sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Leituras do Cotidiano

Abandonar as muletas


O idealismo é um dos maiores ‘atravanques’ de uma mudança de concepção e percepção ou leitura de mundo, o que reflete na mudança de atitude, o que, por sua vez, gera ações que podem mudar certa realidade. A busca da pretensa pureza ou perfeição, assim como do divino, é um embuste irreal que quase sempre tem fundo ideológico. Tudo o que é conceito purista e/ou idealizado, ligado ao monoteísmo e ao idealismo platônico parte de uma concepção ou discurso de ‘verdade única e absoluta’. A corrupção gerada por troca de interesses e certas ‘naturalizações’ está por detrás da dita representação política oficial, principalmente no ‘investimento’ (financiamento ou ‘doação’) de empresários nesse jogo (campanhas), assim como, nos atos e até nos pensamentos do homem ‘comum’ no seu cotidiano, e se isso não for visualizado, não há combate, mas apenas justificativas ou pretextos e maquiagem. O que existe e está por trás das ações, muitos talvez não percebam, é uma disputa de poder, no caso, mais, uma disputa ideológica e de linhas teóricas de pensamento ou crenças. Uma contradição, um contraste, uma discrepância. Nem céu, nem inferno, nem bem, nem mal, mas crenças, posições, doutrinamentos, ideologias e interesses humanos, sejam eles privados ou de grupos de poder, ditos também, políticos. A coisa é mais complexa do que aparenta e se discursa vulgarmente por aí. Com isso, não estou sendo negativista, alguém sem esperança ou niilista, apenas dizendo que a organização humana e sociocultural não é um paraíso platônico ou divinizado, e devemos, em primeira instância, perceber isso: essas disputas, essas contradições e ‘jogos’ que se estabelecem na realidade, no andamento da vida. O ideal não é vida, é apenas a reprodução de uma ideia mirabolante e divinizada, uma crença no além, no nada absoluto que age como um fantasma em nossos dias, não nos deixando acordar do sono entorpecido por supostas ‘verdades’ e ‘salvações’. Nisso, ídolos ou ícones, idealizados ou divinizados tem o mesmo papel, que é o de servir como referência, apoio ou mesmo ‘muleta’ para justificar determinados pensamentos, ideias, crenças e, o que é pior, ações, todas elas, tendenciosas, sejam elas provindas de certa ingenuidade, ignorância ou interesse. Eis o atravanque dos dias. Eis a submissão de certa educação familiar, religiosa, midiática, colegial e acadêmica, assim como da política oficial institucional e da formação das famílias e modos socioculturais de interagir com o outro e com o meio. Nossa ‘formação’ é reducionista e por isso, parece que precisa de ícones, deuses ou semideuses, exemplos para poder se manter sobre as muletas que nos foram dadas. Tanto que, quem já ousou, experimentando abandonar as muletas, ao invés de rastejar apoiado sobre elas, pôde andar da forma que quis ou conseguiu, e até correr.  


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.



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