domingo, 29 de abril de 2012

Fuga I:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

O eco do urro que vem de longe


Alguns vão embora simplesmente para fugirem da rotina. Outros para fugirem de seus fantasmas, de seus medos. Alguns também vão embora para fugirem dos outros. Outros ainda, vão embora para tentar se encontrarem, mas geralmente, não encontram nada além do que já eram antes. Há nisso uma categoria piorada, que é a dos que vão embora para fugirem de si mesmos. Fugir de si mesmo é tentar ser um outro que não se é. É querer sair da realidade desenhando uma outra mais idealizada. Alguns, com suas fugas - e/ou pretextos, vêem no ‘outro’ aquilo que na verdade são, mas não admitem, nunca (tem aqueles também que desejam muito ser ‘o outro’, mas suas capacidades e limites físicos, mentais-intelectuais não permitem). É um espelho doloroso ter que encarar a si próprio, quando não se aceita ou admite ser o que se é. Então, a maneira mais fácil (porém medíocre e covarde) é mesmo fugir, debandar, como se fosse abandonar, ir embora do lugar que até então ocupava, ir embora de si. E quantos por aí fazem isso! Só vão chegar onde sempre estiveram, só não aceitavam ou admitiam. Alguns acabam voltando, outros, nunca mais (amém!). Muitos voltam transformados, modificados, melhorados, mas nem todos. Tem aqueles que também voltam iguais ou piores do que foram. Alguns nem chegam ao destino, acabam sucumbindo pelo caminho. A fuga é comum na prática humana. Assim como é comum também, não se assumir, não se aceitar, não querer encarar ou saber lidar com suas pendengas, suas frustrações, suas dores, suas fraquezas e faltas. Ninguém é completo e/ou muito mais do que seus atos. O homem é limitado, geralmente aos seus atos, ao que pensa e pratica, ao que diz, fala e escreve – até ao que produz (quando produz!). Bons livros, boa música, boa arte, infelizmente se provou, não faz ‘toda a diferença’. É preciso mais que isso. O uso que se faz das coisas pode ser um uso-disfarce, como muletas que apóiam o andar, como máscaras que disfarçam o semblante decadente ou o riso dissimulado. E quantos riem-se por não poder chorar. E quantos choram por não saber do riso. Vítimas de si próprios se esbatem e rastejam pelos becos e largas avenidas de qualquer cidade, seja ela interiorana ou a capital mais populosa de um país. Pessoas, assim como o caráter, são o que são em qualquer lugar do mundo, o que muda é a paisagem (mas não confundam isso com determinismo). O determinismo nem sempre vigora, aliás, são os deterministas que dizem que tudo é o que é e que a história não caminha. Desprestigiam a história por se considerarem acima dela – por isso, e bem nisso, deixam de viver o momento (no presente é que a história acontece, o mais é escrita, retomada e memória), que é bem o oposto do ideal. Não sabem, ou por algum motivo ignoram o fato de que existem vertentes históricas. Vivem fiéis e presos ao tempo cíclico da história, talvez, por acreditarem ou só conhecerem esta forma de se pensar, perceber e conceber o tempo. Mas o tempo é caótico e não cíclico nem linear. O tempo é espiral e caminha em sentidos variados e disformes. Os arautos da reclamação e justificação, da negação de determinados fatos, aqueles que se amarram em discursos ‘filosóficos’ e reproduzem mais do que criam (talvez por não conhecerem outras possibilidades – e certamente por não terem vocação para criar), detratam tanto a riqueza material de alguns poucos privilegiados, que se mostram os mais atormentados por ela. Detratam tanto a política que acabam não percebendo que são eles os  seres mais mediocremente políticos que existem (além de analfabetos políticos – leia-se Brecht). Qual é a diferença de um medíocre pré-conceituoso (que odeia gordos, sendo ele próprio um – tamanha falta de se auto-perceber – numa posição miserável de miopia controvérsia), com um mero e passivo espectador da política (institucionalizada ou não) que o fode diariamente e que se orgulha em dizer ser um ser apolítico?  


“O livro é um espelho: se um asno o contempla, não se pode esperar que reflita um apóstolo”. (C. G. Lichtenberg)

O fato é que ‘algumas pessoas’ precisam se resolver melhor, depois, talvez (mas não tão provável), elas possam sair das suas tocas com suas cabeças erguidas, se auto-reconhecendo e se aceitando, se assumindo – abandonar, além das convicções e idealismos, as muletas. Até lá, o ‘individualismo de cunho pequeno-burguês-capitalista’ – que, diga-se de passagem, ainda predomina culturalmente, seja na reprodução dos valores ético-morais ou nas práticas sociais e individuais (e porque eu devo me cuidar com esses ‘termos ultrapassados’? - pormenores tornados importância e alvos por aqueles que vivem da mesquinharia particularista de dado contexto – respondo: porque, incrivelmente, muitas pessoas ainda ultrajam essa indumentária – que coisa!), vai estar vigorando no menu dos dias. Outra síndrome que afeta ‘aquele(s)’ que se acha(m) ‘superior(es)’ como seres de valor apurado (quando não passam de criaturas rastejantes, obedientes e imóveis frente a ordens sócio-culturais que os tornam mais produtos desse meio do que qualquer outro ou outra coisa), vai corroendo por dentro esses sujeitos, derretendo gordura (mas nunca o suficiente), apertando os pulmões e atrofiando o cérebro (pobres criaturas que sonham e ainda reproduzem Platão com toda a convicção mediana que os trai tolamente a cada tentativa frustrada de um novo vômito - o vômito é interno, sempre foi).


Enfim, já me estendi demais. Se não gostasse tanto das palavras, certamente não o faria, mas... Agora vou prosseguir minha noite de domingo com a última taça de vinho que já divaga incerta na minha frente, junto a minha companheira e suas ‘curvas’ - e bem menos gordura do que isso, eu é que diga! (infelizes daqueles que não tem nem brisa de idéia do que seja isso, pobres criaturas!) uma estrada perigosa – e como eu gosto de me arriscar (nessas curvas) para além da segurança do mundo medíocre das quatro paredes em que tantos fazem seu calabouço.


...e os cães? Ah! Os cães justificam um velho chavão que eu adapto agora e que fica assim dito: “Quanto mais eu conheço ‘alguns’ homens (?), mais estimo meus cachorros”.

E os urros se ouvem cada vez mais fragilizados, no fundo de algum poço de uma província (que é um pensamento) por aí... 


yá!



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