sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Demasiadamente humano


Queria estar por dentro da aventura das palavras que correm a frase. Queria compor o texto até o fim, linha após linha, parágrafo após parágrafo, para que quando terminasse, algum leitor dissesse baixinho: ‘Deve ter sofrido, mas terminou’. Um reconhecimento. Queria dizer coisas que não se dizem a qualquer circunstancia ou momento, a qualquer preço, por qualquer motivo. Dizer coisas importantes, grandes, inusitadas e de impacto. Mas só sei o óbvio. Alguém deve saber mais que isso, mas não se manifesta. Por quê? Gostaria de saber. Queria falar do pássaro bem-te-vi que canta toda manhã na janela da minha cozinha enquanto tomo meu Nescafé amargo. Queria ter a sensibilidade de falar do cão que passa triste todo dia às cinco da tarde em frente a minha casa, falar do dia e da noite, suas nuvens e suas estrelas, seus princípios e seus fins. Queria falar do mundo, do tudo e do nada, onde eles se encontram – deve ser na curva de algum lugar impossível. Queria entender a física quântica, Freud e a poesia do Mano Lima. Meu avô disse um dia que eu poderia falar, poderia escrever e me expressar sem objetivos, mas eu não acreditei. Hoje, ainda duvido. Queria beber cerveja comendo fritura no bar da esquina e, sentindo o cheiro da chuva chegando, alertar os que estão em volta: ‘Vai chover!’ – só para me achar alguém especial (mas não há nada de especial nisso). Queria falar aos meus alunos do problema ambiental sem precisar de tanto argumento, fazendo-me compreender facilmente. Mas não, estou aqui, parecendo um doido, no encosto de uma sombra diurna, sonhando com o que ainda não fiz e talvez nunca faça.
Contudo, eu devia estar satisfeito, conformado, com tudo. Mas não, prossigo insatisfeito. Procuro e não acho e quando acho já não quero mais. Minha vida é cheia de vontades e possibilidades, de limites e paixões e muitas negações. Minha vida é uma história e pode ser um conto, novela ou romance. Uma canção. Um dia, quem sabe, um poema.

Alma publicitária

Acabei de beber um senhor ultimo gole de suco de laranja feito pelas minhas próprias mãos logo após assistir a propaganda eleitoral. Laranja de verdade. Fruta. Não suco de pacotinho. Não sei por que, mas ver e ouvir a propaganda me deu uma sede do cão. Ri muito e em momentos me cansei, mas resisti assistindo até o final. Terminada a propaganda eu estava desidratado. Parecia que havia bebido um barril de vinho. Neste contexto, o suco. Enquanto exprimia as laranjas lembrei-me de uma estória que há muito tempo atrás ouvi não sei de quem. Fato ou não, invenção ou não, a estória é engraçada e um tanto repulsiva. Garanto que isso não é novidade para muitas pessoas, mas vai lá. Ouvi dizer que em alguma Igreja velha aqui do Velho Oeste, o pastor entregava uma laranja a cada ovelha do seu rebanho. A fiel ovelha abria a laranja e contava as sementes, segundo ordem do pastor. Conforme a quantia de sementes que a laranja tivesse, seria o tamanho da benção de Deus e o valor ofertado aos céus pelo cristão. Eu seria mais esperto, teria dado uma melancia, maracujá ou romã as ovelhinhas. Imaginem quanta semente! Seria benção pelo resto da vida e grana, muita grana. Olha só no que fui pensar! Influência direta da propaganda eleitoral. Culpa da publicidade. Uma das frases mais clichês que conheço, porém mais acertadas é a que diz que ‘a propaganda é a alma do negócio’.  E é. Em nome do negócio e da profissão, a propaganda não tem escrúpulos, ética ou bom senso. Não é uma questão humana, eu sei. Ainda que muitos publicitários posem de artistas, o foco da publicidade é o mercado, o produto, a venda. E quase toda a propaganda (senão toda!), é enganosa. Aspectos do capitalismo. Além da propaganda de produto existe a dita propaganda ideológica, muito bem utilizada em sistemas de governo totalitários, é o que nos prova a história. O nazismo, por exemplo, um grande momento mundial da propaganda ideológica. Só tenho que sorrir e me mostrar alegre frente a isso tudo, nem que seja mentira. Minha própria propaganda enganosa.

