sábado, 7 de março de 2020

‘O sangrado Feminino’ na cultura patriarcal - e a 'auto-defesa' proativa



8 de Março se celebra e se manifesta  o ‘Dia Internacional da Mulher’ pelo mundo. As origens históricas desta data nem sempre ou quase nunca são consideradas, pois geram debate e reflexão, quando não vergonha. Sim, vergonha humanitária. Quando lá, em meados do século XX, numa fábrica têxtil de Nova York, nos EUA, mais de uma centena de operárias morreram carbonizadas num incêndio intencional por lutarem por melhores condições de trabalho e respeito ao seu gênero. Outros fatos, sob tudo relacionados a lutas femininas por direitos e respeito, também marcam esta data. Fatos estes que levaram a ONU (Organização das Nações Unidas) oficializar o 8 de Março como Dia Internacional da Mulher. E aqui estamos nós, manifestando, comemorando, alegres ou enlutados.

Muito sangue feminino correu para que as mulheres conquistassem seus direitos. Sangue este que, contudo, parece ainda não ter sido suficiente para que as mulheres sejam devidamente consideradas, valorizadas, respeitadas. No Brasil, um dado recente diz que, a cada 7 horas uma mulher é assassinada por um homem. Outro que, a cada 4 horas uma criança feminina (menina) é estuprada por algum homem da família ou próximo dela. Estas são, mais que estatísticas, fatos que o Brasil amarga. Além deste quadro já ser horrendo, diariamente vemos manifestações do machismo (que é cultural ou estrutural, portanto histórico) pelas ruas, dentro das instituições e famílias. Ele também está na publicidade e no discurso e atitudes de homens (e algumas mulheres, infelizmente) públicos. Por exemplo: “Não te estupro porque você não merece” e “Mulher tem que ganhar menos porque engravida”, são algumas das palavras machistas, ofensivas e violentas publicamente desferidas pelo presidente da república Jair Messias Bolsonaro. Sendo um homem público, ‘líder’ de uma nação, eleito pelo voto popular, Bolsonaro, ocupando o cargo que ocupa, é um ‘agente motivador’. Ou seja, suas palavras repercutem, dão eco, influenciam, fomentam, inspiram ou motivam todos àqueles que, como ele, violentam de alguma forma o gênero feminino. E muitas vezes esta violência sai do âmbito verbal, simbólico e/ou psicológico e vai ao âmbito físico, ou seja, resulta na violência física-corporal, que pode ir desde a agressão física, lesionando o corpo (e, portanto a ‘alma’, afetando o psicológico), até a morte. E aí estão os inúmeros e diários casos de feminicídio para comprovar isso.

Uma das nossas grandes questões referentes à violência (seja ela física ou psicológica) decorre da cultura, ou seja, do modo de vida, suas crenças e concepções, que vão, de uma forma ou de outra, chegar à prática cotidiana. O machismo e o grande capital acumulado (capitalismo), que é ancorado no patriarcado, aliados, promovem em larga escala (e executam) a cultura da violência contra a mulher.

Por uma ‘cultura proativa’ (valorizando a Vida)

Nossa cultura não é preventiva nem antecipatória. Ou seja, a proatividade não está no nosso calendário humanístico, somente no comercial. Ser proativo é ser preventivo ou auto-defensivo, o que resulta numa autonomia de ser e estar, mantendo certa integridade e espaço existencial próprio. Nisso, como estudante e professor de um sistema dito ‘marcial’ de Kung Fu, chamado de Wing Tjun, que envolve também a prática do Chi Kung e do Tai Chi Chuan, além das concepções filosóficas e espirituais taoistas (leia-se espiritualidade aqui como algo diferente do que se tem no ocidente, e taoismo enquanto filosofia, espiritualidade e cultura ou prática de vida), pratico este que é um grande conhecimento, uma  grande arte, a modo de manter-me proativo, pois antecipar, prevenir, como bem diz o ditado popular, é o melhor remédio. E, por experiência e tendo como referência meus estudos nesta área, penso que toda mulher e criança deveriam estudar/praticar algo em ‘auto-defesa’. Algum estilo ‘marcial’ que seja proativo, ou seja, que possibilite a prevenção, antecipação e auto-defesa, tanto do corpo quanto da mente. Infelizmente, na grande maioria dos casos, não há tempo para acionar os meios legais de combate a violência contra a mulher, contando que, as situações não são programadas para acontecerem, e nossa cultura exclui o ‘caos’ da sua visão e sensibilidade. No caso, não somos preparados culturalmente para atuar de forma proativa, por isso estamos à mercê das circunstâncias, sob tudo a mulher e a criança, por estarem inseridas numa cultura machista e violenta, predominantemente patriarcal, onde a violência e autoritarismo são fortes características.  

A partir deste contexto, através da AFWK (Associação Fluir Wing Tjun Kung Fu), já fiz projeto e ofertei publicamente meus trabalhos na área, na intenção de integrar através da prática, o combate à cultura da violência contra a mulher. Porém e infelizmente, tivemos pouca aderência, resultado também de certa cultura ou da falta de uma cultura proativa (preventiva e auto-defensiva) nas concepções e práticas diárias femininas.

Sei da importância da reunião das mulheres em torno deste tema, das suas organizações, mobilizações, das suas práticas integracionais que fazem avançar a questão e amenizar o problema, porém, junto a isso, penso que seja necessário, além do debate e da denúncia, ter o mínimo de noção e estudo de técnicas que possibilitem a ‘auto-defesa’ (marcial e sensorial), seja ela coletiva ou pessoal, além da teoria (que é fundamental) - em suma, NA PRÁTICA. Esta é a questão. Uma questão URGENTE, pois alguns ou muitos homens, o patriarcado (e/ou seu machismo que é cultural, portanto estrutural), ESTÃO MATANDO AGORA, com ou sem mobilizações e debates relativos ao tema. Não há tempo e não dá para esperar, pois a mudança, havendo, será a longo prazo - e a vida é agora - devido, justamente, ao modo de vida (cultura), que todos devem saber, envolve a tradição (crenças, costumes e concepções que geram a prática cotidiana).

Em suma, não quero com este texto dizer ou ensinar como se deve pensar ou agir, mas talvez poder contribuir com a percepção, que passa pela reflexão e deve, impreterivelmente, ir de encontro à prática. Portanto, isso é um convite à proatividade, uma cultura que pode mudar a história pessoal e coletiva, gerando novas possibilidades de Vida.

"A grande virtude do Céu e da Terra chama-se vida" (I Ching, o Livro das Mutações)




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