quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Vestígios de uma noite qualquer

 
 
Num só pulo saltei do sofá. Em minha volta o mundo girava e uma voz na minha cabeça gritava. A garrafa de vinho no chão guardava no seu fundo um resto do líquido dionisíaco. Juntei-a num gesto automático e suguei o que restava. Olhei para meus pés sujos e sussurrei: “Será que ontem bebi tanto assim cacete?” Andei a passos lentos e descompassados rumo ao banheiro. A bexiga estourando, a cabeça latejando e o coração ainda pulsando: “Tudo bem, estou vivo!”. O toca-discos rodava em chiados no finalzinho daquele álbum do Tom Waits que tanto gosto. A luz do banheiro acesa e no espelho trincado a mensagem escrita em batom encarnado: “Foi muito bom meu benzinho, pena não poder ficar para o almoço”. Mas quem esteve comigo nesta noite? Eu não lembrava. Tentei recordar por alguns instantes e nada: “maldita memória!”. Só deixou seu cheiro. Perfume barato. Bituca de cigarro filtro escuro no chão da cozinha. Fios ruivos de cabelo na cama além do suor adocicado de fêmea no cio. Um pouco intrigado pelo vazio na memória, só lembrava de um bico fino de sapato vermelho apertando meu peito. Quis esquecer. Puxei a velha máquina de escrever debaixo da cama e me despenhei num poema improvável. Depois de alguns minutos tentando, não saiu nada que prestasse: “Estou velho demais pra isso”. Desisti. Fui até a geladeira e saquei uma cerveja. Bebi toda em três ou quatro goles. Depois outra e outra. Ao todo foram umas sete. Já estava ficando bêbado de novo quando o telefone tocou. Lentamente fui ver quem era. Tirei o telefone do gancho e uma voz que não me era estranha, porém irreconhecível, falou: “Olá baby! Ainda está vivo?”. Demorei alguns segundos, mas respondi: “Sim, claro, se não, não teria atendido o telefone”. “Só estou ligando porque fiquei preocupada. Hoje pela manhã, antes de ir embora, parecia não estar nada bem”. “É? Mas estou vivo ainda”. “A noite foi maravilhosa meu bem!”. “Infelizmente não posso dizer o mesmo”. “Porque, não gostou da nossa farrinha?”. “Não sei. Não lembro de muita coisa. Na verdade, não lembro de nada”. “Nossa, foi tão ruim assim?”. “Eu estava muito bêbado”. “É, eu lembro muito bem disso”. “Mas fala aí, quem é você e o que quer comigo?”. “Nossa baby, poderia ser mais romântico, não é?”. Depois dessas palavras bati o telefone na mesa e deixei a voz estranha falando sozinha no outro lado da linha. Abri mais uma cerveja e me sentei próximo à janela da sala que dá pra rua. Não tinha noção do horário, nem do que acontecera nas horas anteriores, mas tinha a convicção de quem eu era, e isso me bastava por enquanto.
 
 
 

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