Nostalgia (filme de Andrei Tarkovsky)
Deixe de lado os discos que lhe dei. E quando sair não se esqueça
de apagar as luzes. O Natal já começou. As crianças alegres esperando
presentes, já que vivemos sempre esperando algo, alguma recompensa. Desde novos
somos motivados a isso. Então querida, não culpe as crianças. Elas não sabem os
motivos do que acontece para além dos seus sonhos. Seus desejos são apenas
desejos de quem aprende desejar através dos mais velhos. São herdeiras dos
nossos excessos e de nossas faltas, das nossas crenças e de nossas políticas,
de nossas realidades e das nossas hipocrisias. Os discos que lhe dei, não tem
mais valor, eu sei. Doe-os para alguém que os possa novamente ouvir, sentir e
dizer: ‘Nossa, como os discos de vinil soam bem, geram outras sensações!’. Não,
não é apenas nostalgia, romantismo, saudosismo ou algo que valha. É sim a
sensação do corpo que pede, treme, vibra e se agita junto do som. É a alma que
canta. Saí da nossa casa antes de ti e antes do Natal. Nunca tivemos pinheirinho
brilhando na nossa sala porque para as crianças pareciam indiferentes. Hoje, já
não sei se eram. Então penso nas
crianças que na rua olham as luzes de natal brilhando, e se ganham algum
presente de algum bom coração perdido como o meu, ficam felizes. Meus olhos são
como os olhos dessas crianças que, cedo ou tarde, brilham para o mundo, e é
esse brilho que alimenta a vida de esperança, a tão necessária esperança de que
tudo mude e possa voltar a ser bom, como já foi um dia.
* também publicado no jornal Folha do Bairro, 06/12
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