8 de Março se celebra e se manifesta o ‘Dia Internacional da Mulher’ pelo mundo. As
origens históricas desta data nem sempre ou quase nunca são consideradas, pois
geram debate e reflexão, quando não vergonha. Sim, vergonha humanitária. Quando
lá, em meados do século XX, numa fábrica têxtil de Nova York, nos EUA, mais de
uma centena de operárias morreram carbonizadas num incêndio intencional por
lutarem por melhores condições de trabalho e respeito ao seu gênero. Outros
fatos, sob tudo relacionados a lutas femininas por direitos e respeito, também
marcam esta data. Fatos estes que levaram a ONU (Organização das Nações Unidas)
oficializar o 8 de Março como Dia Internacional da Mulher. E aqui estamos nós,
manifestando, comemorando, alegres ou enlutados.
Muito sangue feminino correu para que as mulheres
conquistassem seus direitos. Sangue este que, contudo, parece ainda não ter
sido suficiente para que as mulheres sejam devidamente consideradas,
valorizadas, respeitadas. No Brasil, um dado recente diz que, a cada 7 horas
uma mulher é assassinada por um homem. Outro que, a cada 4 horas uma criança
feminina (menina) é estuprada por algum homem da família ou próximo dela. Estas
são, mais que estatísticas, fatos que o Brasil amarga. Além deste quadro já ser
horrendo, diariamente vemos manifestações do machismo (que é cultural ou
estrutural, portanto histórico) pelas ruas, dentro das instituições e famílias.
Ele também está na publicidade e no discurso e atitudes de homens (e algumas
mulheres, infelizmente) públicos. Por exemplo: “Não te estupro porque você não
merece” e “Mulher tem que ganhar menos porque engravida”, são algumas das palavras
machistas, ofensivas e violentas publicamente desferidas pelo presidente da
república Jair Messias Bolsonaro. Sendo um homem público, ‘líder’ de uma nação,
eleito pelo voto popular, Bolsonaro, ocupando o cargo que ocupa, é um ‘agente
motivador’. Ou seja, suas palavras repercutem, dão eco, influenciam, fomentam, inspiram
ou motivam todos àqueles que, como ele, violentam de alguma forma o gênero
feminino. E muitas vezes esta violência sai do âmbito verbal, simbólico e/ou
psicológico e vai ao âmbito físico, ou seja, resulta na violência física-corporal,
que pode ir desde a agressão física, lesionando o corpo (e, portanto a ‘alma’,
afetando o psicológico), até a morte. E aí estão os inúmeros e diários casos de
feminicídio para comprovar isso.
Uma das nossas grandes questões referentes à violência (seja
ela física ou psicológica) decorre da cultura, ou seja, do modo de vida, suas
crenças e concepções, que vão, de uma forma ou de outra, chegar à prática
cotidiana. O machismo e o grande capital acumulado (capitalismo), que é
ancorado no patriarcado, aliados, promovem em larga escala (e executam) a
cultura da violência contra a mulher.
Por uma ‘cultura
proativa’ (valorizando a Vida)
Nossa cultura não é preventiva nem antecipatória. Ou seja, a
proatividade não está no nosso calendário humanístico, somente no comercial.
Ser proativo é ser preventivo ou auto-defensivo, o que resulta numa autonomia
de ser e estar, mantendo certa integridade e espaço existencial próprio. Nisso,
como estudante e professor de um sistema dito ‘marcial’ de Kung Fu, chamado de Wing
Tjun, que envolve também a prática do Chi Kung e do Tai Chi Chuan, além das
concepções filosóficas e espirituais taoistas (leia-se espiritualidade aqui
como algo diferente do que se tem no ocidente, e taoismo enquanto filosofia,
espiritualidade e cultura ou prática de vida), pratico este que é um grande
conhecimento, uma grande arte, a modo de
manter-me proativo, pois antecipar, prevenir, como bem diz o ditado popular, é
o melhor remédio. E, por experiência e tendo como referência meus estudos nesta
área, penso que toda mulher e criança deveriam estudar/praticar algo em ‘auto-defesa’.
Algum estilo ‘marcial’ que seja proativo, ou seja, que possibilite a prevenção,
antecipação e auto-defesa, tanto do corpo quanto da mente. Infelizmente, na
grande maioria dos casos, não há tempo para acionar os meios legais de combate
a violência contra a mulher, contando que, as situações não são programadas para
acontecerem, e nossa cultura exclui o ‘caos’ da sua visão e sensibilidade. No
caso, não somos preparados culturalmente para atuar de forma proativa, por isso
estamos à mercê das circunstâncias, sob tudo a mulher e a criança, por estarem
inseridas numa cultura machista e violenta, predominantemente patriarcal, onde
a violência e autoritarismo são fortes características.
A partir deste contexto, através da AFWK (Associação Fluir
Wing Tjun Kung Fu), já fiz projeto e ofertei publicamente meus trabalhos na
área, na intenção de integrar através da prática, o combate à cultura da
violência contra a mulher. Porém e infelizmente, tivemos pouca aderência,
resultado também de certa cultura ou da falta de uma cultura proativa
(preventiva e auto-defensiva) nas concepções e práticas diárias femininas.
Sei da importância da reunião das mulheres em torno deste
tema, das suas organizações, mobilizações, das suas práticas integracionais que
fazem avançar a questão e amenizar o problema, porém, junto a isso, penso que
seja necessário, além do debate e da denúncia, ter o mínimo de noção e estudo
de técnicas que possibilitem a ‘auto-defesa’ (marcial e sensorial), seja ela
coletiva ou pessoal, além da teoria (que é fundamental) - em suma, NA PRÁTICA. Esta
é a questão. Uma questão URGENTE, pois alguns ou muitos homens, o patriarcado
(e/ou seu machismo que é cultural, portanto estrutural), ESTÃO MATANDO AGORA, com
ou sem mobilizações e debates relativos ao tema. Não há tempo e não dá para
esperar, pois a mudança, havendo, será a longo prazo - e a vida é agora -
devido, justamente, ao modo de vida (cultura), que todos devem saber, envolve a
tradição (crenças, costumes e concepções que geram a prática cotidiana).
Em suma, não quero com este texto dizer ou ensinar como se
deve pensar ou agir, mas talvez poder contribuir com a percepção, que passa
pela reflexão e deve, impreterivelmente, ir de encontro à prática. Portanto,
isso é um convite à proatividade, uma cultura que pode mudar a história pessoal
e coletiva, gerando novas possibilidades de Vida.
"A
grande virtude do Céu e da Terra chama-se vida" (I Ching, o Livro das
Mutações)
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