Gente da minha laia (parte I)

* Felipe, o baixista, gaitêro e arquiteto ultrapsicodélico Damo (oooo palhaço!), o poeta surreal-concretista e guitarrista hendrixniano Marciano, eu & Liza... festa de formatura do Elton (Xaxim)


..eu, Liza e a dupla de poetas-roqueiros-malditos do Velho Oeste, Marciano & Macaco.. posando tortos para fotógrafos-paparazzi das colunas sociais (obs.: foto jamais publicada)


 
..o jogatinador 'indiano', artista filoplástico Elton & eu.. churrasco, cerveja, jogatina e pirataria no sítio (Xaxim): na altura do pescoço!


Helen (artista derridaniana), eu & o mensageiro do 'fim dos tempos' Guto (o podre!)
   


..eu & Liza com a poeta-performancer gaúcha Telma.. noite de poesia e vinho no Café Brasiliano


..meu comparsa de Estilhaços no Comportamento (do Voz do Oeste), escritor-contrabandista-literário Diógenes Gluzezak (o cão) & eu.. sinuca e trago no botéco em Santiago City


 ..o Cão, a atriz-teatreira-chocólatra Emanuele (Manúuuuu) e eu em noite de teatro e rock, alguns anos atrás...


 Liza, o anarco-pós-punk-bossanovista-professor-jornalista Luíz & a gonzo escritora jornalista Fabi(ta)..


Liza, Teckila & a diretora-atriz teatreira Ina.. tarde agradável de cerveja no quintal de casa


..o lacaio jornalista-escritor-diretor de cinema hipertrash, capoeirista, gaitêro, filósofo de beira de sanga Marcio Serpa & o Cão


Marcio Serpa & eu (cronistas crônicos e frequentadores de festas sociais onde tem comida e bebida boa)


Helen, eu & Liza, no FSM (FórumSocialMundial), não lembro a edição...


 Helen (vandinha), yo (pintor espanhol fracassado), a artista plástica e professora-cyber-punk Adriana & Liza (punk)


 ..eu & o fotógrafo-cineasta, professor-jornalista, baterista-minimalista, ex-comunicador underground-pirata e fanzineiro Ramiro

  

..eu & o galeanteador-poeta das 'putridas e fétidas pêras' Maike Sócrates (o Macaco) 


..o apresentador-repórter-terrorífico do programa Estudio A Zé Boita-tá & eu.. em torno de zines e revistas undergrounds


só 'gente boa', garanto!


domingo, 23 de janeiro de 2011

Hedonistas sonoros!


                                          dedicado ao Tubin & tantos mais...

“Meu princípio é a vida, meu fim é a morte. Gostaria de viver minha vida intensamente para poder abraçar minha morte tragicamente”. (Renzo Novatore)

Eles nos difamam e nos monitoram, esses canalhas! Nós caminhamos despojados & solitários pelas ruas. Eles espiam por detrás dos vidros das janelas das suas casas onde vivem afugentados do mundo externo e pelos vidros fumês parcialmente abertos dos seus automóveis. São tão escravos dos seus mundos que ao menor sinal de ameaça soam frio com uma angústia que os parte o peito ao meio. Perderam o licor caótico da infância & o odor poético da juventude. Faz tempo! Agora, são secos como troféus de animais empalhados - prêmios de caça abatidos. Eles não suportam nossos risos livres da ambição e da estupidez que rege parte do todo social. Nossas roupas, nossos cabelos e barbas mal feitas... Nosso ar. Eles tem medo de entregar suas filhas, belas e frágeis, à gente da nossa laia e não entendem porque cães vagabundos nos cercam alegremente com suas caudas sacudindo. Eles não toleram nosso cheiro, pois ainda possuímos cheiro de gente - viva! Somos criaturas intrigantes que andam em direção à grande e sublime conquista do nada! Eles acreditam que exista algo para ser conquistado além da própria vida. Ficam odiosos por saberem que o nosso paraíso é aqui, e que lutamos pelo direito de festejar. Sempre tentam nos localizar, nos enquadrar em algum tipo de forma e modelo e, geralmente, não conseguem. Somos seres ‘utópicos’ & invisíveis que descansam dentro de Zonas Autônomas & Temporárias - & eles ficam loucos quando nos perdem de vista. Suas paranóias agigantam-se, cobrindo qualquer possibilidade de luz planetária que os possam iluminar. Participamos de uma intensificação da vida cotidiana, penetrando aos poucos no Maravilhoso da vida, enquanto eles se espremem em escritórios e se confundem com números e saldos em filas bancárias. Nos querem mortos por isso. No fundo, tudo por que nos amam, profundamente, só não admitem. Eles nos invejam. Eles nos querem ser. Mas não conseguem. Nos negam porque queremos viver nesse mundo, não na idéia de outro mundo, um mundo visionário qualquer nascido de uma falsa unificação. Quando por acaso nos perguntam onde vivemos, esperando uma palavra que traga ‘segurança’ aos seus sentidos, a resposta é uma só: “Em algum lugar!”. Somos os ‘malditos-marginais-bandidos sociais’, um tipo musical de terroristas poéticos que bebem junto ao tempo a mais destilada aguardente. Superamos o medo social-cultural de não ser e não ter, assumindo nossas faltas, nossas decadências e nossos vícios, combatendo assim nossa própria formatação moral, pois queremos mais do que simplesmente ‘classificação’, ‘soma’. Já entendemos que não somos números dentro da estatística estabilizante que tenta regular a vida, baseada em conceitos e costumes hegemônicos e arbitrários.

