segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Leituras do Cotidiano

Ta-lento...

Como eu queria ter talento. Pelo menos para poder escrever o melhor poema que já tenha sido parido por estas bandas.  Ser um professor organizado, regrado, correto, de moral. Ser um artista que tenha pelo menos sua arte reconhecida. Ser um homem bem aparentado e de passos firmes nesta sociedade de status, consumo e aparências de deus dará. Mas não. Nasci sem este brilho. Minha tribo é a tribo dos clandestinos malditos que resistem para poderem viver. Entre todos, meu pior desempenho: ganhar dinheiro. Eu não sei ganhar dinheiro. Nasci sem este talento. Herança de meu desafortunado bisavô italiano que veio corrido da Sicília? Ou de Dionísio, meu maldito deus em vão? Como tantos sem talento, virei professor de humanas e sociais e linguagem. Graduado e pós-graduado pelas universidades da vida – ainda faço alguns quadros que vão enfeitar alguma parede com meus títulos. Para o orgulho da mãe, sarro do pai e ignorância dos irmãos. Um caso típico de sem talento para ganhar dinheiro e se fazer notar através dos títulos. De-fi-ni-ti-va-men-te! Mas não choro ou me lamento por isso. A cerveja, o rum e o vinho são meus psicólogos e amigos mais fiéis, e é com eles que eu me abro em dias de fúria da natureza. Com eles aprendi muito, nas escolas e universidades da vida que são mesas e balcões de bar. Retroceder nunca, render-se, jamais! Não sei de onde, mais esta frase não é minha, tirei de algum lugar que me soa familiar. Já sei, da minha adolescência. Sim, já fui adolescente. E no meu tempo, não existiam todos os ‘prés’ que existem hoje. Ou seja, nunca fui ‘pré-adolescente’ ou ‘pré’ qualquer outra coisa. Saltei prematuro da infância para a adolescência. Tive boas escolas com minhas primas e suas loucuras infanto-juvenis. Voltando ao talento, tema da crônica de hoje, para se ter talento não basta nascer e viver, é preciso também desenvolver habilidades – agora falei bonito, como professor mediano que sou. Já posso discursar como um mestre talentoso e orgulhoso de si próprio e da profissão que escolheu pra si para viver. Mas o mundo não poupa nem perdoa. Se não for talentoso que pelo menos imite bem. Eis o conselho de um velho, sábio e safado mestre meu de sobrenome alemão. Ele escrevia contos, romances e poemas como poucos. Mesmo sem talento foi dos mais talentosos de seu tempo. Teve sangue fervente nas veias e pulsação nas vísceras que o fizeram ser. Escreveu com peso, às vezes elegância e muita profundidade. Também foi da raça dos resistentes. Tanto que incomoda até hoje. Enfim. Fico por aqui, pois, por hoje, minha falta de talento já rendeu o que tinha que render. Tchau!


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.



Nenhum comentário: