terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Demasiadamente humano

Queria estar por dentro da aventura das palavras que correm a frase. Queria compor o texto até o fim, linha após linha, parágrafo após parágrafo, para que quando terminasse, algum leitor dissesse baixinho: ‘Deve ter sofrido, mas terminou’. Um reconhecimento. Queria dizer coisas que não se dizem a qualquer circunstancia ou momento, a qualquer preço, por qualquer motivo. Dizer coisas importantes, grandes, inusitadas e de impacto. Mas só sei o óbvio. Alguém deve saber mais que isso, mas não se manifesta. Por quê? Gostaria de saber. Queria falar do pássaro bem-te-vi que canta toda manhã na janela da minha cozinha enquanto tomo meu Nescafé amargo. Queria ter a sensibilidade de falar do cão que passa triste todo dia às cinco da tarde em frente a minha casa, falar do dia e da noite, suas nuvens e suas estrelas, seus princípios e seus fins. Queria falar do mundo, do tudo e do nada, onde eles se encontram – deve ser na curva de algum lugar impossível. Queria entender a física quântica, Freud e a poesia do Mano Lima. Meu avô disse um dia que eu poderia falar, poderia escrever e me expressar sem objetivos, mas eu não acreditei. Hoje, ainda duvido. Queria beber cerveja comendo fritura no bar da esquina e, sentindo o cheiro da chuva chegando, alertar os que estão em volta: ‘Vai chover!’ – só para me achar alguém especial (mas não há nada de especial nisso). Queria falar aos meus alunos do problema ambiental sem precisar de tanto argumento, fazendo-me compreender facilmente. Mas não, estou aqui, parecendo um doido, no encosto de uma sombra diurna, sonhando com o que ainda não fiz e talvez nunca faça.
Contudo, eu devia estar satisfeito, conformado, com tudo. Mas não, prossigo insatisfeito. Procuro e não acho e quando acho já não quero mais. Minha vida é cheia de vontades e possibilidades, de limites e paixões e muitas negações. Minha vida é uma história e pode ser um conto, novela ou romance. Uma canção. Um dia, quem sabe, um poema.


O ato de escrever...

“O escritor é o arauto emocional de seu país e de sua classe, é seu ouvido, seus olhos e seu coração; é a voz de sua época. Deve saber tanto quanto seja possível, e quanto melhor conheça o passado melhor entenderá seu próprio tempo, (...)”.

(“Como aprendi a escrever” – Maximo Gorki).


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.




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