“Todas as sociedades tremem quando a desdenhosa aristocracia dos vagabundos, dos inacessíveis, dos únicos, (...), e dos conquistadores do nada, avança resolutamente. Iconoclastas, avante! ‘O céu em pressentimento já torna-se escuro e silencioso!’” (Renzo Novatore).

*  Com ajuda de Hakim Bey.


















eu e o Tuba em alguma noite de Entrevero de Rock...

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Amigo Pedro (ou ‘o outro lado’, uma canção antiga)

Pedro não existe, mas sempre esteve por aqui. Pedro é o fantasma que assombra meus dias. Meu companheiro - não de corpo e alma - só de alma. Pedro tem sua alma penada mais transparente do que água. Às vezes eu até falo com Pedro, mas acho que ele não ouve. A fala é algo tão humano que chega a ser física para os fantasmas. Pedro tem um nome humano dado por mim. É uma mania humana dar nomes humanos a não-humanos. Como se dá nomes aos cães, gatos e passarinhos. Nisso (segundo algum teórico do passado), Pedro poderia ser um cão, gato ou passarinho. Mas não, Pedro é mesmo um fantasma. Sei que ninguém acredita que fantasmas existam, a não ser algumas crianças e eu. Pedro não se importa. Aliás, fantasmas não se importam quanto as suas inexistências, pois elas são apenas materiais. Explico: fantasmas só existem fora da matéria, do corpo físico, da carne. Acho que agora me fiz compreender (espero que leve em consideração meu esforço, pois explicar um fantasma não é tarefa fácil).  Um dia, um poeta disse que fantasmas não fumam por medo de tragarem a si próprios. Por isso, quando quero ficar sozinho, ascendo um charuto. Pedro fica com medo de ser soprado e desaparecer junto com a fumaça. É uma boa estratégia, eu sei. Obrigado!
Pedro, como tantos fantasmas por aí, vive das assombrações que comete. Minha amizade com ele começou na infância quando eu, acometido por uma febre terrível, delirei e ele apareceu, aproveitando dessa fragilidade para me assustar. Acontece que minha febre diminuiu, mas não passou - continua até hoje. Pedro então vive preso em minha febre, em meu devaneio diário e, de lá para cá, me acompanha. Há muito, assumi meu fantasma e o transformei em outro. A partir disso, me conheci melhor.
Não assumir seus fantasmas é prosseguir prisioneiro de seus medos mais terríveis, assombrações por toda a vida.
Pedro já não me assusta. Me faz perceber e reconhecer as contradições de meu tempo e das quais faço parte.




