quarta-feira, 15 de abril de 2015

Reflexo...

Quero estar em nenhum lugar. Quero não estar. Simplesmente. Pelo menos por um tempo, até que as coisas voltem a não ser. Como nuca foram. Você e eu andando pelo nada dentro do vazio. E o vazio nos preenchendo de nada. E o nada nos esvaziando de nós mesmos. Às vezes penso no final do dia que nunca permanece. Também penso no seu riso de deboche as quatro da madrugada. Do nada você ri. Quanto te empalhei no meu sonho você ainda sorria, liberta como uma mulher da vida. E eu, um vadio que não serve pra nada nem pra ninguém, riscando poemas despedaçados na parede cinza e carcomida do nosso antigo quarto que já não figura naquilo que chamam de casa. Somos como nossa tapera, um abandono só. A alma que um dia eu já tive fugiu de casa no momento em que abandonou a sua casa. Fiquei só e sem pátria. Um corpo caído no meio de uma sala mais vazia ainda. Mas eu ainda ei de te encontrar. Nem que seja neste nada que até a memória fez questão de abandonar. Somos um só abandono, eu e você, como a nossa casa. Penso em não estar, e mesmo não estando, penso em você. Sem imagem, sem voz, sem nada. Pobre espelho quebrado és apenas uma moldura que insiste em estar. Pobre alma penada, você nem se quer tem forma. Um reflexo do que não está, mas assim mesmo é. Perdão pelos dias delirantes na beira do vazio, alma penada que grita sem ter voz.


* também publicado no jornal Folha do Bairro. 



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