Sei da parte interessante do movimento Farroupilha, da luta econômica pela cultura do charque e contra a exploração do Império, da luta pela República e tal. Mas disso, a 'história oficial' e os meios de comunicação de massa dão jeito - minha intenção e função aqui é outra. E antes que alguém me
venha com pedras nas mãos, só escrevo o que escrevo (e neste caso, sobre a dita
revolução farroupilha e suas entrelinhas), porque tenho certo conhecimento do
assunto. Cresci entre Centro de Tradições Gaúchas (CTG), rodeios crioulos e
artísticos, festivais nativistas, viagens pelo sul do país sendo declamador (campeão do
sul na declamação) - sendo que, meu pai (lenço branco na foto), esteve entre os
fundadores do primeiro CTG da cidade. Venho de uma família gaúcha onde alguns
cultuam as tradições. Além de conhecer ‘de dentro’ tal cultura, fui (sou)
estudante de manifestações como esta, tendo algumas leituras e análises a
respeito. Digo isso, só para que saibam de onde (e com que grau de propriedade) estou
falando/escrevendo...
Na foto: Eu
(criança de lenço vermelho), meu pai (de lenço branco) e um dos grandes
cantores da música nativista, Cesar
Passarinho (de lenço vermelho), anos atrás...
*
Antes o mate, depois a peleia!
Cevo um mate. O amargo que
bebo sem fazer cara feia (já que não sou assombração!), é meu vício. Não o
único. Um dos vícios. Depois do café e do vinho, o chimarrão é uma das minhas
bebidas prediletas. Herança indígena e distante. Herança dos meus antepassados
e do meu pai (numa maior proximidade). A erva quando boa, relaxa (erva-mate,
que fique claro!). Há um dito popular que pergunta ao novato bebedor: “Conhece
pé de erva?”. Tem um quadro que é uma foto do meu avô por parte de mãe,
caboclo-gaúcho, ainda jovem, trabalhando no corte da erva-mate no interior do
Rio Grande do Sul (na cidade de Soledade, pelo que sei), de que gosto muito.
Bombacha, facão na cinta e um chapelão de palha que lembra os sombreiros
mexicanos. Eis minha ligação indireta com a erva (a mate!). Bebo o chimarrão
diariamente, antes de alguma refeição ou no final da tarde. Bebo, às vezes,
enquanto escrevo ou leio. O chimarrão, mais do que uma bebida ou uma tradição
ou um costume, é um ato. Sim, um ato. Um ato que resiste ao tempo, a modernidade
excessiva. Um ato de resistência e de troca. Quando bebido em roda, entre
amigos e semelhantes, tem o símbolo da hospitalidade, da comunhão entre os
homens. Meu pai conta que o mate selou até a paz entre rivais. Pelo menos
naquele momento. No momento de relaxar e compartilhar o chimarrão. O mate
proporciona, além da relação social entre as pessoas, um momento, por mínimo
que seja, de calmaria e igualdade. Na hora do mate, todos estão na mesma
condição. Um ritual acontece neste instante. E toda a trajetória do chimarrão,
desde o seu plantio, passando pela colheita, o corte e tudo mais, até chegar à
boca da cuia e ser preenchido pela água quente, faz parte do momento. O mate
traz em si a História da nossa região, de costumes antepassados que sobrevivem
ao tempo. Nisso, o mate é símbolo de resistência. Com todo o individualismo
burguês-capitalista-tecnológico-mecânico contemporâneo, um costume, um ato
ancestral, burla a ordem superficial das coisas. É, outra vez, o Caos se
manifestando e comprovando que o movimento causado pela roda (como na roda de
chimarrão), faz o mundo girar e o entendimento humano ainda ser possível.
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