quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Crônicas de farrapos - parte II

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Sei da parte interessante do movimento Farroupilha, da luta econômica pela cultura do charque e contra a exploração do Império, da luta pela República e tal. Mas disso, a 'história oficial' e os meios de comunicação de massa dão jeito - minha intenção e função aqui é outra. E antes que alguém me venha com pedras nas mãos, só escrevo o que escrevo (e neste caso, sobre a dita revolução farroupilha e suas entrelinhas), porque tenho certo conhecimento do assunto. Cresci entre Centro de Tradições Gaúchas (CTG), rodeios crioulos e artísticos, festivais nativistas, viagens pelo sul do país sendo declamador (campeão do sul na declamação) - sendo que, meu pai (lenço branco na foto), esteve entre os fundadores do primeiro CTG da cidade. Venho de uma família gaúcha onde alguns cultuam as tradições. Além de conhecer ‘de dentro’ tal cultura, fui (sou) estudante de manifestações como esta, tendo algumas leituras e análises a respeito. Digo isso, só para que saibam de onde (e com que grau de propriedade) estou falando/escrevendo...
 
 
Na foto: Eu (criança de lenço vermelho), meu pai (de lenço branco) e um dos grandes cantores da música nativista, Cesar Passarinho (de lenço vermelho), anos atrás...
 
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Antes o mate, depois a peleia!

Cevo um mate. O amargo que bebo sem fazer cara feia (já que não sou assombração!), é meu vício. Não o único. Um dos vícios. Depois do café e do vinho, o chimarrão é uma das minhas bebidas prediletas. Herança indígena e distante. Herança dos meus antepassados e do meu pai (numa maior proximidade). A erva quando boa, relaxa (erva-mate, que fique claro!). Há um dito popular que pergunta ao novato bebedor: “Conhece pé de erva?”. Tem um quadro que é uma foto do meu avô por parte de mãe, caboclo-gaúcho, ainda jovem, trabalhando no corte da erva-mate no interior do Rio Grande do Sul (na cidade de Soledade, pelo que sei), de que gosto muito. Bombacha, facão na cinta e um chapelão de palha que lembra os sombreiros mexicanos. Eis minha ligação indireta com a erva (a mate!). Bebo o chimarrão diariamente, antes de alguma refeição ou no final da tarde. Bebo, às vezes, enquanto escrevo ou leio. O chimarrão, mais do que uma bebida ou uma tradição ou um costume, é um ato. Sim, um ato. Um ato que resiste ao tempo, a modernidade excessiva. Um ato de resistência e de troca. Quando bebido em roda, entre amigos e semelhantes, tem o símbolo da hospitalidade, da comunhão entre os homens. Meu pai conta que o mate selou até a paz entre rivais. Pelo menos naquele momento. No momento de relaxar e compartilhar o chimarrão. O mate proporciona, além da relação social entre as pessoas, um momento, por mínimo que seja, de calmaria e igualdade. Na hora do mate, todos estão na mesma condição. Um ritual acontece neste instante. E toda a trajetória do chimarrão, desde o seu plantio, passando pela colheita, o corte e tudo mais, até chegar à boca da cuia e ser preenchido pela água quente, faz parte do momento. O mate traz em si a História da nossa região, de costumes antepassados que sobrevivem ao tempo. Nisso, o mate é símbolo de resistência. Com todo o individualismo burguês-capitalista-tecnológico-mecânico contemporâneo, um costume, um ato ancestral, burla a ordem superficial das coisas. É, outra vez, o Caos se manifestando e comprovando que o movimento causado pela roda (como na roda de chimarrão), faz o mundo girar e o entendimento humano ainda ser possível.
 
 
 

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