domingo, 19 de maio de 2019

Mentalidades, práticas, contradições, classe social e o motor da história


Olhando para a história (como vivente e professor de humanas e sociais), me parece que, em grossas linhas, a sociedade e/ou cultura humana sempre se dividiu em dois modos de atuar na vida, que também se tornaram concepções.  Enquanto alguns criam, trabalharam, desenvolvem, caminham para simplesmente viver, de forma equilibrada e/ou livre, tendo em vista a natureza e o outro, outros fazem praticamente o oposto. Vivem para controlar, dominar, escravizar (e tem também os que somam nisso, reproduzindo estes valores). A partir de conversas com conhecidos e dos vários exemplos de mazelas que acontecem pelo mundo, tendo em vista o tempo atual, que é do predomínio da informação e das tecnologias, muitos seguem reproduzindo uma mentalidade escravocrata, discriminatória, segregadora, seja consciente ou inconscientemente. Já ouviram, dialogaram, discutiram, leram, assistiram e até viveram fatos que teriam de tudo para mudarem suas concepções e atitudes perante o mundo, a sociedade, a natureza, o outro, a vida. Porém, isso não aconteceu. Seguem na mesma, o que me leva a crer que, a tão sonhada consciência de classe pensada por Karl Marx, como algo a ser alcançado, nunca vai acontecer, pois por falta de exemplos, fatos, diálogos, avisos, críticas, discussões, conteúdos, que estas pessoas não mudam seu olhar, suas concepções, visões e passos, não é. Então, infelizmente, a realidade nua e crua, penso que seja esta. Ou seja, este dualismo entre pensamentos e atitudes, continuará. A partir disso, penso que a contradição é o motor da história, e não a luta de classes como preconizou também Marx. Meus amigos marxistas me desculpem, mas, até então, ao longo da história, isso foi o que vigorou. Quem realmente vê ou pensa classe? Quem realmente busca esta consciência, este estado de ser-estar? Nem muitos ditos marxistas ou da esquerda fazem isso, quem dirá quem não é. O fato é que existe uma estagnação na percepção, no olhar, na sensibilidade de muitas pessoas que, envelhecem sem ter acesso ou possibilidade de acessar certos conhecimentos, certas práticas que as façam avançar no pensamento, na visão ou olhar, e assim, refinar suas ações existenciais e culturais. E é isso que concreta parte da construção social que, por sua vez, poderia ser móvel.


E a esquerda brasileira, onde está nisso tudo?

O que a esquerda não fez o suficiente durante seus anos de governo foi investir mais em arte/cultura e educação, no sentido de ampliar espaços livres para isso. Muitas pessoas com capacidade, com conteúdo, habilidades, conhecimentos artísticos, conceituais, filosóficos, estiveram (e estão) país adentro atuando, muitas vezes de forma independente (muitas sofrem para terem uma vida minimamente digna). Pessoas que a esquerda em vários aspectos negligenciou (viciada que é nossa política no jogo do poder e da narrativa). Ao invés de chamar este povo, com projetos sólidos e investimentos coerentes e dignos, preferiu ou teve que abraçar seus afins partidários, além dos que devia favores políticos, mesmo estes não tendo condições para modificar a realidade a partir de seus conhecimentos e práticas socioculturais. Assim, um grande número de agentes culturais e sociais, com grande capacidade e conhecimento, manteve-se (e mantém-se) produzindo para sobreviver, fazendo o que sempre fez, ou seja, movimentar a sociedade a partir dos próprios esforços. Enquanto isso, o governo da esquerda alimentava o status em torno do carro a motor individual, facilitou para os bancos, deixou a grande mídia privada deitar e rolar. Viagens de avião e consumos no shopping não trazem consciência de classe nem valores sociais ligados a igualdade e diversidade sociocultural. Houveram sim, nestes anos, avanços nas áreas social, cultural e econômica, sob o governo da esquerda, mais do que todos os outros governos anteriores (e posteriores, até então), mas, infelizmente, não o suficiente, sob tudo no âmbito cultural e educacional. Não, pelo menos, para acompanhar o avanço econômico e de consumo. E aí é que foi o grande problema. Pior é que alguns cabeças pensantes desta esquerda, continuam a não olhar para isso. Por isso também do limite de ação e transformação social da própria esquerda e seus projetos de governo.

Em suma, se um dia tivermos a tal consciência de classe, esta consciência, sob tudo, passa pela educação e cultura. O fator econômico não cria consciência de classe (como, equivocadamente alguns muitos marxistas interpretaram – ou é a teoria que diz isso?), nem de si mesmo e sua relação com o outro e o mundo. É a sensibilidade das artes, a educação de cunho filosófica ou reflexiva e certas práticas de vida ligadas a natureza que criam isso. Simplicidade, naturalidade e equilíbrio são os fatores que devem ser priorizados, não a oportunidade ou incentivo para se atingir status social e econômico. São duas formas claras de se viver e constituir um mundo, uma sociedade, uma cultura: a da simplicidade e equilíbrio (que prioriza a diversidade) ou a da desigualdade e dos excessos (que prioriza o domínio de um sobre o outro). A primeira, na sua efetividade, essa sim, é uma sociedade sem classes. A segunda, bem, a segunda é isso aí que todos estamos vendo/vivendo...





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