quarta-feira, 10 de março de 2021

A banalidade do mal: vida, morte e educação

Em 1960, Adolf Eichmann foi capturado na cidade de Buenos Aires pelo Mossad (Instituto para Inteligência e Operações Especiais de Israel) e levado até Jerusalém, para o que deveria ser o mais midiático julgamento de um nazista desde o tribunal de Nuremberg. Segundo a filósofa Hannah Arendt, durante o processo, em vez do monstro sanguinário, que todos esperavam ver, surge um funcionário, um burocrata. A partir deste fato, Arendt escreve sobre o que chamou de ‘a banalidade do mal’. Mesclando jornalismo político e reflexão filosófica, Arendt investiga a capacidade do Estado de igualar o exercício da violência homicida ao mero cumprimento da atividade burocrática: “Como condenar um funcionário público, honesto e obediente, cumpridor de metas, que não fizera mais do que agir conforme a ordem legal vigente?”. A partir dessa questão, a filósofa, explora as implicações do julgamento de Adolf Eichmann.

Apontado como um monstruoso carrasco nazista, responsável pelo planejamento e operacionalização da chamada "solução final", a figura de Eichmann se apresenta, diante de Arendt como um funcionário pronto a obedecer a qualquer voz imperativa, incapaz de refletir sobre seus atos ou de fugir aos clichês burocráticos. É nesse ponto que Arendt se depara com a confluência entre a capacidade destrutiva e a burocratização da vida pública.

 

Uma relação com o tempo presente 

* Brasil, Estado de Santa Catarina, 02 de dezembro de 2020. Deputados da bancada governista obedecendo a pauta empresarial/governamental, reúnem-se às pressas em sessão e aprovam a educação como serviço essencial: “...o projeto de lei que define quais são as atividades que devem ser consideradas essenciais em Santa Catarina – ‘ou seja, que não podem ser interrompidas ou suspensas mesmo que o estado esteja passando por um período de calamidade pública, como o da pandemia de Covid 19’. As aulas presenciais foram incluídas.” (http://agenciaal.alesc.sc.gov.br)

* Brasil, Estado de Santa Catarina, 09 março de 2021. “O secretário de Estado da Educação, Luiz Fernando Vampiro, reuniu-se na tarde desta terça-feira, 9, com os promotores de Justiça João Luiz de Carvalho Botega e Marcelo Brito de Araújo. O encontro, realizado na sede da Secretaria de Estado da Educação (SED), teve como objetivo apresentar o panorama geral das escolas estaduais e avaliar a situação das aulas presenciais.” “(...) os seis falecimentos de professores efetivos registrados desde o início do ano letivo, os quais a SED lamenta profundamente”. “O Ministério Público tem exigido e reforçado que, em caso de restrições, as escolas devem ser as últimas a fechar e as primeiras a abrir”. (https://www.sed.sc.gov.br)

Em suma, a Secretaria de Educação (SED) e o Ministério Público (MP) do Estado de Santa Catarina definem a continuidade das aulas presenciais a partir do decreto do governo do Estado de Santa Catarina, onde consta que educação é serviço essencial,  mesmo num contexto de calamidade pública.

Incoerências e inconsequências

Ao longo do ano de 2020, o governo de Santa Catarina investiu (ou gastou?) ‘valores na casa dos milhões’ na formação de professores e aquisição de ferramentas ou instrumentos para possibilitar aulas remotas (online/à distância). Contraditoriamente,  no momento mais grave da pandemia, onde o Brasil amarga em torno de 2000 mortes diárias por Covid e o ambiente escolar se prova de risco, a SED e governo de Santa Catarina pressionam gestoras/diretores e professores para que retornem com as aulas presenciais. Para manterem seus cargos e empregos, burocratas e profissionais da educação, por interesse particular, político-ideológico ou por necessidade, submetem-se aos trâmites do governo estadual e municipal, os quais apoiam declaradamente e obedecem as ações do governo federal.     

Os fins justificam os meios? (Maquiavel)

“Questão ética: um jovem prisioneiro de 16 anos num campo de concentração nazista foi estuprado por um guarda. Sabendo que qualquer prisioneiro que aparecesse sem um casquete na contagem da manhã seria imediatamente morto, o guarda roubou o de sua vítima. Morta a vítima, o estupro não poderia ser descoberto. O prisioneiro sabia que sua única chance de vida era encontrar um casquete. Então roubou o de outro prisioneiro, que dormia, e viveu para contar a história. O outro foi morto. (...) O que a moralidade diz que o jovem prisioneiro deveria ter feito? Ela diz que a vida humana não tem preço. Muito bem. Deveria ele então ter consentido em perder sua vida? Ou o fato da vida ser inestimável significa que ele estava justificado a fazer qualquer coisa para salvar a sua? Presume-se que a moralidade seja universal e categórica, ‘mas colocada em cheque sepulta princípios, valores (religiosos principalmente)’. Mas a lição da história de Roman Frister é que ela é uma conveniência a ser invocada em tempos normais.” (GRAY, John. Cachorros de Palha: Reflexões sobre humanos e outros animais – Os vícios da moralidade, p. 105 e 106 – com interferência minha)

“A educação só tem sentido quando prioriza a Vida” (H.G.S.)

"A grande virtude do Céu e da Terra chama-se Vida" (I Ching, o livro das Mutações)


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