sexta-feira, 18 de março de 2016

A imagem do século!

Poderia ganhar o prêmio de ‘A imagem do Século - made in Brasil’. A imagem do século é uma imagem da decomposição. A decomposição de uma cultura ou uma nação que talvez nunca tenha chegado a ser. E foram várias tentativas de justificá-la, nenhuma convincente e com sucesso. Família rica (ou pelo menos classe-média alta), branca, saudável (externamente e aparentemente), saindo à rua num domingo ensolarado para ‘protestar contra a corrupção’. Moralizar uma situação sendo imorais ou sem ética. Eis a contradição da imagem. * A imagem: ‘o marido-pai, jovem e forte, acompanhado da esposa-mãe, também jovem, que vai conduzindo um cachorrinho de raça, ambos vestindo as cores da bandeira do Brasil, enquanto a empregada doméstica e babá, negra e pobre, vestindo uniforme de trabalho, empurra o carrinho de bebê com os dois filhos do casal classe-média-alta’. Em tempo de crises, isso mesmo, crises, no plural, pois, uma das maiores crises, como bem relata a imagem, é a crise de valores, o pai, sendo jovem e forte, bem poderia empurrar o carrinho dos bebês, não poderia? Questão de justiça, gentileza ou generosidade aos mais velhos, ‘fracos’ e necessitados. Em outros tempos, um ‘homem’ digno de sê-lo faria isso. Mas, os tempos são outros. Depois das críticas a imagem, resumidamente, a justificativa publicada do casal traz o mesmo discurso arrogante e medíocre de sempre: ‘pagamos bem a empregada para que faça seu trabalho, se não estiver contente, tem a liberdade de pedir demissão’. Neste tom a justificativa do ‘nobre’ casal representa parte significativa de uma dita ‘classe média’ e ‘alta’ no Brasil que, de sensibilidade e cultura (no sentido de certa profundidade intelectual e/ou refinamento artístico, portanto, de sensibilidade humana) não tem nada, quem dirá de consciência social e política. Só tem certo ‘poder’, ou melhor, dinheiro, capital, e autoproteção ou certo privilégio por isso. Nada mais. Uma condição tão miserável como tantos que desfilam suas soberbas, suas arrogâncias e mediocridades pelas ruas e redes sociais da vida. E a manada reproduz esta ‘naturalidade forçada e artificial’ como se fosse a ordem natural das coisas, ou um caso de ‘justiça’ pautada na crença da meritocracia. Assim as classes sociais se dividem e uma explora a outra para manter seus privilégios e confortos egocêntricos e bizarros. O sonho de muitos que ainda não chegaram lá e o pesadelo de muitos que nunca vão chegar. A imagem é violenta, humilhante. Pior que, o pouco que pude ler/ouvir da empregada, concorda com muito do que seus patrões disseram na sua justificativa publicada. Sem consciência de classe, a empregada é parte da decomposição do bom senso e da sensibilidade que outrora cintilava pelas ruas, constituindo a imagem da humilhação, o que muitos confundem com humildade. Pelo que falou em entrevista, sente-se parte de um ‘processo natural’ civilizatório-evolutivo - ou divino. E a imagem da decomposição exala seu cheiro de um modo de vida em estado de putrefação, compartilhado e integrado por muitos que, como o casal em questão, justificam seus mundinhos mesquinhos e humanamente miseráveis com uma imagem soberba de poder, até que um dia morram e suas imagens, junto à sensação de poder, sucumbam na inevitável decomposição dos corpos já sem cor ou classe.


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.



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