos se essa ‘classe’ abre o olho e se bota em seu lugar, para assim, quem sabe, passar a adquirir mais amplitude no seu intelecto e coerência nos seus discursos e atos. Para isso, é preciso criar vergonha na cara e enfrentar os reais mantenedores desse sistema. Aí sim poderemos falar com mais franqueza sobre uma tal ‘corrupção’.  




* também publicado no jornal Gazeta Chapecó, 04/07