Das
inquietudes de ser homem e adulto
* Para mulheres e homens, meninas e meninos
Fechei a boca para o pó não entrar. Os
olhos para o sol não entrar. Os ouvidos para o som não entrar. As narinas para
o cheiro não entrar. Antes, havia fechado as janelas e as portas, mas existem as
frestas. Na minha casa há muitas frestas por onde o mundo lá de fora entra em
pequenas quantias. Aos poucos ele enche minha casa com suas coisas, seus
problemas, seus propósitos, suas demências, suas virtudes e suas notícias.
Volta e meia algo de bom entra na minha casa, como o riso espontâneo de alguma
criança que corre suja na rua. Como o canto distante de algum pássaro. Como um
poema dito pela boca de algum vivente aluado ou como o ar fresco que sempre
acontece depois da chuva. Tenho boca, olhos, ouvidos e narinas pra isso. Na
minha casa, tenho frestas pra isso. O caminho é o mesmo. As frestas são as
mesmas. Só o que entra é diferente. O mundo lá fora, ao mesmo tempo, é um
lodaçal onde muitas pessoas se banham e é o mar azul onde muitas outras
mergulham, com suas superficialidades e suas profundezas. Aqui dentro, na minha
casa, correm rios. Rios sonoros e profundos. Rios que choram. Rios que
descansam. Rios que cantam, gritam e sorriem. Rios de vida e rios de morte.
Rios em que me refresco diariamente. Rios de águas turvas que de repente se
aquietam e tornam meu mundo mais sereno, tranquilo. Tenho características de um
homem bom. Só características, pois sou mau como todos os outros homens na
minha idade. Mas logo, logo, sei que já estarei ficando bom de novo – ou pela
primeira vez na vida - como as meninas da minha rua, tão pequenas e tão
felizes! Daqui a pouco estarei mais velho. Nunca voltarei a ser este homem mau
de meia idade, adulto, duro e metódico. As mulheres são mais sensíveis. Nem
todas, eu sei, mas grande parte delas. Nós, homens, não temos este privilégio.
As meninas cantam e dançam, enquanto os meninos gritam e correm. A natureza
quis assim. Deus quis assim. E os dois, nos enganaram direitinho.
Entendendo o conflito como um
todo
“Compreender a natureza do conflito exige não a compreensão do seu
conflito particular como um indivíduo, mas o entendimento do conflito total como um ser humano – o conflito total, que inclui
nacionalismo, diferença de classe, ambição, avareza, inveja, o desejo de
posição, prestígio, todo o sentido de poder, dominação, medo, culpa, ansiedade,
no qual está envolvida a morte, a meditação – o todo da vida. E para entender o
todo da vida, deve-se ver, ouvir não fragmentariamente, mas observar o vasto
mapa da vida. Uma de nossas dificuldades é, não é, que funcionamos fragmentariamente,
funcionamos em seções, numa parte – você é um engenheiro, um artista, um
cientista, um homem de negócios, um advogado, um físico e assim por diante –
dividido, fragmentário. E cada fragmento está em luta com o outro fragmento,
desprezando-o ou sentindo-se superior.”
(Jiddu Krishnamurti - The Collected Works vol XVI, pp 4-5)
* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.
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