Ta-lento...
Como eu queria ter talento. Pelo menos para
poder escrever o melhor poema que já tenha sido parido por estas bandas. Ser um professor organizado, regrado, correto,
de moral. Ser um artista que tenha pelo menos sua arte reconhecida. Ser um
homem bem aparentado e de passos firmes nesta sociedade de status, consumo e
aparências de deus dará. Mas não. Nasci sem este brilho. Minha tribo é a tribo
dos clandestinos malditos que resistem para poderem viver. Entre todos, meu
pior desempenho: ganhar dinheiro. Eu não sei ganhar dinheiro. Nasci sem este
talento. Herança de meu desafortunado bisavô italiano que veio corrido da
Sicília? Ou de Dionísio, meu maldito deus em vão? Como tantos sem talento,
virei professor de humanas e sociais e linguagem. Graduado e pós-graduado pelas
universidades da vida – ainda faço alguns quadros que vão enfeitar alguma
parede com meus títulos. Para o orgulho da mãe, sarro do pai e ignorância dos
irmãos. Um caso típico de sem talento para ganhar dinheiro e se fazer notar
através dos títulos. De-fi-ni-ti-va-men-te! Mas não choro ou me lamento por
isso. A cerveja, o rum e o vinho são meus psicólogos e amigos mais fiéis, e é
com eles que eu me abro em dias de fúria da natureza. Com eles aprendi muito,
nas escolas e universidades da vida que são mesas e balcões de bar. Retroceder
nunca, render-se, jamais! Não sei de onde, mais esta frase não é minha, tirei
de algum lugar que me soa familiar. Já sei, da minha adolescência. Sim, já fui
adolescente. E no meu tempo, não existiam todos os ‘prés’ que existem hoje. Ou
seja, nunca fui ‘pré-adolescente’ ou ‘pré’ qualquer outra coisa. Saltei
prematuro da infância para a adolescência. Tive boas escolas com minhas primas
e suas loucuras infanto-juvenis. Voltando ao talento, tema da crônica de hoje,
para se ter talento não basta nascer e viver, é preciso também desenvolver
habilidades – agora falei bonito, como professor mediano que sou. Já posso
discursar como um mestre talentoso e orgulhoso de si próprio e da profissão que
escolheu pra si para viver. Mas o mundo não poupa nem perdoa. Se não for
talentoso que pelo menos imite bem. Eis o conselho de um velho, sábio e safado
mestre meu de sobrenome alemão. Ele escrevia contos, romances e poemas como
poucos. Mesmo sem talento foi dos mais talentosos de seu tempo. Teve sangue
fervente nas veias e pulsação nas vísceras que o fizeram ser. Escreveu com
peso, às vezes elegância e muita profundidade. Também foi da raça dos
resistentes. Tanto que incomoda até hoje. Enfim. Fico por aqui, pois, por hoje,
minha falta de talento já rendeu o que tinha que render. Tchau!
* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.
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