sábado, 21 de março de 2020

O vírus e a disciplina


* Obs.: o título desta reflexão também poderia ser ‘o vírus e a educação’, ‘o vírus e a cultura’, ‘o vírus e o conhecimento’ ou ‘o vírus e a sabedoria’.

O covid-19 ou conrona vírus saiu da Ásia, mas precisamente da China, mais precisamente ainda da cidade de Wuhan, província de Hubei na região central do país (e que fica aproximadamente 4h30min de carro até Wudang, onde estão localizadas as montanhas que abrigam templos taoistas, talvez o maior reduto do taoismo na China, e a credito, no planeta), e se espalhou pelo mundo - e neste exato momento em que escrevo, segue a se proliferar. Todos devem saber, a China é o país mais populoso do mundo, mas também, um dos mais organizados e disciplinados em sua educação e/ou cultura. Filosofias, espiritualidades ou modos de vida milenares conferem ao país tal condição. Países próximos também herdaram deste ‘tigre asiático’ esta cultura que envolve muita espiritualidade, diversidade e disciplina. E além do conhecimento técnico, científico e tecnológico que a China possui hoje, foi desta disciplina, provinda da sua milenar tradição cultural, que a China conseguiu ‘controlar’ a disseminação interna do vírus que neste instante assola a humanidade. Ou seja, o povo cumpriu o protocolo de prevenção e combate ao vírus, ficando em casa.

“O que não se regenera, se degenera”. (Edgar Morin)

Os menos sensíveis – ou mais grosseiros (como foi o caso de um dos filhos do ‘presidente’, o deputado Flávio Bolsonaro), dirão, a partir de um reducionismo simplista que ‘a culpa pela crise é da China’, outros que ‘o governo ditador e comunista chinês fabricou e espalhou este vírus para derrubar o capitalismo, os EUA e os países livres’. Mais abaixo (ainda?!) destes, tem aqueles que, incrivelmente dizem que ‘o vírus foi um plano da China comunista para destruir Bolsonaro’, decerto, dada a ‘importância’ do ‘nosso presidente’ na ordem do dia e do mundo. Tudo o que não precisaríamos agora é uma crise diplomática com a China, deflagrada pelo ‘filhinho do papai’ e seus vômitos inconsequentes. Assim como o pai, cada vez que fala ou age cria riscos. Ou seja, este governo em forma de ‘clã’ (família Bolsonaro) é um perigo e coloca muita coisa em risco, atua praticando crimes de responsabilidade (entre outros), e incrivelmente ainda está no governo do país, como? Perguntemos isso ao Dr. Sergio Moro, ministro da justiça, alguns empresários, ao STF, aos deputados e senadores, acredito que tenham a resposta.

"Tudo está ligado, como o sangue que une uma família. Todas as coisas estão ligadas. O que acontece a Terra recai sobre os filhos da Terra. Não foi o homem que teceu a trama da vida. Ele é só um fio dentro dela. Tudo o que ele fizer à teia estará fazendo a si mesmo." (chefe Seattle, 1856)

O taoismo é uma das principais bases (talvez a principal) do conhecimento milenar chinês, que envolve a experiência, o estudo e a espiritualidade (que envolve cultivo de energia e práticas meditativas), sendo uma ‘filosofia espiritual de conhecimento prático’ que possui uma ‘medicina’ própria e ancestral, herança dos nativos, organizada por estudiosos, antigos mestres e mestras deste conhecimento, desta sabedoria.

E qual é a relação do taoismo enquanto conhecimento e/ou cultura com a situação envolvendo a pandemia viral? Sendo o taoismo a base da MTC (Medicina Tradicional Chinesa), ele, enquanto conhecimento, fornece os princípios fundamentais para várias prevenções e tratamentos. Em Wuhan, a MTC somou-se a medicina moderna ocidental no tratamento dos casos de contaminação pelo vírus, o que resultou num trabalho bem sucedido. Enquanto os pacientes infectados eram tratados quimicamente pela medicina de cunho ocidental, também eram pela medicina tradicional chinesa. Como prevenção e parte de tratamentos, foram aplicados os princípios e conhecimentos taoistas do Chi Kung, do Tai Chi, assim como a acupuntura, a moxaterapia, a meditação, o uso de ervas em chás, a alimentação equilibrada, etc. Junto a isso, algo fundamental, a disciplina. Sim, o isolamento social requer de muita disciplina, e para que o vírus fosse contido, esta postura foi fundamental.

