Acabei assistindo outra luta de MMA entre a
brasileira Bethe Correia (que entrou no ringue ao som do funk ‘Beijinho no
ombro’ de Valesca Popozuda, em que também foi anunciada como faixa azul de Jiu-Jitsu
e roxa de Kung Fu) e a americana ícone-modelo ‘pop’ do MMA/UFC, Ronda Rousey. A
brasileira que depois de fazer provocações na mídia sobre o suicídio do pai da
sua oponente foi nocauteada rapidinho. Provocações que alimentam os rumores,
aumentam a disputa e incentivam a audiência do ‘espetáculo’ midiático acima do MMA
– e todos/as saem ganhando com isso (ou quase todos), sob tudo, as marcas
patrocinadoras, a empresa UFC e os veículos midiáticos transmissores.
No discurso do anúncio da luta, o locutor
esportivo da Globo disse que a brasileira, por escolher aquele funk , ‘representa
bem o Brasil’ (a autora também já chamada pela mesma mídia de ‘filósofa’). Que
Brasil é este representado? Uma falácia clichê e legitimadora de um discurso,
pois o Brasil não é isso, assim, deste jeito – ou só isso. Apresentada como
‘lutadora’ de Kung Fu, a brasileira provocou, entrou dura no ringue e fez sua
parte no ‘show’. O Kung Fu foi citado, mas não foi visto (pelo menos eu não vi
nada de Kung Fu) nesta sua participação do espetáculo, começando pela falta de
respeito e aparente ‘braveza’ (lembremos que disputa e porrada dão ibope numa
cultura dualista e violenta como a ocidental – é só perceber as telenovelas e
suas audiências cheias de intrigas e coisas do tipo). Se houvesse Kung Fu na participação
da brasileira, ela haveria pelo menos saudado a ‘oponente’ (ou ‘colega’ de
‘arte marcial’, ‘profissão’ e/ou ‘modalidade esportiva’). Só houve, por parte das duas, cara feia e
olhar de ira de uma para outra. ‘Coisa linda de se ver!’ (é realmente
necessário a ‘cara feia’ nestas lutas?). E aqueles conceitos comuns feitos
frase clichê nas escolas e academias ditas ‘marciais’ por aí de ‘respeito,
disciplina e humildade’? No fim da luta, o também brasileiro-lutador conhecido
por ‘Cigano’ disse que Ronda foi ‘perfeita’, mesmo desferindo alguns socos no
ar. Certamente foi melhor em tratando-se da ‘luta’ (inclusive venceu, é óbvio).
Mas ‘perfeita’? Perfeição não seria algo exatamente correto, sem erros? Mais um
conceito, uma reprodução de ‘senso-comum’ a partir de certo idealismo platônico,
comum no discurso corrente.
Meu olhar sobre tudo isso não é ‘a verdade’
(não se trata disso). Apenas um olhar de quem, além de estudante e instrutor de
Kung Fu, é professor de filosofia, história, sociologia e linguagem, e que
também se aventura pela música e estudos culturais. Ou seja, só falo do que
falo ou escrevo, devido a este meu ‘trânsito’ pelos temas que integram meus
estudos e ofícios.
A razão deste texto, é devido ao fato de eu
ter sido perguntado por mais de uma pessoa sobre o que achei da ‘luta’.
Se for falar só da luta em sim, achei feia
mas ‘eficiente’ (deu certo). Vi uma fera agressiva indo pra cima de outra que,
também agressiva, não teve chance de revidar. Simples e direto assim, por mais
que me falem em ‘técnica’ e tudo mais. Eis a incógnita entre luta, espetáculo,
arte marcial e esporte. Alguns defendem que MMA é tudo isso, outros acham que
não. De minha parte, voto em primeiro lugar no ‘espetáculo’ (leia-se ‘sociedade
do espetáculo’ a partir de Debord), depois na ‘luta’, seguido pela ‘violência’
(que vende e é consumida em grande escala na nossa cultura), depois ‘esporte’
(o que muitos questionam que seja), e por fim, ‘arte marcial’, pois de ‘arte’
(enquanto linguagem manifestada com intensidade e sensibilidade) não vejo quase
nada, e ‘marcialidade’, um pouco mais, mas também muito pouco, pois ‘guerra’ é
outra coisa, diferente de uma ‘luta’ regrada e cercada entre duas pessoas que
disputam, sob tudo, um status. Acho que assim dou algumas respostas para questões
que me foram feitas.
Como vivo com e das minhas ‘funções’ (já
citadas acima), minha leitura não haveria de ser diferente (ou haveria?). Questão
de coerência com aquilo que se faz, se estuda e se vive.
Obs.:
A
intenção do texto não é deplorar as lutadoras, o entretenimento em si, ou a ‘arte
marcial’ em questão, apenas analisar fatos como estes a partir de outro ‘olhar’,
já que no discurso corrente midiático, tais elementos - filosóficos,
sociológicos e culturais – são (foram) citados.
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