É... Moda! (a publicidade de mim mesmo)

É moda usar muitas cores. Tênis, calças, pulseiras, tudo muito colorido. Mas isso não é novidade. Nos anos de 1980 isso também já foi moda. Restart? Cine? Não, não, vocês tinham que ver o que era a Blitz, banda do Evandro Mesquita, da Fernanda Abreu. Aquilo é que era colorido! Só que com a musicalidade um pouco melhor. Tá bom, tá bom, bem melhor! Parece que voltou. Mas isso não interessa. Essas voltas estão na moda: ‘A ressurreição dos mortos’. Sair de biquinho em foto-perfil de Orkut ou fotografar-se no espelho, de cima pra baixo, estufando e enchendo o(s) peito(s) (a sedução da imagem na moda). Tatuagem em qualquer lugar por qualquer motivo. Piersing no umbigo se for magrinha ou de barriguinha malhada. Ser emotivo, cheio de trejeitos e maneirismos. Até o homossexualismo (pelo menos visual), está em alta. O que antes era um ‘afronto social’, hoje é status, modismo. O fato é que existe mercado pra isso tudo.  Num passado não tão distante, quando o aluno reclamava: ‘Professora, fulano está bulindo de mim!’, todos riam e achavam brega, ridículo, muitas vezes até o professor. E hoje, falar em Buling, mesmo não sabendo o que isso significa, virou moda. Tudo clichê contemporâneo. Tudo é exposição e imagem. Eu mesmo me exponho ao falar disso e mais daquilo. Olha só, tenho até foto aqui: ‘Mira, mira, cabrón, arriba!’ Ah, também tenho minha foto-perfil no Orkut (me add ae!). Também tenho minha própria exposição, minha imagem trabalhada, seja ela em foto shop ou caricatura teatral. Devo pertencer ao mundo da imagem ou calar-me para sempre - e sucumbir no tempo. Mas também quero estar em evidência - e existir.
Minha vitrine é tão transparente que se pode ver quase tudo o que há do outro lado. Minha vida é um livro aberto com algumas páginas apagadas pela memória dos outros (ou pela falta dela). Se eu estiver sendo inconveniente, caros-leitores-motivos-meus, me perdoem, pois se fecho os olhos pra isso, perco o mundo de vista. Moda e imagem, o uso disso determina muita coisa. E saber disso é... Moda!


quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Voa Tuba!

O rock xapecoense se despede de um dos grandes bateristas da cidade e região. Tubin tocou, entre outras bandas da cidade, na memorável Bauretes Quizofônicos. Já à alguns anos, Tuba era baterista da banda Epopeia. Admirador de bateristas do naipe de Ginger Backer (The Cream), Keith Moon (The Who), Don Brewer (Grand Funk) e Mith Mitchel (The Jimi Hendrix Experience), Tubin representou por aqui o estilo dos bateristas de que gostava, com sua pegada e feeling peculiares. Assim, Xapecó perde uma 'lenda' do seu rock (como foi o caso de outro batera dos anos 70 por aqui, Tonny Batera, do lendário Grupo Nozes). Este ano a banda Epopeia completa (ou completaria?) 10 anos de rock, mesmo ano em que se despede do Grande Tubin. Além de um baita batéra, Tuba era um grande Amigo. Portando, registro aqui uma singela homenagem ao nosso 'baquetas voadoras'...





Canto ao amigo sonoro
                                               para Tubin

Um ser feito de poucas palavras
Gestos discretos
E riso leve atrás do óculo...

Em tempos de disputa e correria
Seguia seu próprio ritmo
Andando com seus próprios passos
Leves e flutuantes
Passos de ave

Era estranho e torto para alguns
Para outros,
Gente de verdade
Figura rara no meio da multidão

Era de carne e osso, como todo mundo
Mas sua alma era feita de música

- Mas passou tão rápido por nós?

Eu diria que não...

Viveu,
Fez o que pôde, como quis e do seu jeito
Um jeito inimitável e original de ser

Agora, vai musicar em outras paragens
E nós, por enquanto, ficaremos aqui
Esperando pelo reencontro
Para um dia, juntos
Novamente tocarmos
                                         [a música de todos nós!


Herman G. Silvani

13/01/2011


Olhos Vivos
(Niko & Liza)

Nunca mais eu quero saber
Se eu pudesse voltaria pra ser
Uma criança selvagem
Que acabou de nascer

Sentiria os meus pés no chão
Pisaria as folhas do chão
Olhos vivos
Sem ambição

Tenho 'curas de vida' em mim
Nos meus 'sonhos de água'
sem fim

Fim!





"Tuba! Foi um prazer dividir o palco e a amizade contigo! Descanse em paz!"



Epopeia **  Herman (Niko): guitarra & voz; Eliz: vocal; Tubin: bateria; Liza: baixo & voz.


Fabricio Tubin  * 12/03/1982 + 12/01/2011


quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Estilhaços no comportamento...