“Através da retidão organiza-se o reino” (Tao Te Ching, Lao Tse)

Então, a fórmula foi de certo modo ‘simples’ ou prática: de uma forma geral, tratamento e prevenção somando os conhecimentos (oriental e ocidental), com boa disposição e organização dos espaços e cuidados necessários aos infectados, e aos não infectados, o bom uso das tecnologias e a disciplina de parte significativa da população, em auto-isolar-se e na autoprevenção, a partir dos princípios e práticas cotidianas de origem tradicional e/ou taoistas. Em suma foi esta disciplina, a que, infelizmente não possuímos, que fez (faz e fará) a diferença no controle e/ou contenção do vírus. Por isso, todo respeito ao conhecimento daquele povo. Aliás, à todo o conhecimento que seja humanizado e que respeite a naturalidade e a Natureza. Mas, como a realidade não é feita de ‘seria’, tratemos de lidar com a nossa condição, como a nossa realidade, mas, por favor, utilizando a inteligência. Nisso, não copiar o que dá errado, mas sim o que dá certo, já é um grande avanço. Então, copiemos o exemplo de alguns países e Estados asiáticos como Taiwan, Singapura, Coréia e a própria China, ao invés de reproduzirmos preconceitos estúpidos contra estes povos e suas culturas. Precisamos de melhor educação e uma transformação sociocultural (que envolve a política e também a economia). Educação esta que pode(ria) nos conceder a disciplina necessária para lidarmos com situações calamitosas como a atual. Por isso VAMOS PARAR! FIQUEMOS EM CASA já!

"Que o homem é a mais nobre das criaturas pode ser inferido do fato de que nenhuma outra jamais contestou essa pretensão." (G. C. Lichtenberg)

Certamente, se tivéssemos menos prepotência, arrogância e falatórios, mais serenidade e busca por equilíbrio – ou seja, mais disciplina ao modo taoista, por exemplo, controlaríamos (e nos controlaríamos) bem melhor a propagação deste vírus, no mínimo. Equilibrar a si próprios é também somar no equilíbrio da vida, pois ela é isso, um grande espírito que envolve todos nós, e entre pessoas e vírus, da maior à menor forma de vida, todos, incondicionalmente, fazem parte da Natureza que, quando desequilibrada, trata de equilibrar-se para que a vida continue, e neste reequilíbrio, às vezes, alguns seres são descartados. Por isso precisamos viver com a Natureza e não contra ela, e compreendermos que nós, seres humanos, não somos a forma mais evoluída ou melhor de vida, mas sim, mais uma, com tanto valor quanto as outras - perante a grande-mãe, a Natureza. Pensar na nossa pretensa superioridade, é uma crença, e não passa disso, pois, como em outras palavras está escrito na principal obra taoista, o Tao Te Ching, ‘a Natureza, perante a Vida, não distingue os seres, tratando-os todos, como cachorros de palha’.

"Céu e terra não têm atributos e não estabelecem diferenças: tratam as miríades de criaturas como cachorros de palha." (Tao Te Ching, Lao-Tse)

Que possamos aprender com este momento difícil, saindo dele ‘fortalecidos, transformando a tragédia em potência’ (como diria Nietzsche), e aprendendo sobre tudo que, ‘todo o excesso é perverso’ (verso do Tao Te Ching), e que a Natureza e a Vida buscam equilíbrio não metas ou objetivos finais. Por isso, vamos parar de correr e gritar em demasia. Aprendamos a caminhar, com passos leves, com o vento, e ao invés de gritar, falar ou sussurrar. A Natureza, grande-mãe e mestra nos oferece Caminhos, para caminharmos com calma e relaxamento. A angústia e a dor são resultados dos nossos passos, de outro lado, a alegria e a plenitude também. Passada a tempestade, que venha a calmaria e o aprendizado, que nos forneça mais sabedoria para não errarmos tanto.

"A grande virtude do Céu e da Terra chama-se vida" (I Ching, o Livro das Mutações)

Cultivemos a energia/imunidade e fiquemos em casa, agora!



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