Quero estar em nenhum lugar. Quero não estar. Simplesmente. Pelo
menos por um tempo, até que as coisas voltem a não ser. Como nuca foram. Você e
eu andando pelo nada dentro do vazio. E o vazio nos preenchendo de nada. E o
nada nos esvaziando de nós mesmos. Às vezes penso no final do dia que nunca
permanece. Também penso no seu riso de deboche as quatro da madrugada. Do nada
você ri. Quanto te empalhei no meu sonho você ainda sorria, liberta como uma
mulher da vida. E eu, um vadio que não serve pra nada nem pra ninguém, riscando
poemas despedaçados na parede cinza e carcomida do nosso antigo quarto que já
não figura naquilo que chamam de casa. Somos como nossa tapera, um abandono só.
A alma que um dia eu já tive fugiu de casa no momento em que abandonou a sua
casa. Fiquei só e sem pátria. Um corpo caído no meio de uma sala mais vazia
ainda. Mas eu ainda ei de te encontrar. Nem que seja neste nada que até a
memória fez questão de abandonar. Somos um só abandono, eu e você, como a nossa
casa. Penso em não estar, e mesmo não estando, penso em você. Sem imagem, sem
voz, sem nada. Pobre espelho quebrado és apenas uma moldura que insiste em
estar. Pobre alma penada, você nem se quer tem forma. Um reflexo do que não
está, mas assim mesmo é. Perdão pelos dias delirantes na beira do vazio, alma
penada que grita sem ter voz.
* também publicado no jornal Folha do Bairro.
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