Mais um espaço conquistado!
Agora, todos os sábados no Caderno Comportamento (organizado pela amiga, jornalista e 'escritora/blogueira' Fabita - sei que ela não gosta muito de ser chamada de escritora, mas é, e das boas!) do jornal Voz do Oeste, 'Estilhaços Poéticos'. Textos literários, poesia, Caos linguístico & coisas da laia, escritos por mim e pelo cão (Diógenes Gluzezak) - os da foto estilo 'beat' aí do lado.

 Também estamos na internet em:

Confiram e bebam do nosso vinho!

* Obs.: Os cigarrinhos da foto, são 'mamicas de cadela', os ditos 'caboclos' ou 'paieiros' (a modo de esclarecimento).


Um cachorro morreu

Meu cachorro morreu.

Enterrei-o no jardim
junto a uma velha máquina oxidada.

Ali, não mais embaixo,
nem mais em cima,
vai se juntar comigo alguma vez.
Agora ele já se foi com sua pelagem,
sua má educação, seu nariz frio.
E eu, materialista que não tem fé
no celeste céu que foi prometido
para nenhum humano,
para este cão ou para todo cão
acredito no céu, num céu creio
onde não entrarei, mas ele me espera
ondulando sua cauda como um leque
para que eu ao chegar tenha amizades.

Ai, não direi a tristeza na terra
por não mais tê-lo como companheiro,
pois para mim jamais foi um servidor.

Teve a mim a amizade de um ouriço
que conservava sua soberania,
a amizade de estrela independente
sem mais intimidade que a precisa,
sem exagerações:
não subia sobre as minhas vestimentas
enchendo-me de pêlos ou de sarna,
não se esfregava contra os meus joelhos
como outros cães obsessivos sexuais.
Não, meu cachorro me olhava
dando a mim a atenção que eu necessito,
a atenção necessária
para fazer compreender a um vaidoso
que sendo ele um cachorro,
com esses olhos, mais puros que os meus,
perdia o tempo, mas ficava me olhando
com o olhar que reservou para mim
toda sua doce, sua peluda vida,
sua vida silenciosa,
perto de mim sem me incomodar nunca,
e sem me pedir nada.

Ai, e quantas vezes eu quis ter cauda
andando junto dele pelas margens
do mar, em pleno inverno de Isla Negra,
na grande solidão: tendo por cima o ar
transpassado de pássaros glaciais
e meu cão brincando, hirsuto, repleto
de voltagem marinha em movimento:
meu cachorro vagabundo e olfatório
arvorando uma cauda dourada
frente a frente ao Oceano e sua espuma.

Alegre, alegre, alegre
como os cachorros sabem ser felizes,
sem nada mais, como o absolutismo
total da natureza descarada.

Não há adeus ao meu cachorro morto.
Não há nem houve mentira entre nós.

Já se foi e o enterrei, e isso foi tudo.

(Pablo Neruda)

*em memória da Lua + 02/12/2010

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Minha laia

uma pessoa da minha laia não merece ser lida, ouvida nem tão pouco levada a sério. uma pessoa da minha laia tem sérios problemas sócio-culturais. sou um homem mau e de faro aguçado. faço parte de um grupo seleto de pessoas que se enquadram no que bons cristãos e nazifascistas chamam de cambada. eu e minha cambada inspiramos receio aos mais esnobes e moralistas. pessoas da minha laia, riem daqueles que se auto-proclamam heróis ou libertadores de qualquer coisa, pois heróis e libertadores apenas são. minha cambada tem muita coisa pra mostrar, muita coisa pra contar, mas prefere agir. pessoas da minha laia estão preparadas para ouvir, aprender e se preciso, intervir. gente da minha laia lê Fante, Gutierrez, Medina Reyes, Kerouac, Bukowski, Terron, Thompson, Assunção, Mirisola, Nietzsche, Cioran, Hakim Bey... que são da laia que inspiram gente da minha laia. gente da minha laia reunida forma uma cambada. uma cambada de gente da mesma laia. gente da minha laia admira Lampião e seu Cangaço, Emiliano Zapata, o Subcomandante Marcos e o Zapatismo; ouve Arnaldo Baptista, Charly Garcia, Tom Zé, Rui Maurity, Beethoven, Johnny Cash... come comida apimentada, bebe vinho, cerveja, uísque, rum, tequila e café; contempla a pirotecnia e só por causa da comida e bebida, marca presença em almoços nus ou jantares onde ‘pessoas importantes’ e pomposas se reúnem - também em aberturas de exposições de arte onde há um bom coquetel regado a vinho e salgadinhos gordurosos. gente da minha laia excursiona pelos botecos esquecidos da cidade e não dá sua cara a tapa gratuitamente. gente da minha laia escreve em jornais textos improváveis, provocantes e poéticos por alguns trocados que depois são gastos em prazeres da carne e da alma. gente da minha laia não tem medo de ser nem estar - apenas se reserva em momentos. gente da minha laia é discreta e tem certo humor, certa elegância nos gestos e nas palavras, e quando necessário, tem o poder do sarcasmo e da ironia para algum eventual combate. eu sou um pouco belicoso, como toda a gente da minha laia. enfim, minha laia é circundada de cães & crianças, numa festa alegre e disposta, caótica e intensa, cheia de fragmentos de tudo quanto é coisa viva. portanto, atenção! somos poucos, mas bem distribuídos por aí!

