The Prisoner (Boulet) - Odilon Redon, 1879
Cérebro, coração, pulmão, estômago - e, além disso... Somos carne,
voz, sentimentos, razão. Somos constituídos por tudo o que o meio nos oferece,
pelo que nos circunda nesse meio e pelo tempo. O que consumimos nos torna a
ser, já que somos consumidores – nossa condição. Consumimos muito do que
vivemos e pelo tempo somos consumidos. Numa reportagem de televisão – por uma
emissora de cunho religioso - jovens bebiam numa balada na praia. Sertanejo
universitário, eletrofunk, eletrobrega, breganejo, etc. Rodeados de latas de
cerveja e muitos outros lixos tombados, os jovens, alguns de pé, outros
cambaleando - e outros também tombados, misturavam-se ao lixo e a toda aquela
música que também, por alguns, é tida como lixo industrial. E a reportagem
sensacionalista fazendo uma relação com a dita ‘tragédia de Santa Maria’. Nisso,
em algum momento um bispo ou pastor, como queiram, citou o conto bíblico de
Sodoma e Gomorra, relacionando-o ao fato. E eu, um pouco pagão, um pouco de fé
- ou muito de nada disso – eis que resolvo problematizar tal questão.
Fui nascido na cidade, criado divagando entre o
interior sem energia elétrica e a cidade grande e iluminada, além da estrada em
viagens com meu pai. Foi nessa condição ‘privilegiada’ que aprendi a ser -
dentro de variadas situações, circunstâncias, realidades ou contextos. Nessa
diversidade dos meios, foi que aprendi, desde muito cedo, que somos feitos (além
da questão biológica) daquilo que consumimos, ou seja, de tudo o que vivemos,
aprendemos, saboreamos, ao longo da nossa vida – mas é claro que nem todos
absorvem as coisas com senso crítico ou certa sensibilidade. Grande parte das
pessoas apenas absorve e depois reproduz. Mas tem aqueles que nunca se param
satisfeitos com aquilo que lhes chega – e eu sou um desses. Também bebo, também
como, também leio livros, ouço música, canto, danço e assisto TV, e não é por
isso que sou medíocre, mesquinho, nem tampouco um mero reprodutor. A pergunta
que deve ser feita frente ao espelho: ‘O que eu consumo?!’. Eu crio, eu
arrisco, eu caminho para além dos limites estipulados nessa ordem que
condiciona e fabrica ‘iguais’ que consomem e se misturam ao consumido. Valorizo
as diferenças, os meios e caminhos alternativos, pois os conheço, pois os dou a
devida atenção. Busco e transito para além do habitual. Esse negócio de dizer
que o problema nas baladas é culpa unicamente da bebida ou da droga é um desvio.
Mais que isso, somos feitos de referências, de tudo o que vivemos, ouvimos,
lemos, assistimos, escolhemos para nossa convivência. Somos seres culturais,
portanto, um tanto responsáveis pela nossa própria condição – para além das
fatalidades... 'Somos feitos de mundo!'.
* Também publicado no jornal Folha do Bairro (do grande bairro Efapi) - 08/02/13
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