domingo, 2 de agosto de 2015

A luta entre Ronda e Bethe: para além do ‘espetáculo’...

Acabei assistindo outra luta de MMA entre a brasileira Bethe Correia (que entrou no ringue ao som do funk ‘Beijinho no ombro’ de Valesca Popozuda, em que também foi anunciada como faixa azul de Jiu-Jitsu e roxa de Kung Fu) e a americana ícone-modelo ‘pop’ do MMA/UFC, Ronda Rousey. A brasileira que depois de fazer provocações na mídia sobre o suicídio do pai da sua oponente foi nocauteada rapidinho. Provocações que alimentam os rumores, aumentam a disputa e incentivam a audiência do ‘espetáculo’ midiático acima do MMA – e todos/as saem ganhando com isso (ou quase todos), sob tudo, as marcas patrocinadoras, a empresa UFC e os veículos midiáticos transmissores.

No discurso do anúncio da luta, o locutor esportivo da Globo disse que a brasileira, por escolher aquele funk , ‘representa bem o Brasil’ (a autora também já chamada pela mesma mídia de ‘filósofa’). Que Brasil é este representado? Uma falácia clichê e legitimadora de um discurso, pois o Brasil não é isso, assim, deste jeito – ou só isso. Apresentada como ‘lutadora’ de Kung Fu, a brasileira provocou, entrou dura no ringue e fez sua parte no ‘show’. O Kung Fu foi citado, mas não foi visto (pelo menos eu não vi nada de Kung Fu) nesta sua participação do espetáculo, começando pela falta de respeito e aparente ‘braveza’ (lembremos que disputa e porrada dão ibope numa cultura dualista e violenta como a ocidental – é só perceber as telenovelas e suas audiências cheias de intrigas e coisas do tipo). Se houvesse Kung Fu na participação da brasileira, ela haveria pelo menos saudado a ‘oponente’ (ou ‘colega’ de ‘arte marcial’, ‘profissão’ e/ou ‘modalidade esportiva’).  Só houve, por parte das duas, cara feia e olhar de ira de uma para outra. ‘Coisa linda de se ver!’ (é realmente necessário a ‘cara feia’ nestas lutas?). E aqueles conceitos comuns feitos frase clichê nas escolas e academias ditas ‘marciais’ por aí de ‘respeito, disciplina e humildade’? No fim da luta, o também brasileiro-lutador conhecido por ‘Cigano’ disse que Ronda foi ‘perfeita’, mesmo desferindo alguns socos no ar. Certamente foi melhor em tratando-se da ‘luta’ (inclusive venceu, é óbvio). Mas ‘perfeita’? Perfeição não seria algo exatamente correto, sem erros? Mais um conceito, uma reprodução de ‘senso-comum’ a partir de certo idealismo platônico, comum no discurso corrente.

Meu olhar sobre tudo isso não é ‘a verdade’ (não se trata disso). Apenas um olhar de quem, além de estudante e instrutor de Kung Fu, é professor de filosofia, história, sociologia e linguagem, e que também se aventura pela música e estudos culturais. Ou seja, só falo do que falo ou escrevo, devido a este meu ‘trânsito’ pelos temas que integram meus estudos e ofícios.

A razão deste texto, é devido ao fato de eu ter sido perguntado por mais de uma pessoa sobre o que achei da ‘luta’.

Se for falar só da luta em sim, achei feia mas ‘eficiente’ (deu certo). Vi uma fera agressiva indo pra cima de outra que, também agressiva, não teve chance de revidar. Simples e direto assim, por mais que me falem em ‘técnica’ e tudo mais. Eis a incógnita entre luta, espetáculo, arte marcial e esporte. Alguns defendem que MMA é tudo isso, outros acham que não. De minha parte, voto em primeiro lugar no ‘espetáculo’ (leia-se ‘sociedade do espetáculo’ a partir de Debord), depois na ‘luta’, seguido pela ‘violência’ (que vende e é consumida em grande escala na nossa cultura), depois ‘esporte’ (o que muitos questionam que seja), e por fim, ‘arte marcial’, pois de ‘arte’ (enquanto linguagem manifestada com intensidade e sensibilidade) não vejo quase nada, e ‘marcialidade’, um pouco mais, mas também muito pouco, pois ‘guerra’ é outra coisa, diferente de uma ‘luta’ regrada e cercada entre duas pessoas que disputam, sob tudo, um status. Acho que assim dou algumas respostas para questões que me foram feitas.

Como vivo com e das minhas ‘funções’ (já citadas acima), minha leitura não haveria de ser diferente (ou haveria?). Questão de coerência com aquilo que se faz, se estuda e se vive.


Obs.: A intenção do texto não é deplorar as lutadoras, o entretenimento em si, ou a ‘arte marcial’ em questão, apenas analisar fatos como estes a partir de outro ‘olhar’, já que no discurso corrente midiático, tais elementos - filosóficos, sociológicos e culturais – são (foram) citados.



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