Divagações
sobre algumas Naturezas
Mudanças ‘não
naturais’ acontecem diariamente: o antigo efeito estufa que transformou-se em
aquecimento global, a tristeza em depressão, a humanidade em virtude, e assim
por diante. E quase nada disso é natural. Eu não sou natural, nem você. Talvez
a nossa carne nua, e o pouco da nossa consciência despida de valores obesos, ou
nosso lado curioso da alma ainda sejam um tanto naturais. Aliás, quase nada do
que se conhece é natural. Tempestades oras são naturais, oras não. Assim como
os terremotos e outras explosões da natureza. Nem tudo vêm dela. Existem
diferenças como: a bebida não é natural, mas talvez beber seja. O alimento não
é natural, mas talvez comer seja. O casamento não é natural, mas apaixonar-se e
depois amar, pode ser. O ciúme não é natural, talvez a dor seja. O homem,
enquanto ser social, não é natural. O suco que acabei de beber, muito menos.
Tudo está ligado a algo maior, e que também não é natural. Quase nada é natural
e quase tudo é discurso e conceito. Natural é a entrega, sem moral nem dogma.
Sem pudor. Sem o sofrimento incrustado pela tradição. Ás vezes bêbado, me torno
natural. Nu de alma e de palavra. A minha e a tua carne, são parte de um todo
chamado natureza. Agora, o que acreditamos, vivemos e pensamos, não. Muito do
mundo é forjado para a dita ‘convivência social’. Natureza é vida e movimento.
Aquele toque na pele trêmula em noite de diversão, amor, paixão ou apenas
desejo encarnado, aquele fogo interno e fátuo, imensurável, isso tudo pode ser
natural, pois faz parte de uma natureza. Existe aí uma natureza selvagem e
ampla, diferente daquela discursada para tentar ordenar o caos. A natureza é
caótica. Mas não do caos usado ideologicamente para amedrontar, substantivo de
calamidade ou tragédia, mas o caos que é ação, movimento, vida. A natureza não
se acomoda, nem é território. A natureza é liberdade e caos - e temos isso em
nós, e há isso também na floresta e nos animais. Masturbar-se, talvez não seja
natural, mas gozar é. Sentir culpa do ato não é natural, mas ter o prazer na
carne e na alma, é. Somos tão viciados e crentes em conceitos e discursos de
ordem moral e sociocultural, que quando a nossa natureza se manifesta, não
sabemos reconhecê-la. Perdemos com isso, pois o não reconhecimento e descaso
com a natureza trazem algumas consequências de reação.
A natureza, enquanto escrevo dentro
dessas quatro paredes, se manifesta em meu peito e lá fora, onde os grilos
silenciam porque chove.
* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.
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