quarta-feira, 22 de abril de 2015

Leituras do Cotidiano, 17/04

Vozes do espetáculo

Enquanto você pede Impeachment sem saber se é isso ou não o que deve e pode acontecer, eles vão avançando, como uma enxurrada que traz lixo, dejetos ou muita sujeira em dias de tempestade e enchente, trancando bocas de lobo, enchendo vielas, transbordando canais e inundando casas com seu lodo. Enquanto você, mesmo sem ter noção, clama por ‘intervenção militar’, eles aprovam coisas que prejudicam sua própria condição, a exemplo da PL 4330, que prevê a terceirização e consequentemente a precariedade do trabalho e de direitos trabalhistas, estes, que incluem você, seu tempo, seu espaço, sua vida. Mas você insiste reproduzindo discursos e manifestando-se contra uma corrupção que nem sequer vê ou sabe de onde vem, com quem e como é praticada. Mas não importa, você crê. A TV lhe diz e você reproduz. Enquanto você aplaude a ‘redução da maioridade penal’, como se isso fosse resolver alguma coisa, a cultura, a educação arcaica, o ‘modo adulto’ de relação com a criança, o adolescente e com o jovem se alimenta para continuar defasado, falho, medíocre, violento, desequilibrado. Cadeias que não ressocializam transbordando, assim como as vielas e canais que cruzam bem abaixo de seus pés, mas você não vê nem sente, até que a água bata na sua bunda ou chegue ao seu pescoço. Enquanto você só acha e enche os meios de comunicação e informação de lamúrias, reclamações ou discursos odiosos contra aquilo que apenas acredita ser o problema (mas não sabe realmente se é), empresários das comunicações, publicitários e indústria cultural, assim como seus produtos e ideologias, adquirem mais e mais poder, status e riqueza, graças a você. Parabéns! Se sinta útil por isso – como um instrumento ou objeto, o que, de certo modo, você acaba sendo. Enquanto o mundo lá fora lhe chama para ousar, criar, viver, você continua nas suas velhas e passadas convicções, concepções, crenças ou simplesmente, pré-conceitos. Enquanto você só age seguindo as orientações do ‘Grande Irmão’ (leia-se ‘1984’, de George Orwell), manifestando-se nas ruas sem ao menos saber a fundo o conteúdo dessa ‘manifestação’ (ou reprodução?), eles deitam e rolam sobre seu cadáver ambulante, neste jogo novelístico ou cinematográfico onde zumbis existem.  Parabéns! É figurante, não o ator ou atriz principal ou protagonista deste teatro filmado. Enquanto você corre eles descansam sob a sombra que dizem também ser sua, e que, talvez, quando o tempo passar e você envelhecer, e se por acaso, ainda estiver vivo ou ainda houver tempo pra isso, você descubra que esta sombra nunca foi sua, ou se foi, para piorar, nunca teve a chance de descansar em baixo dela. Que realidade triste é a sua. Sempre ouvindo, consumindo, reproduzindo. Sempre servindo e obedecendo. Sempre sendo usado e deixando-se usar. Sempre alimentando este ‘espetáculo’ de que faz parte como mero mantenedor. Um espetáculo onde alguns vivem legitimados por outros que apenas existem. Um espetáculo onde você e eu, fizemos parte do show. A diferença é que, um de nós tem esta leitura, visão e/ou consciência, e por causa disso, se move para além do espetáculo, para além da reprodução, enquanto ou outro, miseravelmente só faz barulho, pois sua voz não lhe é própria, apenas um eco de outra voz maior. Vozes somadas que formam uma só em consonância com o recado do espetáculo. Vozes distintas e próprias ainda hoje, infelizmente, são para poucos. Porém, podem ser para muitos, como sempre pôde, basta que, estas vozes livrem-se de certas palavras.


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.



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