sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Causo de ficção: ‘O messias da invernada’













Alcei meu voo às cinco da manhã. Rua vazia. Fazia calor no Velho Oeste. Meu peito, um deserto maior que o mundo. A noite anterior havia sido dura. Descarregamos um caminhão de pernil de gado em dois, eu e meu comparsa Guilhermino. Tingimos as paredes do açougue de vermelho. O sangue da carne de todo aquele gato misturado ao nosso suor gerou uma química que acabou num odor nada agradável. Caminhei alguns quilômetros até a saída da cidade com um punhado de réis no bolso. Meu chapéu e meu casaco velho, minha camiseta e meu jeans desbotados, minha bota suja e o maço de cigarros. Era tudo o que eu precisava para atravessar a fronteira e sumir do mapa. Meu couro a prêmio. Os coronéis não poupavam. Deixei pra trás um amor, o cão, um rancho velho e o matungo que já não tinha forças para a empreitada. Tentaram me convencer para vendê-lo ao frigorífico para que fizessem salsicha. Me disseram que dava uma boa grana, mas não, meu cavalo velho é digno da minha consideração. Nos piores momentos ele esteve me carregando em seu lombo. Andei até esquentar o taco da bota e o sol não foi nada amigável, queimou valendo. O Velho Oeste já foi mais inóspito, tá certo, mas com os coronéis a minha espreita não podia vacilar. Um caminhão inteiro de pernil de gado rendeu um troco, pelo menos para que eu me sustente até arrumar algo aqui no Rio Grande. Vou atrás de um pedaço de terra para plantar e me manter vivo por mais algum tempo, até a poeira baixar e eu poder voltar para buscar meu cachorro e minha mulher, se eles ainda estiverem vivos. Em Xapecó, depois dos índios e caboclos, foram os forasteiros, agora é a vez de gente da minha laia. Sou ‘persona non grata’ para os olhos dos donos do poder. Varrer gente como eu é o que eles mais querem. Se livrar daquilo que os representa ameaça. Até que os servi com bons cortes de carne, minha arte, tive algum valor. Foi só eu pisar na bola uma única maldita vez que eles começaram suas caçadas. Famílias nobres, tradicionais, sei... Nobre foi meu avô que nunca larapiou ninguém e sobreviveu do trabalho e do bom trato com as pessoas, as plantas e os animais. Por isso é que nunca enriqueceu. Não expulsou ninguém das suas terras nem tampouco fez comércio com aquilo que é de todo mundo - ou pelo menos deveria ser. E eu, seu descendente, caçado como um javali do mato. Mas eu voltarei, e as coisas vão mudar, aguardem...



Nenhum comentário: