sexta-feira, 20 de novembro de 2020

A carne mais barata do mercado

“A carne mais barata do mercado é a carne negra”. Assim canta a mestra Elza Soares em dois dos seus magníficos discos. Música de composta e também gravada por Marcelo Yuka, Seu Jorge e Ulisses Cappelletti.

Na véspera do ‘Dia da Consciência Negra’, no Brasil mais um negro é morto de forma covarde (entre tantos outros que sofrem discriminação e violências neste país - e pelo mundo). O fato ocorreu no Carrefour de Porto Alegre, capital gaúcha. Dois seguranças, entre eles, um era policial militar, espancaram o homem de 40 anos até a morte. As informações que circulam é que o homem morreu sufocado. Teve o joelho de um dos seguranças no pescoço e provavelmente foi estrangulado (com um ‘mata-leão’, suponho). Independente do golpe ou técnica que levou o homem à morte, e das motivações para tamanha agressividade, foi assassinato. O contexto envolve dois homens ‘brancos’ (ou não negros) seguranças da empresa contratada pelo supermercado. Não é a primeira vez que crimes violentos acontecem dentro do Carrefour. Nesta mesma rede de supermercados já foi morto também covardemente um cachorro por um segurança, um vendedor que sofreu infarto e morreu, e que teve seu corpo escondido por guarda-chuvas para que o as vendas continuassem, e agora este homem negro é assassinado de forma brutal. Estes fatos revelam que esta empresa tem um histórico de violências, e que respeito pela vida, ética e moral não são o prioridades em sua ‘filosofia’. Não importa o motivo dos seguranças, eles foram muito além de suas funções (ao menos que a função de seguranças seja matar. Creio que não).

Insegurança

Em meados dos anos 90, depois de eu ter tido uma pausa com as práticas de Kung Fu, montei minha primeira banda de rock e por isso passei a frequentar eventos, boates, casas de shows e bares aqui na cidade de Chapecó. Eu ainda era menor de idade. E não foram uma nem duas, foram inúmeras vezes que tive que me defender da agressividade de seguranças e policiais. Por sorte, mediação de terceiros ou por certa habilidade e mentalidade auto-defensiva, nunca sofri maiores lesões físicas, mas sim muitas violências psicológicas, como ofensas e ameaças, com as quais tive e consegui lidar. Presenciei várias violências sobre outras pessoas por parte destes seres ‘autorizados’ (e preparados) institucionalmente para oprimir, reprimir e violentar. Manter a ordem muitas vezes foi o pretexto. Sei da necessidade de certa ‘ordem’ em espaços coletivos, porém, tudo tem limite. Mas, a questão é: o que aprendem e no que se habilitam estes seguranças e policiais? Seja nas empresas que os preparam ou nos quartéis? E porque policiais militares podem fazer ‘bico’ de seguranças por aí? Ou não podem? Qual é o motivo que leva à esta prática bastante comum? Como são trabalhadas as questões humanas e psicológicas nas ‘formações’ dos agentes de segurança? (se é que este trabalho existe). Trabalhos fundamentais, já que se trata do lidar com seres humanos ou entre seres humanos. Não sabem ainda que um golpe ou técnica como o ‘mata-leão’, por exemplo (muito comum por aí), pode matar uma pessoa em segundos? Que para o uso ‘equilibrado’ da força é preciso ter um bom conhecimento técnico e equilíbrio mental? Que para sacar uma arma se deve ter uma grande responsabilidade e também equilíbrio mental? E que antes de tudo isso, se deve estar preparado para o diálogo, para a aplicação de técnicas psicológicas que acalmem o outro e estabilizem a situação, e quando isso não for possível, outras inteligências estratégicas devem ser utilizadas, sendo que o uso da força é o último recurso, e ainda assim, limitado e controlado tecnicamente? Ou seja, um segurança, um policial ou qualquer outro agente que lide com outras pessoas precisa estar preparado ‘humanamente’ e psicologicamente para isso, além do conhecimento e das habilidades técnicas fundamentais. Caso contrário, como diz a linguagem popular, ‘dá merda!’

E o racismo?

Aliado a isso, existe, infelizmente, o fator ‘racial’. Ou seja, o racismo que é estrutural no nosso país, sendo que as maiores vítimas destas violências já citadas, são os afrodescendentes, negros ou pretos. No Brasil é senso comum dizer que é a corrupção nosso maior problema. Mas não, não é. É só mais um entre tantos. Mais que a corrupção, nosso problema é sociocultural, e ele está diretamente ligado a mentalidade de parte da população, incluindo nisso, agentes de segurança. Ou seja, é a ‘mentalidade escravocrata’ que faz com que pobres e negros sejam os mais afetados pelas violências cotidianas, sobre tudo, violências institucionalizadas, provindas de ‘autoridades’ ou indivíduos ‘uniformizados’ ou ‘fardados’, como foi em mais este caso deplorável dentro do Carrefour.

Responsabilidades

Além dos responsáveis diretos (os violentadores), as empresas responderão? Já que são elas (supermercado e empresa de segurança) que contratam e preparam tais serviços? E o Estado (polícia), qual é sua parte nisso, já que um dos envolvidos é PM? Quais são suas partes de responsabilidade nesse fato deplorável? Será que será preciso uma reação popular e/ou da comunidade negra, reação também violenta, como acontece muitas vezes nos EUA, por exemplo, onde as ruas são tomadas e empresas com casos de racismo e exploração do trabalhador são incendiadas, para que algo talvez mude? Ou continuarão não resolvendo o problema emitindo notas públicas, como é a prática comum? (percebam que tenho mais perguntas do que respostas). Nisso, encerro com a uma última pergunta coletiva, que vejo muitos fazerem por aí: ‘Até quando?’. 



Nenhum comentário: