quarta-feira, 15 de abril de 2015

Leituras do Cotidiano

Divagações sobre algumas Naturezas


Mudanças ‘não naturais’ acontecem diariamente: o antigo efeito estufa que transformou-se em aquecimento global, a tristeza em depressão, a humanidade em virtude, e assim por diante. E quase nada disso é natural. Eu não sou natural, nem você. Talvez a nossa carne nua, e o pouco da nossa consciência despida de valores obesos, ou nosso lado curioso da alma ainda sejam um tanto naturais. Aliás, quase nada do que se conhece é natural. Tempestades oras são naturais, oras não. Assim como os terremotos e outras explosões da natureza. Nem tudo vêm dela. Existem diferenças como: a bebida não é natural, mas talvez beber seja. O alimento não é natural, mas talvez comer seja. O casamento não é natural, mas apaixonar-se e depois amar, pode ser. O ciúme não é natural, talvez a dor seja. O homem, enquanto ser social, não é natural. O suco que acabei de beber, muito menos. Tudo está ligado a algo maior, e que também não é natural. Quase nada é natural e quase tudo é discurso e conceito. Natural é a entrega, sem moral nem dogma. Sem pudor. Sem o sofrimento incrustado pela tradição. Ás vezes bêbado, me torno natural. Nu de alma e de palavra. A minha e a tua carne, são parte de um todo chamado natureza. Agora, o que acreditamos, vivemos e pensamos, não. Muito do mundo é forjado para a dita ‘convivência social’. Natureza é vida e movimento. Aquele toque na pele trêmula em noite de diversão, amor, paixão ou apenas desejo encarnado, aquele fogo interno e fátuo, imensurável, isso tudo pode ser natural, pois faz parte de uma natureza. Existe aí uma natureza selvagem e ampla, diferente daquela discursada para tentar ordenar o caos. A natureza é caótica. Mas não do caos usado ideologicamente para amedrontar, substantivo de calamidade ou tragédia, mas o caos que é ação, movimento, vida. A natureza não se acomoda, nem é território. A natureza é liberdade e caos - e temos isso em nós, e há isso também na floresta e nos animais. Masturbar-se, talvez não seja natural, mas gozar é. Sentir culpa do ato não é natural, mas ter o prazer na carne e na alma, é. Somos tão viciados e crentes em conceitos e discursos de ordem moral e sociocultural, que quando a nossa natureza se manifesta, não sabemos reconhecê-la. Perdemos com isso, pois o não reconhecimento e descaso com a natureza trazem algumas consequências de reação.

          A natureza, enquanto escrevo dentro dessas quatro paredes, se manifesta em meu peito e lá fora, onde os grilos silenciam porque chove.


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.



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