sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Leituras do Cotidiano

Da lama ao pó

"Céu e terra não têm atributos e não estabelecem diferenças: tratam as miríades de criaturas como cachorros de palha." (Lao-Tsé)

Anos e anos de exploração. Exploração do trabalho, humana e da natureza. A velha crença monoteísta judaico-cristã e liberal-capitalista que diz que ‘deus fez a natureza para ela servir ao homem’, e que ‘a natureza é uma fonte de recursos inesgotáveis’. Para o taoismo, homem e bicho ou qualquer outra forma de vida, tem o mesmo valor (nações indígenas brasileiras também tem esta relação com a natureza). Todos são parte de um só. ‘Mas aqui não é a China, Herman!’ – alguém me diz. ‘Sim, eu sei. Mas aqui também não é a França’. Nisso, também temos nossas próprias tragédias e sofremos com terrorismos variados. Um deles encobriu parte das Minhas Gerais a poucos dias, matando bichos, gente, plantas e o rio. Não, não foi um ‘acidente’ como noticiaram alguns meios de comunicação. Foi um ato terrorista. Ato que não foi feito pelo tal Estado islâmico, mas sim pelo Estado brasileiro e seu desleixo, aliado ao setor privado da economia. Ato acumulativo. Ato terrorista-histórico. Sugaram o que puderam dos minérios da região. Extraíram riquezas do solo com a mão de obra pobre, barata, explorada até o talo. Europeus enriqueceram com esta colonização de exploração, com nossos ouros, diamantes e exploração do trabalho. ‘Levaram o outro e deixaram a lama’, disse um morador de Mariana. A Vale do Rio Doce (agora só ‘Vale’) matando a vida no Vale do Rio Doce. Que ironia! Da lama política institucional oficial ao pó do bom senso, da razão e da sensibilidade – tudo sujo, contaminado, poluído e soprado a toda sorte. Um pó que, quando soprado, forma uma nuvem que atrapalha a visão... Para continuar com nossa miopia sociocultural.

"Que o homem é a mais nobre das criaturas pode ser inferido do fato de que nenhuma outra jamais contestou essa pretensão." (G. C. Lichtenberg)


Entre o sangue e o sagrado

A França sangra. A Síria e o Iraque sangram. Meu olho e nariz sangram. Parte dos meus pensamentos são feitos a sangue e suor. A Igualdade, Liberdade e Fraternidade ocidentais são uma ficção. De um lado bombardeios aéreos, de outro, homens bomba. Dos dois lados vítimas inocentes desta ‘barbárie’ contemporânea. Primeiro a cristianização do mundo, agora, sua islamização. Ambas crenças e práticas monoteístas, cada uma a seu modo, pregam uma única e absoluta verdade, irredutíveis. Ditadura da palavra sobre o corpo, da crença sobre a realidade. Mas no fim, é a realidade quem dita. Vida no além, uma crença, uma perspectiva ou hipótese. Morte no aqui-agora, uma realidade. A realidade é nua e crua e não pergunta se se acredita ou não nela. Só acontece. A resposta nada inteligente e moral do ocidente ao terrorismo: bombardeios e mais mortes. A vida humana nestas condições já não é tão importante assim, como se pensa a partir dos livros sagrados das religiões em questão. De sagrados para sangrados, livros e territórios. Mas ainda há o petróleo, a conveniência e uma pseudo-razão. Todos se acham bons e os preferidos de deus. Mas nenhum é. Nem um. Ninguém.



* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.



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