Num
só pulo saltei do sofá. Em minha volta o mundo girava e uma voz na minha cabeça
gritava. A garrafa de vinho no chão guardava no seu fundo um resto do líquido
dionisíaco. Juntei-a num gesto automático e suguei o que restava. Olhei para
meus pés sujos e sussurrei: “Será que ontem bebi tanto assim cacete?” Andei a
passos lentos e descompassados rumo ao banheiro. A bexiga estourando, a cabeça
latejando e o coração ainda pulsando: “Tudo bem, estou vivo!”. O toca-discos rodava
em chiados no finalzinho daquele álbum do Tom Waits que tanto gosto. A luz do
banheiro acesa e no espelho trincado a mensagem escrita em batom encarnado:
“Foi muito bom meu benzinho, pena não poder ficar para o almoço”. Mas quem
esteve comigo nesta noite? Eu não lembrava. Tentei recordar por alguns
instantes e nada: “maldita memória!”. Só deixou seu cheiro. Perfume barato.
Bituca de cigarro filtro escuro no chão da cozinha. Fios ruivos de cabelo na
cama além do suor adocicado de fêmea no cio. Um pouco intrigado pelo vazio na
memória, só lembrava de um bico fino de sapato vermelho apertando meu peito.
Quis esquecer. Puxei a velha máquina de escrever debaixo da cama e me despenhei
num poema improvável. Depois de alguns minutos tentando, não saiu nada que
prestasse: “Estou velho demais pra isso”. Desisti. Fui até a geladeira e saquei
uma cerveja. Bebi toda em três ou quatro goles. Depois outra e outra. Ao todo
foram umas sete. Já estava ficando bêbado de novo quando o telefone tocou.
Lentamente fui ver quem era. Tirei o telefone do gancho e uma voz que não me
era estranha, porém irreconhecível, falou: “Olá baby! Ainda está vivo?”.
Demorei alguns segundos, mas respondi: “Sim, claro, se não, não teria atendido
o telefone”. “Só estou ligando porque fiquei preocupada. Hoje pela manhã, antes
de ir embora, parecia não estar nada bem”. “É? Mas estou vivo ainda”. “A noite
foi maravilhosa meu bem!”. “Infelizmente não posso dizer o mesmo”. “Porque, não
gostou da nossa farrinha?”. “Não sei. Não lembro de muita coisa. Na verdade,
não lembro de nada”. “Nossa, foi tão ruim assim?”. “Eu estava muito bêbado”.
“É, eu lembro muito bem disso”. “Mas fala aí, quem é você e o que quer
comigo?”. “Nossa baby, poderia ser mais romântico, não é?”. Depois dessas
palavras bati o telefone na mesa e deixei a voz estranha falando sozinha no
outro lado da linha. Abri mais uma cerveja e me sentei próximo à janela da sala
que dá pra rua. Não tinha noção do horário, nem do que acontecera nas horas
anteriores, mas tinha a convicção de quem eu era, e isso me bastava por
enquanto.
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