Laialai-a: qualidade; jaez (arreio de montaria; índole; temperamento); casta; tipo; espécie. (Dicionário Silveira Bueno).

Alguns motivos que levam um ser da minha laia escrever (ou não!)

Existem perguntas sem respostas precisas. Não uma resposta pelo menos. Uma dessas perguntas que volta e meia me surge, é o porque de se escrever, ou seja, ‘pra que e pra quem se escreve?’. Muitos dizem que escrevem pra si mesmos (também acho que já disse isso no tempo em que era mais ingênuo - ou queria fazer parecer que era isso mesmo). Mas depois percebi, e então assumi que nunca foi assim. Quem escreve pra si mesmo, escreve em um diário secreto, a sete chaves. O escrever ‘pra si’, faz parte de um contexto romântico (não no sentido de amor, mas aquele literário, ligado a paixão mortal, ao heroísmo, ao ‘mal do século’, que de certo modo transformou-se numa tradição, antes localizada em determinado período histórico). Vou apenas divagar sobre isso, sem tentar alcançar qualquer objetivo que resuma o problema. Creio sim que o escritor (ou aquele que se propõe a escrever algo e publicar este algo), tenha motivos diretos para sua escrita. Escrever é uma tarefa, requer certo tempo, critérios, gosto e direção. Certa prática, intimidade com a palavra e com o tema. É trabalhoso, portanto, um trabalho (dentro de um conceito mais amplo do que simplesmente ‘servir para gerar lucro e subsistência’). Nisso, o trabalho destinado junto ao tempo em que o escritor se empenha para escrever um texto, busca algo além do ato em si. Posso usar minha própria condição como exemplo, pois sei que todos os demais que como eu escrevem, tem motivos e objetivos semelhantes em algum aspecto. Nisso, escrevo para dizer, comunicar, expressar e registrar. Mas tudo acontece por uma necessidade, primeiro existencial, depois, talvez, econômica (no meu caso, as duas). O fato de receber uma quantia em dinheiro para escrever e publicar textos torna-se um impulso, um motivador, um motor, e todo escritor (neste sentido), que publica seus textos, busca certo ‘reconhecimento’ (o que não é a mesma coisa que ‘fama’). Muitos tendem a confundir ‘reconhecimento’ com ‘fama’. Reconhecer é antes de tudo, ler, admirar, elogiar, criticar, contratar (transformar o trabalho artístico da escrita em trabalho gerador - não falo aqui só de lucro, mas de acesso, leitura e ‘possibilidades geradoras’). Reconhecer é valorizar o escritor a partir da sua escrita. Portanto, por mais que existam ‘motivos’ que levam o homem a escrever, em algum dado momento, eles convergem e se encontram num mesmo lugar. Contudo, se escreve por uma necessidade de se expressar em primeiro lugar, e toda a escrita vai dar na relação com o outro, na comunicação. Por isso, toda a escrita visa o leitor. Então, quem não necessita dizer, contar, comunicar, expressar, também não necessita escrever.

·         O que seres da minha laia dizem sobre isso tudo e um pouco mais...

O cubano Pedro Juan Gutierrez, sobre o ‘ofício’ de escrever:


..e a ‘matéria-prima’ da sua literatura:



O poeta curitibano Paulo Leminski, sobre poesia: